Mostrando postagens com marcador Vida. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Vida. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 1 de março de 2024

Mudanças no varejo, nunca no atacado

Tenho começado estas reflexões a partir de frases - perdoem a expressão que já considero um clichê irritante - gatilhos.  No mainstream os gatilhos são associados ao despertar de sentimentos negativos, mas “na-minha-cartilha-stream” os gatilhos são positivos, aqueles que te obrigam a parar para pensar e, com sorte, agir.  O gatilho-título desta vez veio de uma tradição cética-conservadora dos ingleses, a crença de que mudanças de qualquer natureza devem ser ser feitas aos poucos e nunca de supetão.  Devagar, pontual, quase que experimental, na tentativa e erro. 

Já começam certos porque fazendo aos poucos quase sempre não fazemos de forma definitiva, o que é ótimo. É bom poder mudar de ideia, é bom poder voltar atrás e acertar o curso se preciso.  Flexibilidade de pensamento que anda junto com aprendizado e evolução.  Sabemos que é humanamente impossível antecipar todos os impactos de uma decisão, porque existe o imponderável.  Implementar mudanças de forma gradual é portanto questão de segurança, de bom senso e que dá tempo de reação se alguma coisa sair muito errada. “Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro” (Sábia Clarice!).

Sabemos que precisamos mudar algum ou muitos aspectos da nossa vida, sabemos que fazê-lo de forma gradual é o mais sensato e ainda assim nem sempre agimos no tempo certo, ou pior, nem sempre agimos.  Em contrapartida aos propensos às decisões intempestivas estão os que não decidem.  Sofrem por antecipação, adiam decisões, deixam de expandir para encolher.  Esperam pelos outros, pelas circunstâncias, pelo “destino”.  Mesmo com a sobre-humana capacidade de se adaptar às mudanças que o ser humano possui, esta turma espera o momento ideal sem consciência de que não tomar nenhuma atitude é tomar uma atitude, é fazer uma escolha e uma das que mais impacta a vida: o que se deixa de viver.

Dois modos operantes drasticamente contrastantes, e para quem finalmente se dá conta disso apresenta-se o terceiro caminho: o do meio termo. O do bendito equilíbrio.  Emocional, financeiro, profissional, orgânico...  A busca incessante pela dose certa, o eterno “não meter os pés pelas mãos, mas também não ficar vendo a banda passar”.  Aparentemente trivial, mas tão difícil!  Concluo que não se apegar às ideias cristalizadas e principalmente, aos ressentimentos, é um começo, e aprender com eles a continuidade.  São eles que constroem nosso caráter e trazem o desconforto que vai mostrar quando é hora de agir, no varejo ou no atacado.

xxx


Da melhoria das gerações e a politização do Enem

Hoje foi o segundo dia da prova do Enem.  Como conheço jovens que estão fazendo a prova, venho acompanhando a maratona e o bafafá que foi no domingo passado quando várias partes da prova foram criticadas pelo possível teor político-identitário, ou simplemente tendencioso e extremamente interpretativo que traziam.  De erros grosseiros de ortografia ao tema da redação, passando por suposta crítica ao agronegrócio, foi um prato cheio para tumultuarem o que já não é simples para os únicos que de fato são impactados pelo exame: os jovens.  Felizmente não cancelaram a prova, como chegou a ser aventado, mas fiz questão de entender o ponto de vista deles, os “Enemers” - como eles se auto-identificam com aquela alegria e leveza tão peculiar.  

Conversei com um Enemer equilibrado. Que estudou, mas não bitolou. Que se dedicou a vida toda, e não só não último ano, e que exatemente por isso se deu ao luxo, neste último ano, de levar uma vida normal. Estudou, fez exercícios, foi à praia, se alimentou bem, dormiu bem, namorou e passeou. Tudo de forma equibilibrada, o que na minha modesta opinião é a estratégia correta não só para o Enem, mas para a vida.  Mas vamos ao tema principal da conversa: a redação.  Como eu gosto de escrever e tirei 10 na redação nos dois vestibulares que fiz há mil anos atrás (cujo tema foi “lazer”, levando muitos a zerar a prova ao dissertar sobre raios lasers...), eu tinha tudo para orientar e instruir em como fazer uma boa redação. Mas me recolhi à minha insignificância e possivel desatualização, e sugeri um curso atual de redação, focado no que as bancas examinadoras exigiam hoje.  

Como a redação pode ser feita em um rascunho primeiro, terminada a prova eu pude ler a redação entregue praticamente na íntegra. O tema era: O trabalho invisível de cuidado das mulheres. Importante? Sem dúvida. Adequado? Não sei. Ouvi de muitos que não era adequado pois os jovens teriam que falar de um assunto que só se aprende com experiência e uma vivência que eles não tinham. Discordei. Acho-os perfeitamente capazes de discorrer sobre qualquer assunto que tenham algum nível de compreensão.  Opiniões de lado, a redação que eu lia me parecia a continuidade perfeita do enunciado do tema.  Misandria, misogenia e até Marx eram citados, reforçando a importância e necessidade de atenção do governo para a questão.  Fiquei surpresa com a profundidade da análise dele e a riqueza de vocabulário, mas mais ainda com a ideia que estava sendo proposta ali, tão sútil quanto as questões “neutras” da prova.  

Elogiei a redação e perguntei: mas você pensa assim? E ele, muito calmo, me disse: eu escrevi para a banca, fiz uma redação técnica. O que eu penso eu posso dizer depois. E eu fiquei pensando a semana inteira nisso. Como pode na minha época o tema ser lazer, ou a morte do superhomen (tema do ano seguinte ao meu), e um bando de lunáticos tirar zero por não saber ortografia, e hoje jovens dissertarem, e bem, sobre questões realmente relevantes para a sociedade, com propriedade, ideias e argumentos claros, coesos? Como podem, com tão pouca idade, já terem plena consciência sobre sustentabilidade, igualdade de direitos, deveres, gênero e raça? Se isso não é evolução da humanidade, eu não sei o que é.

xxx


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Amigos x Conhecidos

Hoje vi um meme que dizia assim: “Vamos normalizar rebaixar amigos para conhecidos, quando não estiverem mais aptos para a função”. Como toda piada boa, traz um fundo - ou boa parte - de verdade. Os amigos são “rebaixáveis”? Não, amigos são cíclicos.

Amigo de verdade nunca deixa de ser amigo, mas as amizades têm fases. O pulo do gato é percebê-las para conseguir manter quem é importante por perto, saber lidar com as fases, entrar e sair de cena.

Amigos de verdade não se faz a cada esquina. Um mundo de coisas aproxima ou afasta as pessoas. Para entrar na sua vida e ficar precisa afinidade, rotina, sorte. Sorte de ter estudado na mesma escola, de não gostarem da mesma professora, de gostarem da mesma banda, de terem escolhido a mesma faculdade, passado para o mesmo estágio, escolhido a mesma festa naquele sábado à noite, terem tido filhos em momentos próximos, terem tido decepções ou conquistas parecidas, no mesmo momento, nos mesmos lugares.

Amigo de verdade te conhece. Sabe quando você está passando do ponto e vai te dizer isso nem sempre da forma que você gostaria. Ainda assim agradeça, a maioria não te diz nada por comodismo, falar a verdade e encarar as consequências dá trabalho e desconforto.

Amigo de verdade vai passar por inúmeros ciclos da sua vida. Às vezes de perto, às vezes de longe, dependendo da fase em que está. Nem toda fase comporta qualquer amigo, mas o amigo de verdade sempre volta para sua vida. Nem que seja para atualizar do que aconteceu nos últimos anos, sumir outros tantos e voltar no seguinte como se nada tivesse acontecido.

Amigo de verdade não se justifica, não se demora, não faz rodeio. Não manda mensagem educada com “oi, boa tarde, tudo bem?” – entra direto no  “tá fazendo o que? Vamos pra tal lugar?”. E quase sempre o outro vai, porque amizade é sintonia. É gostar das mesmas coisas, é querer estar nos mesmos lugares e, luxo maior, querer isso ao mesmo tempo, na mesma fase da vida.

Esta sincronicidade é rara. O fim da pandemia, por exemplo, provocou uma sintonia geral nunca vista. Nunca todos quiseram tanto e ao mesmo tempo sair, encontrar amigos, conversar, beber, rir, beijar, abraçar, ficar junto. A preciosa sintonia. Mas a falta dela também não é o fim do mundo. Acho que nunca vai ser preciso rebaixar os amigos a conhecidos. Eles só estão em um momento diferente do seu. Se for amizade de verdade espera, já já vocês se encontram de novo.

 xxx

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Se você quer o sétimo céu, vai ter que subir degrau por degrau

 

Já dizia Leo Jaime. Hoje parada num sinal de trânsito ao ouvir o refrão desta música no rádio lembrei do que me disse um cartomante há vinte anos atrás, quando perguntei se daria certo escrever, atuar, trabalhar com arte.  Muito charlatanamente ele me respondeu que só dependia de mim, que eu tinha todas as ferramentas para isso mas o quanto de esforço eu dedicasse é que determinaria o meu sucesso. Logo depois de ele dizer também que havia  “um trabalho” direcionado para minha vida pessoal, e que por vinte reais ele poderia neutralizar tal mau agouro, eu saí pensando em quanto está exclusivamente na nossa conta o sucesso de qualquer empreendimento.

Existe uma combinação de sorte, pré-disposição e oportunidade para as coisas acontecerem.  No meu caso, olhando minha linha do tempo constatei que nunca consegui reunir de forma consistente e simultanea estes trê elementos com a finalidade de escrever. Peguei a sorte para formar uma família, aproveitei a oportunidade para voltar a trabalhar quando os filhos já estavam menos dependentes. A pré-disposição vem em doses periódicas não regulares, como vocês podem ver pela esporadicidade das postagens deste blog. Arquei com as consequências profissionais destas escolhas – algum atraso em evolução profissional se comparado aos meus pares de início de carreira - mas os ganhos pessoais compensaram.

Por um excesso de pragmatismo rapidamente coloquei o hábito de escrever na prateleira do hobby, que fazemos quando dá, sem obrigação – o que é até coerente, já que para escrever precisa inspiração, que não vem na marra. Mas “a inspiração precisa te encontrar trabalhando” (sábio Picasso). A sorte precisa te encontrar trabalhando. O talento precisa te encontrar trabalhando, seja ele para o que for.  E por trabalho entenda-se uma sucessão de esforços contínuos em todos os aspectos da vida.

É extenuante, é cansativo, é desafiador. Ser feliz continua dando trabalho (reparem que tem um post de 2014 com este título). Dá um trabalho danado e requer manutenção. Se for preventiva ainda melhor (a reativa costuma ser bem mais dolorosa). Requer cuidado. Requer agilidade, somos uma máquina que muda rapidamente. Requer mais do que tudo perceber estas mudanças inerentes ao comportamento humano. Mudamos nossos lugares preferidos, nossas pessoas favoritas, nossos quereres... E de tudo que dá trabalho talvez o mais difícil deles seja identificar as mudanças, saber quando aceitar, quando negociar e quando se adaptar a cada uma delas. Se o Leo acertou no refrão, talvez tenha errado no título da música. Tudo muda, o tempo todo.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Frenesi social

 

Eis que volta a haver tempo para produzir algo não relacionado ao trabalho. Pensei comigo esses dias: vou dar uma olhada no blog e rir do que escrevi no passado. Comecei rindo da sessão “Sobre mim”.  Para quem se diz inconstante, a descrição que estava lá durou bastante tempo: 16 anos!  Pouco mexi na atualização que fiz hoje.  Por mais inconstante que seja uma pessoa a essência dela tende a ser a mesma por toda a vida.

Estamos experimentando uma guerra neste exato momento, que espero com fé que não se prolongue a ponto de virar uma crônica aqui, por isso vou passar batida.  Gosto de amenidades (se é que o comportamento humano pode ser considerado uma, tenho dúvidas).  Experimentamos nossa primeira pandemia, que parece estar finalmente terminando.  Experimentamos 2021 como um ano de receio, celebração e redenção. 

Receio por ainda não estarmos livres da pandemia: seguimos vacinando, morrendo, vacinando de novo, aglomerando, se isolando, aglomerando de novo, reclamando da mídia vergonhosa, politizando a saúde.  

Celebração porque na menor brecha que tivemos, celebramos. Celebramos casamentos adiados de 2020, viagens canceladas, reencontros antecipados, celebramos estar vivos.  O que curiosamente fez de 2021, ainda que um ano pandêmico, um ano de encontros inesquecíveis cuja única explicação está na redenção.  Foi um verdadeiro frenesi social, tamanha a ânsia das pessoas em voltar a viver.  Se reuniram, comemoraram, riram, dançaram, beijaram. Se rendendo à natureza humana que é gregária, ainda que de máscara.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Dos Atrasos da Vida

Alguns atrasos na vida são inevitáveis.  Eu mesma só fui gostar de literatura na faculdade, e entender o que queria fazer da vida depois dos trinta.  Nossas escolhas estão diretamente ligadas à maturidade e ao conceito clichê do “tem que perder para dar valor”. 
Aos vinte e poucos anos eu já havia concluído uma boa faculdade, terminado a pós-graduação, tinha um ótimo emprego em uma multinacional e não estava satisfeita.  A empolgação inicial com o trabalho dera lugar a um tédio infinito, uma desmotivação absoluta. A vida corporativa era para mim um adorável mundo cão: me proporcionava tudo o que eu queria, pela mera quantia de todo o meu tempo e energia.  Eu já não era dona dos meus horários e dos meus desejos. Na verdade já não os tinha, a menos que fossem desejos produtivos, eficientes e lucrativos, a menos que fossem os desejos da empresa.
Quis então jogar tudo pro alto e ir fazer teatro.  Pedi demissão e fui estudar Nelson Rodrigues, e fazer a louca da Navalha na Carne, feliz da vida.  Plínio Marcos me encantava, mas estava longe de ser parte de um trabalho, do meu trabalho.  Realisticamente eu teria que me acostumar a viver como nômade, sem um porto seguro e sem dinheiro.  Mas eu não queria ser dona do meu tempo e dos meus desejos? “Taí”, me respondia a vida, irônica.  A vida mambembe só me pareceu interessante por um fim de semana, não para vida toda.

Tirei então um ano sabático, escrevi um livro e emendei com projetos pessoais que trouxeram duas lindas pessoinhas para a minha vida, que valem cada segundo do meu tempo.  E cuidei deles exclusivamente enquanto bem pequenininhos e dependentes.  E eles estão crescendo, cada dia precisando menos de mim, como deve ser.  Era hora de voltar.  

E hoje, circulando novamente pelo centro do Rio de Janeiro sentindo aquele cheiro forte de inseticida na portaria dos prédios, ou tropeçando nas pedras portuguesas irregulares, vejo que o novo e velho ciclo se reinicia.  Que o adorável mundo cão corporativo (que na verdade pode ser um poodle manso, irritante e obediente, dependendo de como eu o encare) me recebe de braços abertos.  Escuto os jargões corporativos, hoje modernizados mas que me divertem como há quinze anos atrás, e vejo que gosto deles, que senti falta deles.  Porque é o que sei fazer e o que faço bem feito. Às vezes é preciso tentar outros caminhos para (re)encontrar o seu caminho, o mesmo caminho.   Um atraso no percurso original, necessário para o amadurecimento e imprescindível para voltar a fazer a mesma coisa, feliz.



XXX

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Felicidade dá trabalho

Felicidade dá trabalho.  Escutei esta frase ontem à noite, depois de um dia normal de semana: acordar cedo, levar filhos à escola, trabalhar todo o dia, voltar tarde para casa, trabalhar em casa, pôr os filhos na cama, assistir um pouco de tv, conversar, para finalmente ir dormir e começar tudo de novo no dia seguinte.  Querer participar da rotina das crianças, por exemplo, é um trabalho avassalador, mas que compensa ao ver o rostinho deles ao dormir e acordar.  Dar conta de estudar, trabalhar, ganhar o próprio dinheiro, ter sucesso profissional, um casamento feliz, amigos por perto, equilíbrio emocional, filhos fortes e felizes... não é fácil.  O dia a dia é cansativo?  É.  Viver bem é trabalhoso?  É.  Mas vale a pena.  Vale a pena quando no fim do dia o saldo é positivo.  

Escutei a expressão do “saldo positivo” pela primeira vez há cerca de um ano, de um amigo que associava sabiamente os relacionamentos afetivos à uma balança sentimental.  É sabido que na relação homem-mulher, na relação familiar e nas amizades, em todas elas, não existe perfeição.  Atritos e questionamentos fazem parte de uma convivência normal, que a grosso modo é composta de aporrinhações e alegrias.

Tem dias que o percentual de aporrinhações ultrapassa o de alegrias (às vezes ultrapassa a estratosfera).  É quando a gente percebe uma expectativa frustrada, uma injustiça qualquer, uma atitude impaciente, ou inconsequente, que leva a consequências irreversíveis.  Nesta esfera destaco com louvor o nosso infindável desejo de controlar tudo ou agradar a todos – definitivamente o atalho mais curto para a decepção!

Tem dias nos quais você está cansado demais para qualquer coisa, até para se aporrinhar.  Fique atento se você chegou no ponto de não se importar, das mazelas da vida a indiferença é a mais cruel.  

Mas tem dias em que as alegrias são maiores.  É quando temos saúde, sentimos o amor ou simplesmente rimos até chorar.  Trata-se de matemática e proporção. Saber dar a importância certa aos acontecimentos da vida é o caminho inteiro para a felicidade.  Releve as besteiras e só queira saber do que pode dar certo.  O que importa é que no fim do dia, do mês ou da vida, o saldo seja positivo.  Ou promissor.  De crescimento, conquistas e, principalmente, alegrias.



XXX

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Tradição de Natal



Parece que foi ontem que na grande e velha casa da Av. Rui Barbosa, em Friburgo, meu irmão e eu ficávamos à espreita de Papai Noel no corredor.  Dia desses passei pela mesma avenida e fiquei triste ao ver apenas o terreno da construção.  A casa foi ao chão para dar lugar à expansão do Ministério Público do Rio de Janeiro na comarca da cidade. 

Parei alguns instantes em frente a casa, fechei os olhos e vi.

Sobre uma das mesas da sala estava a árvore branca de Natal, decorada com bolas vermelhas - das de vidro, que quebravam.  Muitos presentes ao redor.  Naquela época a vida era mais farta, pelo menos aos meus olhos de criança.

Com o dia regado à torta de maçã, castanhas, amêndoas, nozes e todo tipo de fruta, a ceia com a dupla infalível de perú e tender - crajejado de cravos, bezuntado de Karo, nadando nas frutas em calda - nem precisava ser tão abundante.  

Os homens da família reclamando do show do Roberto Carlos, e as mulheres o defendendo... ele é o Rei, bichoE comiam e bebiam, muito e bem. Vinha a troca de presentes, os abraços, o amigo - ora oculto, ora secreto, como em toda família de cariocas com paulistas.   E finalmente chegava a hora de por os sapatinhos no corredor, para em cada um deles, no dia seguinte, encontrar os presentes deixados pelo misterioso velhinho. 

E nadar no mar de papel de embrulho, rir do passa ou repassa dos presentes-bomba, do medo da balança, da ressaca. Vinha o riso das lembranças, a confraternização.  Exatamente o que se espera do Natal. Todo ano, tudo igual. Como uma tradição deve ser.  


XXX


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O Menino e o Helicóptero






O menino puxa a cordinha e vai o helicóptero pelos ares.
Em seu sorriso as janelas se abrem para o céu.
Em seu coração uma aura de pureza.
Voa helicóptero, voa.

Como é doce a vida!
Quero correr,
Quero voar,
Quero viver.

Como é o mundo?
Voa helicóptero e descobre.
Vai sem medo.
Sem medo de cair.
Viu como foi longe, tio?

Longe... Muito longe.

Paulo Luz



XXX



segunda-feira, 9 de setembro de 2013

The wind of change


Ou no bom e velho português claro: O Vento da Mudança.   Há alguns dias resolvi reformular este site, talvez motivada pela descoberta casual do blog de uma menina, a Marina Smith (o blog é o 2beauty), que fala essencialmente de maquiagem e beleza, mas traz implícito estilo de vida, gostos e preferências em diferentes aspectos.  Por algum motivo ver o site dela tão bem elaborado, atualizado com frequência e bombando no território virtual, me animou a mudar alguma coisa por aqui. (As mudanças geralmente precisam de faíscas. A autocombustão dentro de nós até existe, mas é raríssima!)

Comecei então pela aparência, que é mais fácil.  Conteúdo sempre é mais difícil de encontrar, tanto em pessoas como em coisas.  Com todo o amor que tenho pelo Rio de Janeiro, já não aguentava mais olhar para aquela foto estática azulada do Pão de Açúcar que ilustrava o cabeçalho aqui de cima.  Lembrei então que muitos dos sites bem sucedidos são aqueles onde há uma maior identificação do público com o autor.  Então por que não por fotos do meu dia a dia? (E isso nada tem a ver com narcisismo, só não me parece adequado expor imagens não autorizadas de outras pessoas).  Aí vocês podem pensar naquele velho papo da autoexposição, que eu mesma já falei por aqui.  Também pensei. Mas concluí que ou bem eu escrevo ou bem eu não me exponho.  É impossível escrever sobre comportamento humano com total imparcialidade (a gente até tenta, mas os mais perspicazes sempre percebem o posicionamento do autor). Ou seja, por mais que me preserve alguma exposição sempre haverá. Ossos do ofício.
 
Mudei a aparência e acrescentei uma descrição do blog (ainda que muito sucinta e distante do que queria, mas beleza), explicando a origem do nome e o critério de definição de conteúdo.  A origem do blog foi mais fácil, e acho que foi o que deu o viés para as idéias de hoje.  Difícil mesmo foi redefinir conteúdo.  Por mais que adore maquiagem e este mundo de moda & beleza, que está fazendo de blogueiras verdadeiras empresárias do ramo, não me vejo escrevendo sobre isso.  Até por que posso deixar o Instagram para tal, que serve muito bem a este propósito (uma imagem vale mais do que mil palavras!). (Vocês repararam como eu gosto de parênteses, né?).  O fato é que minha praia sempre será o comportamento humano.   O relacionamento humano, para ser precisa, com todos os seus contrastes, desajustes, altos e baixos. 

Criei este blog em 2006, embora os primeiros textos tenham sido escritos em 2004. Lá se vão quase 10 anos.  Eu já era formada, já tinha conquistado minha independência profissional, era solteira e queria me casar, como boa parte do sexo feminino entre a (controversa) faixa de 25 a 35 anos de idade.  E este estado de espírito era claramente refletido nos textos daquela época.  Depois, à medida que a vida foi mudando, os textos também foram.  Novos ventos.  Alegrias, crises, conquistas, hiatos e toda a felicidade e tristeza correlatas.  Novos ventos.  Mudanças de cidades, de estado civil, de estado de espírito.  


Percebi que não preciso redefinir conteúdo algum aqui, porque ele se redefine sozinho, como a vida.  Em 10 anos eu mudei tanto, e quis tantas coisas diferentes, e estive feliz e triste tantas vezes que me dei conta de que nós simplesmente não vamos parar de mudar.  Não enquanto estivermos vivos. Não enquanto não estivermos inertes.  Não enquanto não conquistarmos tudo.   E nunca conquistaremos tudo, porque o tudo de 10 anos atrás vai ser sempre muito diferente do tudo de hoje.





XXX



quinta-feira, 17 de maio de 2012

Da linearidade da vida


O comportamento humano é fascinante.  E sua variedade é uma das coisas mais curiosas que já vi. Conversando dia desses com um prestador de serviço, ele me contou que trabalhava há 30 anos na mesma empresa. E à medida que ele, prolixamente, contava detalhes de seu dia a dia no trabalho, minha mente escapou para outras partes da vida daquele homem.

Se ele estava há 30 anos na mesma empresa, sendo especializado no tipo de trabalho que executava naquele momento, possivelmente ele estaria há 30 anos fazendo a mesma coisa. Há 30 anos mexendo com as mesmas ferramentas, há 30 anos morando na mesma cidade, há 30 anos percorrendo o mesmo caminho, vendo as mesmas paisagens, lidando com as mesmas pessoas, convivendo com o mesmo clima. Era uma pessoa feliz. Tinha muitos amigos e por onde passava era reconhecido e admirado. Era calmo, confiável e previsível. Sua personalidade era tranquila, quase quieta. Sua vida era linear.

Ocorreu-me então que era justamente essa constância que fazia dele uma pessoa confiável. E a rotina ininterrupta que o transformava em uma pessoa previsível. E esse conjunto de movimentos repetitivos e comuns que fazia dele uma pessoa calma e feliz. As pessoas que vivem nesta linearidade não são nunca muito felizes nem muito tristes. Vivem em um meio termo limitado mas confortável. Ao contrário de outros que em um mês estão passando férias em Nova York para no outro estar passando o feriado em Araruama. Trabalhando um dia em uma megamultinacional na capital, para no ano seguinte atuar no comércio de uma cidade pequena do interior. A falta do meio termo vai desconcertar estes últimos, que vivem entre os altos e baixos – da mesma forma que a vida constante daquele senhor me perturbou - , mas nunca irá desequilibrar aqueles que já vivem no meio.

Primeiro porque a gente não sente falta do que desconhece. Segundo porque a postura de estar de acordo com o que a vida lhe deu não permite grandes frustações. Nem grandes sonhos. E muito menos grandes conquistas. É quase uma questão de múltipla escolha: a gente pode ser sempre meio feliz, ou eventualmente triste e muito feliz.


XXX




sexta-feira, 27 de maio de 2011

Nas manchetes de hoje

Só nas manchetes dos jornais de hoje: Criança com síndrome de Down é impedida de brincar em parquinho e shopping é condenado por preconceito. Quatro irmãos tem noventa por cento dos corpos queimados sob guarda do padastro. Travesti é morto por causa de dez reais. Freguês solta pitbul em cima de dono de bar. Adolescente é baleado por colega em escola. Carta de menina de nove anos leva três parentes à prisão por abuso sexual.

Recuso-me a acreditar que a alienação compensa, mas até que ponto a informação beneficia? Pode ser apenas um momento (frequente) de sensibilidade exagerada, mas ler o jornal pela manhã é um hábito que cada vez mais deprime, desanima, desmotiva. Se envolve crianças, então, a sensação é devastadora, sendo preferível mesmo desconhecer, ignorar, fugir. É lugar comum perguntar onde vamos parar, mas a pergunta que cabe é essa mesmo.

Sempre acreditei na recuperação do ser humano. Sempre achei que a passos de cágado, nós, brasileiros, estamos evoluindo, melhorando, amadurecendo, se desenvolvendo. Que nosso presente hoje é o resultado de uma colonização oportunista e exploradora, que comparada à colonização de países desenvolvidos “de mesma idade” do Brasil, espelham perfeitamente a diferença que fez uma colonização de investimento, de mentalidade de crescer junto, ao invés daquela de extrair, de dizimar, de se aproveitar.

Saiu caro. Pagamos hoje um preço injusto por atos que não cometemos ou sequer compactuamos. E convivemos com cidadãos – não quero acreditar que a maioria – que ainda agem com a cultura do ‘venha a nós o vosso reino!’, do tirar proveito, do ter sempre a vantagem, de simplesmente não se importar. Ignorância? Despreparo? Má fé? Tudo isso. Tudo isso que não justifica, nem explica.

E descendo a página no jornal, encontro uma última notícia, discreta, quase tímida: Desmatamento da Mata Atlântica caiu 55%. É pouco. Mas é uma notícia boa em meio a tanto sangue, corrupção e desgraça. Mais do que isso, é reflexo de uma preocupação recente, jovem. A minha geração não aprendia sobre reciclagem, reutilização e redução nas escolas, mas nossos filhos sim. A minha geração não sabia que a falta de investimento na educação levaria à violência extrema a que somos impostos hoje, mas nossos filhos sim. Apenas posso concluir que estamos no caminho da mudança, e acredito com toda a minha fé e esperança que nossos netos viverão em um mundo bem melhor.


XXX



quarta-feira, 25 de maio de 2011

Natureza em Fúria 2



Era a segunda vez que ela via de perto a natureza dar uma resposta atravessada aos petulantes terráqueos. A primeira havia sido em Villahermosa, capital do estado de Tabasco, no México, anos antes. Um metro e meio de água no centro da cidade, rios grandiosos transbordando e bairros inteiros submersos. Agora era a linda Friburgo, sua cidade natal não de fato, mas de direito. Seu vale encantado, precioso, preciso ponto de regresso de toda uma geração.

Em ambos os casos a sequência dos acontecimentos foi a mesma: o desastre, as mortes, o choque, o bate-cabeça inicial das autoridades — atestado em Friburgo por três pobres bravos heróis — a falta dos serviços básicos, o desespero da população estocando alimentos e contribuindo involuntáriamente para a escassez deles, e finalmente a reconstrução.

Villahermosa tinha cinco vezes a população de Friburgo e levara seis meses para se reconstruir. Mas reconstruiu-se. Reconstruiu-se para três anos depois sofrer nova ameaça de enchente. Para os costais, posicionados a beira dos rios em um autêntico "trabalho de formiguinha", serem ainda mais altos dos que os do ano da tragédia precedente. Para as pessoas, escoladas, retirarem seus pertences de casa com mais calma e antecedência, e a iminência do filme de terror voltar assombrar.

Só que daquela vez a Natureza, São Pedro, o Acaso ou quem quer que seja, pensou: Vocês de novo? Não. Ainda não aprenderam a lição, mas o último susto foi grande. Deixa eu olhar mais embaixo. E percorrendo o globo mentalmente ele foi descendo. Passou pelo Haiti e lembrou-se de visita recente. Chegou ao árido nordeste brasileiro e achou o lugar estranhamente familiar. Continuou descendo. Não quis incomodar os preparativos do carnaval bahiano - o povo não aguentaria. Lembrou-se de Angra e passou batido. Tinha exagerado, naquela ocasião, ao escolher a noite de Ano Novo para atuar. Seguiu pelas redondezas e encontrou uma região linda. Verde, montanhosa, de flora e fauna surpreendentemente preservadas.

E na região serrana do Rio de Janeiro desta vez ele se apresentou. Com cara nunca antes vista e fúria sequer imaginada. Os terráqueos, atônitos, tentavam entender de onde veio, quando a pergunta poderia ser quando volta? Porque mais cedo ou mais tarde, em algum lugar, voltaria.


XXX



segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Tradição de Natal

Parece que foi ontem que na grande e velha casa da Av. Rui Barbosa, em Friburgo, meu irmão e eu ficávamos à espreita de Papai Noel no corredor. Sobre uma das mesas da sala, vejo a pequena árvore branca de Natal decorada com bolas vermelhas - daquelas de vidro, que ainda quebravam - e muitos presentes ao redor. Com o dia regado à torta de maçã, castanhas, amendoas, nozes e todo tipo de fruta, a ceia com os infalíveis Perú e Tender, nadando nas frutas em calda, nem precisava ser tão farta. Vinha a troca de presentes, o amigo - ora oculto ora secreto, como em toda família de cariocas com paulistas - que felizmente ninguém respeitava, trazendo muito mais do que apenas o presente de seu "amigo". E finalmente chegava a hora de por os sapatinhos no corredor, para em cada um deles, no dia seguinte, encontrar os presentes deixados pelo misterioso velhinho. 


Soube hoje pela minha mãe que essa tradição dos sapatinhos no corredor veio da família, bem brasileira, do meu pai. Da família dela, húngara e italiana, veio o hábito de comer e beber bem, e muito. De ambas veio o nadar no mar de papel de embrulho no dia seguinte, o passa ou repassa dos presentes-roubada, o medo da balança, a ressaca, os risos das lembranças, a confraternização. Exatamente o que se espera do Natal. E os sapatinhos no corredor, é claro.
XXX



terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Felicidade Urgente em 2011

"Nunca mais eu vou voltar
Essa estrada é meu destino
Vou seguir a minha vida
Vou achar o meu lugar
Louco pra viver em paz
Eu procuro paraísos
Em lugares esquecidos, em viagens ao luar
Eu vi a cor, sonhos
E sei de cor o que é
Melhor pra mim
A vida me fez desse jeito
O mundo que é tão imperfeito
Pouca gente tem direito a ser feliz
O tempo passa de repente
Felicidade urgente para todos
Para todos nós
Quero te fazer feliz
Quero ser feliz também
Com você tá tudo bem
Não vou mais olhar pra trás
No caminho do infinito
Encontrei minha razão
E me perdi no seu olhar
Eu sempre quis muito mais
Mais do que era preciso
Quis milagres absurdos
E delírios de prazer"

Letra da música Felicidade Urgente, de Claudio Zoli.

Feliz 2011 pessoal! Felicidade urgente para todos nós!


XXX



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Pensamentos soltos

Mulheres: quanto maior o grau de instrução, mais difícil a manutenção.

Em plena ebulição. Mudando de estado.

Por que a tristeza inspira? Alguma lei de compensação?

Saulo morreu nu, esfaqueado, numa cama redonda de motel: cena dantesca do folhetim Silvioabreuano.

Pérolas de um sábado à noite: "Vocês terminaram? Sim, eu entrei com a bunda e ele com o pé" 

Pérolas de um sábado à noite 2: "Quando a pessoa não se toca a gente tem que tocar ela"

Recomeçar cansa.

XXX




terça-feira, 22 de junho de 2010

Implícito, mas óbvio

Eu sempre estive muito bem na minha ignorância ignorada. Percorria as manchetes do jornal me atendo às questões mais relevantes, lendo na maioria das vezes as quatro ou cinco linhas principais de cada matéria. Na época do vestibular, aprendi que pelo menos a primeira e a segunda página do jornal deveriam ser lidas na íntegra, diariamente. Mas nem isso eu fazia mais, um pouco pela pela pressa crônica do cotidiano, um pouco por preguiça. Eis que uma cena no Largo da Carioca muda tudo.

Eu passava apressava não sei pra que e vi uma menina com seus quatro ou cinco anos sozinha, agachada em frente a uma tenda de livros velhos armada na grade do prédio do BNDES, uma espécie de sebo ambulante. Ela se atinha a um livro de viagens. Com um esboço de sorriso e olhinhos curiosos, lia sem saber ler, absorvendo a estória por seus desenhos coloridos e sua imaginação.

Do mesmo jeito que o cego mascando chicletes perturbou Clarice, aquela cena me despertou para um dos muitos contrastes do comportamento humano que até então não tinha me ocorrido. Ela, ávida pelo saber, lia imagens. Eu, por excesso de informação, já não lia. Foi o suficiente para desencadear em mim o processo inverso. Começei a ler o jornal inteiro, depois dois, três jornais por dia. Logo passei a jornais, blogs e informativos pela internet. Os livros continuavam a ser um bom passatempo, mas agora eu lia com urgência, pensando já no livro seguinte. A escolha do próximo livro viria a ser um dilema, diante de tantos autores e diferentes obras. Começarei pelos clássicos, pensei, numa tentativa vã de não enlouquecer. Mas já era tarde. Os clássicos eram muitos e novos escritores produziam insanamente. A cada dia a lista de livros a ler, pesquisas, história, filosofia, pensadores crescia, me atropelando. Quanto mais eu lia, menos eu parecia saber, tanto havia ainda para ser descoberto, absorvido, explorado.

Voltei a procurar a menina do Largo da Carioca. Se ela havia iniciado aquele processo, talvez me ajudasse a sair dele. Nos três primeiros dias que voltei na tenda de livros, não a encontrei. No quarto dia, saindo do trabalho, a vi sentada na porta da estação do metrô, folheando um jornal velho. Uma menina mais velha, parecida com ela, sentava ao seu lado pedindo esmolas. Me aproximei da pequena e perguntei se ela sabia ler. Como eu imaginava, ela disse que não. Perguntei então o que ela via naquelas folhas. Com vocabulário pobre e dicção perfeita, ela me explicou que cada imagem era uma estória. Apontei a foto de capa da primeira página, a imagem de uma enchente. Ela disse que era a cidade dos peixes. Depois mostrei a foto de uma partida de futebol, e ela disse que era o time em que o irmão jogaria um dia. Por último mostrei a foto de um político danto entrevista, e ela falou que era o dono da cidade, dizendo que todas as crianças tinham que ir para a escola. Não foi preciso outras perguntas. A coerência da imaginação daquela menina pobre, sem perspectivas, me tranquilizara. O mundo não estava perdido com o excesso de informação. Havia ainda quem conseguia tirar conteúdo do que não estava escrito, do que era implícito mas óbvio. Voltei para casa. Ao deitar abri um livro, li apenas o primeiro capítulo e dormi.


XXX

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Para todas as mães do mundo

"No dia em que Deus criou as mães, um anjo apareceu-lhe e disse:
Por que esta criação está lhe deixando tão inquieto senhor?
E o Senhor Deus respondeu-lhe:
Você já leu as especificações desta encomenda?
Ela tem que ser totalmente lavável, mas não pode ser de plástico.
Deve ter 180 partes moveis e substituíveis, funcionar a base de café‚ e sobras de comida.
Ter um colo macio que sirva de travesseiro para as crianças.
Um beijo que tenha o dom de curar qualquer coisa, desde um ferimento até as dores de uma paixão, e ainda ter seis pares de mãos.
O anjo balançou lentamente a cabeça e disse-lhe:
Seis pares de mãos Senhor? Parece impossível?
Mas o problema não é esse, falou o Senhor Deus e os três pares de olhos que essa criatura tem que ter?
O anjo, num sobressalto, perguntou-lhe:
E tem isso no modelo padrão?
O Senhor Deus assentiu:
Um par de olhos para ver através de portas fechadas, para quando se perguntar o que as crianças estão fazendo lá dentro (embora ela já saiba); outro par na parte posterior da cabeça, para ver o que não deveria, mas precisa saber, e naturalmente os olhos normais, capazes de consolar uma criança em prantos, dizendo-lhe: Eu te compreendo e te amo! sem dizer uma palavra.
E o anjo mais uma vez comenta-lhe:
Senhor...já é hora de dormir. Amanhã é outro dia.
Mas o Senhor Deus explicou-lhe:
Não posso, já esta quase pronta. Já tenho um modelo que se cura sozinho quando adoece, que consegue alimentar uma família de seis pessoas com meio quilo de carne moída e consegue convencer uma criança de 9 anos a tomar banho...
O anjo rodeou vagarosamente o modelo e falou:
É muito delicada, Senhor!...
Mas o Senhor Deus disse entusiasmado:
Mas é muito resistente! Você não imagina o que esta pessoa pode fazer ou suportar!
O anjo, analisando melhor a criação, observa:
Ha um vazamento ali Senhor...
Não é um simples vazamento, é uma lagrima! E esta serve para expressar alegrias, tristezas, dores, solidão, orgulho e outros sentimentos.
Vós sois um gênio, Senhor! disse o anjo entusiasmado com a criação" - Autor desconhecido.
 
Feliz Dia das Mães, mãe.


XXX



terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Tempo, tempo, tempo

Hoje eu não vou falar de livros. Aliás, pela primeira vez me sento aqui sem saber exatamente sobre o que vou escrever. Andei pensando em como a capacidade produtiva do ser humano é inversamente proporcional à sua disponibilidade de tempo. O que explica em um dia atarefado você conseguir realizar mais e melhor do que em um dia tranquilo, o qual você teoricamente tirou apenas para aquele determinado fim? Por que quando a gente tem tempo, não tem inspiração; e quando tem inspiração, você tem de escolher entre produzir ou alguma necessidade básica, como dormir ou comer?

Pensando que pudesse ser falta organização, me organizei. Mas mesmo em um dia organizado, é humanamente impossível sentar-me às sete da manhã e discorrer sobre qualquer assunto. E olha que não vou nem descambar pro lado do tipo de atividade - a escrita -, que depende essencialmente de inspiração, de vibração, e de tudo mais que a tangibilidade não explica. Fiquemos apenas na esfera do tempo, mais precisamente do horário. Tudo bem que aí já esbarramos em um conceito muito pessoal que tenho sobre as manhãs, o da necessidade de sua completa abolição. Nunca consegui compreender de fato as pessoas que chegam ao escritório às oito da manhã de uma segunda-feira alegres, bem dipostas e falantes. E considero um crime acordar crianças com o céu ainda escuro para vestí-las para ir a escola. Não me importo em não ter hora para acabar o que quer que seja, mas não venha me dizer quando começar.

Mas o fato é que o mundo precisa das manhãs. As crianças precisam de rotina e horário, o que a escola, pela manhã, assegura brilhantemente. As pessoas precisam chegar aos seus burocráticos trabalhos em burocráticos horários. As padarias precisam vender seu pãozinho na chapa com café com leite, pela manhã. E o que resta então às pessoas que não se adequam – de livre e espontânea vontade – aos horários convencionais? 1) Viver com sono; 2) ter apenas a tarde e começo da noite como horário comum com seus pares; 3) encontrar o meio termo.

Sigo portanto buscando o meio termo, o equilíbrio. Acredito que como em tudo na vida, a chave está no equilíbrio, no ‘de tudo um pouco’, no ‘devagar e sempre’. A organização, a disciplina e o querer ajudam muito, mas sem sintonia com o resto do mundo fica impossível.


XXX