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sexta-feira, 1 de março de 2024

Mudanças no varejo, nunca no atacado

Tenho começado estas reflexões a partir de frases - perdoem a expressão que já considero um clichê irritante - gatilhos.  No mainstream os gatilhos são associados ao despertar de sentimentos negativos, mas “na-minha-cartilha-stream” os gatilhos são positivos, aqueles que te obrigam a parar para pensar e, com sorte, agir.  O gatilho-título desta vez veio de uma tradição cética-conservadora dos ingleses, a crença de que mudanças de qualquer natureza devem ser ser feitas aos poucos e nunca de supetão.  Devagar, pontual, quase que experimental, na tentativa e erro. 

Já começam certos porque fazendo aos poucos quase sempre não fazemos de forma definitiva, o que é ótimo. É bom poder mudar de ideia, é bom poder voltar atrás e acertar o curso se preciso.  Flexibilidade de pensamento que anda junto com aprendizado e evolução.  Sabemos que é humanamente impossível antecipar todos os impactos de uma decisão, porque existe o imponderável.  Implementar mudanças de forma gradual é portanto questão de segurança, de bom senso e que dá tempo de reação se alguma coisa sair muito errada. “Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro” (Sábia Clarice!).

Sabemos que precisamos mudar algum ou muitos aspectos da nossa vida, sabemos que fazê-lo de forma gradual é o mais sensato e ainda assim nem sempre agimos no tempo certo, ou pior, nem sempre agimos.  Em contrapartida aos propensos às decisões intempestivas estão os que não decidem.  Sofrem por antecipação, adiam decisões, deixam de expandir para encolher.  Esperam pelos outros, pelas circunstâncias, pelo “destino”.  Mesmo com a sobre-humana capacidade de se adaptar às mudanças que o ser humano possui, esta turma espera o momento ideal sem consciência de que não tomar nenhuma atitude é tomar uma atitude, é fazer uma escolha e uma das que mais impacta a vida: o que se deixa de viver.

Dois modos operantes drasticamente contrastantes, e para quem finalmente se dá conta disso apresenta-se o terceiro caminho: o do meio termo. O do bendito equilíbrio.  Emocional, financeiro, profissional, orgânico...  A busca incessante pela dose certa, o eterno “não meter os pés pelas mãos, mas também não ficar vendo a banda passar”.  Aparentemente trivial, mas tão difícil!  Concluo que não se apegar às ideias cristalizadas e principalmente, aos ressentimentos, é um começo, e aprender com eles a continuidade.  São eles que constroem nosso caráter e trazem o desconforto que vai mostrar quando é hora de agir, no varejo ou no atacado.

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Da melhoria das gerações e a politização do Enem

Hoje foi o segundo dia da prova do Enem.  Como conheço jovens que estão fazendo a prova, venho acompanhando a maratona e o bafafá que foi no domingo passado quando várias partes da prova foram criticadas pelo possível teor político-identitário, ou simplemente tendencioso e extremamente interpretativo que traziam.  De erros grosseiros de ortografia ao tema da redação, passando por suposta crítica ao agronegrócio, foi um prato cheio para tumultuarem o que já não é simples para os únicos que de fato são impactados pelo exame: os jovens.  Felizmente não cancelaram a prova, como chegou a ser aventado, mas fiz questão de entender o ponto de vista deles, os “Enemers” - como eles se auto-identificam com aquela alegria e leveza tão peculiar.  

Conversei com um Enemer equilibrado. Que estudou, mas não bitolou. Que se dedicou a vida toda, e não só não último ano, e que exatemente por isso se deu ao luxo, neste último ano, de levar uma vida normal. Estudou, fez exercícios, foi à praia, se alimentou bem, dormiu bem, namorou e passeou. Tudo de forma equibilibrada, o que na minha modesta opinião é a estratégia correta não só para o Enem, mas para a vida.  Mas vamos ao tema principal da conversa: a redação.  Como eu gosto de escrever e tirei 10 na redação nos dois vestibulares que fiz há mil anos atrás (cujo tema foi “lazer”, levando muitos a zerar a prova ao dissertar sobre raios lasers...), eu tinha tudo para orientar e instruir em como fazer uma boa redação. Mas me recolhi à minha insignificância e possivel desatualização, e sugeri um curso atual de redação, focado no que as bancas examinadoras exigiam hoje.  

Como a redação pode ser feita em um rascunho primeiro, terminada a prova eu pude ler a redação entregue praticamente na íntegra. O tema era: O trabalho invisível de cuidado das mulheres. Importante? Sem dúvida. Adequado? Não sei. Ouvi de muitos que não era adequado pois os jovens teriam que falar de um assunto que só se aprende com experiência e uma vivência que eles não tinham. Discordei. Acho-os perfeitamente capazes de discorrer sobre qualquer assunto que tenham algum nível de compreensão.  Opiniões de lado, a redação que eu lia me parecia a continuidade perfeita do enunciado do tema.  Misandria, misogenia e até Marx eram citados, reforçando a importância e necessidade de atenção do governo para a questão.  Fiquei surpresa com a profundidade da análise dele e a riqueza de vocabulário, mas mais ainda com a ideia que estava sendo proposta ali, tão sútil quanto as questões “neutras” da prova.  

Elogiei a redação e perguntei: mas você pensa assim? E ele, muito calmo, me disse: eu escrevi para a banca, fiz uma redação técnica. O que eu penso eu posso dizer depois. E eu fiquei pensando a semana inteira nisso. Como pode na minha época o tema ser lazer, ou a morte do superhomen (tema do ano seguinte ao meu), e um bando de lunáticos tirar zero por não saber ortografia, e hoje jovens dissertarem, e bem, sobre questões realmente relevantes para a sociedade, com propriedade, ideias e argumentos claros, coesos? Como podem, com tão pouca idade, já terem plena consciência sobre sustentabilidade, igualdade de direitos, deveres, gênero e raça? Se isso não é evolução da humanidade, eu não sei o que é.

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sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Amigos x Conhecidos

Hoje vi um meme que dizia assim: “Vamos normalizar rebaixar amigos para conhecidos, quando não estiverem mais aptos para a função”. Como toda piada boa, traz um fundo - ou boa parte - de verdade. Os amigos são “rebaixáveis”? Não, amigos são cíclicos.

Amigo de verdade nunca deixa de ser amigo, mas as amizades têm fases. O pulo do gato é percebê-las para conseguir manter quem é importante por perto, saber lidar com as fases, entrar e sair de cena.

Amigos de verdade não se faz a cada esquina. Um mundo de coisas aproxima ou afasta as pessoas. Para entrar na sua vida e ficar precisa afinidade, rotina, sorte. Sorte de ter estudado na mesma escola, de não gostarem da mesma professora, de gostarem da mesma banda, de terem escolhido a mesma faculdade, passado para o mesmo estágio, escolhido a mesma festa naquele sábado à noite, terem tido filhos em momentos próximos, terem tido decepções ou conquistas parecidas, no mesmo momento, nos mesmos lugares.

Amigo de verdade te conhece. Sabe quando você está passando do ponto e vai te dizer isso nem sempre da forma que você gostaria. Ainda assim agradeça, a maioria não te diz nada por comodismo, falar a verdade e encarar as consequências dá trabalho e desconforto.

Amigo de verdade vai passar por inúmeros ciclos da sua vida. Às vezes de perto, às vezes de longe, dependendo da fase em que está. Nem toda fase comporta qualquer amigo, mas o amigo de verdade sempre volta para sua vida. Nem que seja para atualizar do que aconteceu nos últimos anos, sumir outros tantos e voltar no seguinte como se nada tivesse acontecido.

Amigo de verdade não se justifica, não se demora, não faz rodeio. Não manda mensagem educada com “oi, boa tarde, tudo bem?” – entra direto no  “tá fazendo o que? Vamos pra tal lugar?”. E quase sempre o outro vai, porque amizade é sintonia. É gostar das mesmas coisas, é querer estar nos mesmos lugares e, luxo maior, querer isso ao mesmo tempo, na mesma fase da vida.

Esta sincronicidade é rara. O fim da pandemia, por exemplo, provocou uma sintonia geral nunca vista. Nunca todos quiseram tanto e ao mesmo tempo sair, encontrar amigos, conversar, beber, rir, beijar, abraçar, ficar junto. A preciosa sintonia. Mas a falta dela também não é o fim do mundo. Acho que nunca vai ser preciso rebaixar os amigos a conhecidos. Eles só estão em um momento diferente do seu. Se for amizade de verdade espera, já já vocês se encontram de novo.

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segunda-feira, 17 de julho de 2023

Se você quer o sétimo céu, vai ter que subir degrau por degrau

 

Já dizia Leo Jaime. Hoje parada num sinal de trânsito ao ouvir o refrão desta música no rádio lembrei do que me disse um cartomante há vinte anos atrás, quando perguntei se daria certo escrever, atuar, trabalhar com arte.  Muito charlatanamente ele me respondeu que só dependia de mim, que eu tinha todas as ferramentas para isso mas o quanto de esforço eu dedicasse é que determinaria o meu sucesso. Logo depois de ele dizer também que havia  “um trabalho” direcionado para minha vida pessoal, e que por vinte reais ele poderia neutralizar tal mau agouro, eu saí pensando em quanto está exclusivamente na nossa conta o sucesso de qualquer empreendimento.

Existe uma combinação de sorte, pré-disposição e oportunidade para as coisas acontecerem.  No meu caso, olhando minha linha do tempo constatei que nunca consegui reunir de forma consistente e simultanea estes trê elementos com a finalidade de escrever. Peguei a sorte para formar uma família, aproveitei a oportunidade para voltar a trabalhar quando os filhos já estavam menos dependentes. A pré-disposição vem em doses periódicas não regulares, como vocês podem ver pela esporadicidade das postagens deste blog. Arquei com as consequências profissionais destas escolhas – algum atraso em evolução profissional se comparado aos meus pares de início de carreira - mas os ganhos pessoais compensaram.

Por um excesso de pragmatismo rapidamente coloquei o hábito de escrever na prateleira do hobby, que fazemos quando dá, sem obrigação – o que é até coerente, já que para escrever precisa inspiração, que não vem na marra. Mas “a inspiração precisa te encontrar trabalhando” (sábio Picasso). A sorte precisa te encontrar trabalhando. O talento precisa te encontrar trabalhando, seja ele para o que for.  E por trabalho entenda-se uma sucessão de esforços contínuos em todos os aspectos da vida.

É extenuante, é cansativo, é desafiador. Ser feliz continua dando trabalho (reparem que tem um post de 2014 com este título). Dá um trabalho danado e requer manutenção. Se for preventiva ainda melhor (a reativa costuma ser bem mais dolorosa). Requer cuidado. Requer agilidade, somos uma máquina que muda rapidamente. Requer mais do que tudo perceber estas mudanças inerentes ao comportamento humano. Mudamos nossos lugares preferidos, nossas pessoas favoritas, nossos quereres... E de tudo que dá trabalho talvez o mais difícil deles seja identificar as mudanças, saber quando aceitar, quando negociar e quando se adaptar a cada uma delas. Se o Leo acertou no refrão, talvez tenha errado no título da música. Tudo muda, o tempo todo.

sexta-feira, 4 de março de 2022

Frenesi social

 

Eis que volta a haver tempo para produzir algo não relacionado ao trabalho. Pensei comigo esses dias: vou dar uma olhada no blog e rir do que escrevi no passado. Comecei rindo da sessão “Sobre mim”.  Para quem se diz inconstante, a descrição que estava lá durou bastante tempo: 16 anos!  Pouco mexi na atualização que fiz hoje.  Por mais inconstante que seja uma pessoa a essência dela tende a ser a mesma por toda a vida.

Estamos experimentando uma guerra neste exato momento, que espero com fé que não se prolongue a ponto de virar uma crônica aqui, por isso vou passar batida.  Gosto de amenidades (se é que o comportamento humano pode ser considerado uma, tenho dúvidas).  Experimentamos nossa primeira pandemia, que parece estar finalmente terminando.  Experimentamos 2021 como um ano de receio, celebração e redenção. 

Receio por ainda não estarmos livres da pandemia: seguimos vacinando, morrendo, vacinando de novo, aglomerando, se isolando, aglomerando de novo, reclamando da mídia vergonhosa, politizando a saúde.  

Celebração porque na menor brecha que tivemos, celebramos. Celebramos casamentos adiados de 2020, viagens canceladas, reencontros antecipados, celebramos estar vivos.  O que curiosamente fez de 2021, ainda que um ano pandêmico, um ano de encontros inesquecíveis cuja única explicação está na redenção.  Foi um verdadeiro frenesi social, tamanha a ânsia das pessoas em voltar a viver.  Se reuniram, comemoraram, riram, dançaram, beijaram. Se rendendo à natureza humana que é gregária, ainda que de máscara.

domingo, 29 de março de 2020

O dia em que a Terra parou


Quando Raul Seixas escreveu a música, ou quando o filme foi gravado em 1951, ou ainda quando o conto (Farewell to the Master, inspiração do filme) foi escrito por Harry Bates em 1940, nenhum dos autores imaginou que o mundo pararia em Março de 2020 por um vírus.  Embora a letra da música de Raul e Claudio Roberto encaixe com perfeição à realidade que o mundo vive hoje, dificilmente eles anteciparam que seríamos parados por uma força não-intencional (diferente da guerra, referência da música); ou aleatória (diferente da visita extraterrestre, referência do conto). Bill Gates sim. Bill Gates antecipou há cinco anos atrás, em uma palestra do TED Conferences, que nosso pior inimigo poderia ser um vírus. E com sua mente brilhante questionou quão (des)preparada estava a humanidade para lutar contra um inimigo que não vê.

Ironicamente nas últimas semanas vimos de tudo. De teorias conspiratórias pregando a intenção da China em disseminar um vírus para dominar o mundo aos esquerdinhas-caviar usando o bate-cabeça governamental generalizado para reafirmar seu posicionamento político. O que mais me assombra (além da estupidez humana exemplificada acima) é a velocidade com que o mundo parou e como o senso comum preponderou em uma situação como esta.  A velocidade com que todos os jornais passaram a ter uma única pauta, com que todas as publicações de redes sociais passaram a ser sobre um mesmo tema, com que todo o mundo passou a falar uma única língua, se perguntando: como vamos nos manter vivos?, é sem precedentes. Assim como estar diante de uma ameaça que não distingue classe social, onde o dinheiro não faria diferença frente a hospitais colapsados, carros sem gasolina, mercados sem comida.

De todas as formas que imaginei o Armageddon em nenhuma delas vi a humanidade lutando como hoje. É claro que tem discórdia. É claro que tem gente querendo tirar vantagem. É claro que tem gente surtando. Somos 8 bilhões de cabecinhas pensantes. Ainda assim o senso comum prevalece na resposta à ameaça. O mundo parou porque as pessoas ouviram a ciência, e a ciência disse que era preciso lavar as mãos e ficar dentro de casa. Em meio às contraditórias discussões sobre como deve ser o isolamento, o isolamento permanece. Embora ainda não façamos ideia do fim desta história, visto que estamos em uma triste curva inicial ascendente, uma nova rotina se faz. As pessoas deram seu jeito de trabalhar de casa, de se exercitar na sala, de manter seus velhinhos no quarto. De distrair as crianças, de arrumar, cozinhar e lavar sem a diarista. De brigar e fazer as pazes com a família (porque se estar encarcerado com sua solidão é difícil, com a voluntariedade de muitos também é). E devagar se começa a pensar na retomada das atividades sem perdas ao plano de contenção de contágio, porque o mundo não pode continuar parado. Diante disso vejo o copo meio cheio, lá na China, onde a curva que desce trouxe a vida de volta. E me assombro de novo com a capacidade de adaptação do ser humano.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Hiato Odiado

Olá! Desculpem o longo hiato! Muitas mudanças nos últimos dois anos, mas que vieram cheias de trabalho e alegria! Tudo em paz. O jeito foi - e sempre é - dançar conforme a música e se ajeitar com graça ao ritmo da vida. Sabedoria que vem com o tempo...

Espero ter mais disciplina para voltar a escrever com regularidade e qualidade neste espaço. E quando não for possível, vamos de pequenas pílulas como a de hoje!

Aberto os trabalhos para a maratona Oscar 2016! No sábado começei com Tarantino, que concorre com "Os 8 Odiados" na categoria melhor trilha sonora e fotografia - limpem os respingos de sangue para verem melhor e divirtam-se! (Achei que havia lugar p
ro Samuel L. Jackson e Jennifer Jason Leigh nas categorias ator e atriz coadjuvante, mas vamos ver os outros indicados para comparar.) Filmaço! Feliz 2016, pessoal.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Dos Atrasos da Vida

Alguns atrasos na vida são inevitáveis.  Eu mesma só fui gostar de literatura na faculdade, e entender o que queria fazer da vida depois dos trinta.  Nossas escolhas estão diretamente ligadas à maturidade e ao conceito clichê do “tem que perder para dar valor”. 
Aos vinte e poucos anos eu já havia concluído uma boa faculdade, terminado a pós-graduação, tinha um ótimo emprego em uma multinacional e não estava satisfeita.  A empolgação inicial com o trabalho dera lugar a um tédio infinito, uma desmotivação absoluta. A vida corporativa era para mim um adorável mundo cão: me proporcionava tudo o que eu queria, pela mera quantia de todo o meu tempo e energia.  Eu já não era dona dos meus horários e dos meus desejos. Na verdade já não os tinha, a menos que fossem desejos produtivos, eficientes e lucrativos, a menos que fossem os desejos da empresa.
Quis então jogar tudo pro alto e ir fazer teatro.  Pedi demissão e fui estudar Nelson Rodrigues, e fazer a louca da Navalha na Carne, feliz da vida.  Plínio Marcos me encantava, mas estava longe de ser parte de um trabalho, do meu trabalho.  Realisticamente eu teria que me acostumar a viver como nômade, sem um porto seguro e sem dinheiro.  Mas eu não queria ser dona do meu tempo e dos meus desejos? “Taí”, me respondia a vida, irônica.  A vida mambembe só me pareceu interessante por um fim de semana, não para vida toda.

Tirei então um ano sabático, escrevi um livro e emendei com projetos pessoais que trouxeram duas lindas pessoinhas para a minha vida, que valem cada segundo do meu tempo.  E cuidei deles exclusivamente enquanto bem pequenininhos e dependentes.  E eles estão crescendo, cada dia precisando menos de mim, como deve ser.  Era hora de voltar.  

E hoje, circulando novamente pelo centro do Rio de Janeiro sentindo aquele cheiro forte de inseticida na portaria dos prédios, ou tropeçando nas pedras portuguesas irregulares, vejo que o novo e velho ciclo se reinicia.  Que o adorável mundo cão corporativo (que na verdade pode ser um poodle manso, irritante e obediente, dependendo de como eu o encare) me recebe de braços abertos.  Escuto os jargões corporativos, hoje modernizados mas que me divertem como há quinze anos atrás, e vejo que gosto deles, que senti falta deles.  Porque é o que sei fazer e o que faço bem feito. Às vezes é preciso tentar outros caminhos para (re)encontrar o seu caminho, o mesmo caminho.   Um atraso no percurso original, necessário para o amadurecimento e imprescindível para voltar a fazer a mesma coisa, feliz.



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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Felicidade dá trabalho

Felicidade dá trabalho.  Escutei esta frase ontem à noite, depois de um dia normal de semana: acordar cedo, levar filhos à escola, trabalhar todo o dia, voltar tarde para casa, trabalhar em casa, pôr os filhos na cama, assistir um pouco de tv, conversar, para finalmente ir dormir e começar tudo de novo no dia seguinte.  Querer participar da rotina das crianças, por exemplo, é um trabalho avassalador, mas que compensa ao ver o rostinho deles ao dormir e acordar.  Dar conta de estudar, trabalhar, ganhar o próprio dinheiro, ter sucesso profissional, um casamento feliz, amigos por perto, equilíbrio emocional, filhos fortes e felizes... não é fácil.  O dia a dia é cansativo?  É.  Viver bem é trabalhoso?  É.  Mas vale a pena.  Vale a pena quando no fim do dia o saldo é positivo.  

Escutei a expressão do “saldo positivo” pela primeira vez há cerca de um ano, de um amigo que associava sabiamente os relacionamentos afetivos à uma balança sentimental.  É sabido que na relação homem-mulher, na relação familiar e nas amizades, em todas elas, não existe perfeição.  Atritos e questionamentos fazem parte de uma convivência normal, que a grosso modo é composta de aporrinhações e alegrias.

Tem dias que o percentual de aporrinhações ultrapassa o de alegrias (às vezes ultrapassa a estratosfera).  É quando a gente percebe uma expectativa frustrada, uma injustiça qualquer, uma atitude impaciente, ou inconsequente, que leva a consequências irreversíveis.  Nesta esfera destaco com louvor o nosso infindável desejo de controlar tudo ou agradar a todos – definitivamente o atalho mais curto para a decepção!

Tem dias nos quais você está cansado demais para qualquer coisa, até para se aporrinhar.  Fique atento se você chegou no ponto de não se importar, das mazelas da vida a indiferença é a mais cruel.  

Mas tem dias em que as alegrias são maiores.  É quando temos saúde, sentimos o amor ou simplesmente rimos até chorar.  Trata-se de matemática e proporção. Saber dar a importância certa aos acontecimentos da vida é o caminho inteiro para a felicidade.  Releve as besteiras e só queira saber do que pode dar certo.  O que importa é que no fim do dia, do mês ou da vida, o saldo seja positivo.  Ou promissor.  De crescimento, conquistas e, principalmente, alegrias.



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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Tradição de Natal



Parece que foi ontem que na grande e velha casa da Av. Rui Barbosa, em Friburgo, meu irmão e eu ficávamos à espreita de Papai Noel no corredor.  Dia desses passei pela mesma avenida e fiquei triste ao ver apenas o terreno da construção.  A casa foi ao chão para dar lugar à expansão do Ministério Público do Rio de Janeiro na comarca da cidade. 

Parei alguns instantes em frente a casa, fechei os olhos e vi.

Sobre uma das mesas da sala estava a árvore branca de Natal, decorada com bolas vermelhas - das de vidro, que quebravam.  Muitos presentes ao redor.  Naquela época a vida era mais farta, pelo menos aos meus olhos de criança.

Com o dia regado à torta de maçã, castanhas, amêndoas, nozes e todo tipo de fruta, a ceia com a dupla infalível de perú e tender - crajejado de cravos, bezuntado de Karo, nadando nas frutas em calda - nem precisava ser tão abundante.  

Os homens da família reclamando do show do Roberto Carlos, e as mulheres o defendendo... ele é o Rei, bichoE comiam e bebiam, muito e bem. Vinha a troca de presentes, os abraços, o amigo - ora oculto, ora secreto, como em toda família de cariocas com paulistas.   E finalmente chegava a hora de por os sapatinhos no corredor, para em cada um deles, no dia seguinte, encontrar os presentes deixados pelo misterioso velhinho. 

E nadar no mar de papel de embrulho, rir do passa ou repassa dos presentes-bomba, do medo da balança, da ressaca. Vinha o riso das lembranças, a confraternização.  Exatamente o que se espera do Natal. Todo ano, tudo igual. Como uma tradição deve ser.  


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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Das entrelinhas






"Nas entrelinhas é que dizemos.  Bom terapeuta é o que escuta o que omitimos." - Padre Fabio de Melo

E o bom parceiro(a) também.


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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Que deselegante! - Das cafonices não permitidas


Hesitei muito antes de escrever sobre este tema, pois está diretamente ligado ao gosto das pessoas e gosto não se discute.  E eu aceitei não discuti-lo até a pacata manhã de hoje quando vi uma senhorita com algo próximo a uma revista em quadrinhos estampada nas unhas.  Com boa vontade tentei  entender a “proposta”  e me veio a cabeça tropicalismo, carnaval e Van Gogh.  

Tem certas coisas que não se usam.  Não se você quer o mínimo de elegância e classe na sua vida.  Tem coisas que por mais fofas que sejam não ficarão bem em nenhum ser vivo com mais de 30, 18, 16, 12 anos.  Unhas decoradas, por exemplo. Não.  Mil vezes não. Nem mesmo se a sua manicure tem talento para desenhar com precisão a Hello Kitty do tamanho de um grão de arroz. Colar bolinha, estrelinha, coraçãozinho e alto-relevo de qualquer tipo muito menos. Purpurina está liberada em Fevereiro. Amarelo ou verde nas unhas só de quatro em quatro anos, na Copa do Mundo.  Unhas gigantes nem pensar,  é antiquado e anti-higiênico!  Não estou dizendo que as cores devem ser necessariamente sóbrias, mas podemos lançar mão de um vermelho, uva, vinho, rosa, tons metalizados, neutros e tantas outras cores lindas sem cair na cafonice.

Passemos à maquiagem.   Aqui também vale ficar longe das purpurinas, estrelinhas e afins.   A menos que você seja o Pablo, do Qual é música?, nada de decalques, por favor!  É o seu rosto, não seu trabalhinho pré-escolar.  De novo, seu mundo pode ser colorido. Colorido E elegante. Mas assim como na vida, uma coisa de cada vez.  Se quer muita cor no rosto, lance mão de cores mais neutras (que sempre serão chiquérrimas) na roupa, vair ornar melhor.

A produção está pronta, então falta o perfume.  Para o dia a dia não precisa ser caro. Temos a sorte de ter ótimos produtos nacionais que não deixam nada a desejar aos importados (não valorize só o que vem de fora, ostentação também é cafona). Basta que a fragrância seja adequada ao horário.  Seu colega de trabalho não merece passar a manhã inteira nauseado com o perfume forte com o qual você arrasa na balada, que deselegante! Em linhas gerais, vá de cítricos pela manhã e doces para a noite.

Com tudo pronto você tem vontade de tirar aquela foto legal, né? Temos o Instagram & cia para nos fazer parecer ainda mais belas! Um sombreado aqui, uma clareada ali... Aumenta o contrastre para bronzear, diminui o brilho para matificar, enfim, recursos infinitos!   Só te peço uma coisa: fique longe das molduras de frufrus...



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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Respostas cretinas para perguntas imbecis

Quem pensava que MAD não era cultura, enganou-se redondamente. Aquela revista sabia das coisas.

Às vezes ouvimos o apito do trem mas não sabemos de onde ele vem. É o caso da idéia comentada por Camila Morgado em um programa de TV e depois desenvolvida por Martha Medeiros em um de seus textos. Ninguém sabe de onde veio o pensamento, mas é tão atual e pertinente, que talvez não precise.  

Diz Mario Quintana que "Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são nossos chatos prediletos". Essa portanto é dedicada a você, meu chato amigo, parente, conhecido predileto! Boa semana!



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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Tatuagem é ansiedade

Segundo a Wikipedia, "ansiedade, ânsia ou nervosismo é uma característica biológica do ser humano, que antecede momentos de perigo real ou imaginário, marcada por sensações corporais desagradáveis, tais como uma sensação de vazio no estômago, coração batendo rápido, medo intenso, aperto no tórax, transpiração etc".

Só com esta definição já daria para escrever um compêndio, mas vamos por partes.  O que mais me chamou atenção na explicação acima foi a antecedência do perigo imaginário.  Em pelo menos 70% das vezes, no meu caso e com um percentual benevolente, o "perigo" é de fato imaginário, e as sensações biológicas diferentes: sensação de vazio na alma - não no estômago, inquietação inconsciente, impaciência extrema e azedume crônico.  Quem nunca?  Por muito tempo não identifiquei nenhum destes sintomas como ansiedade, julgando ser causa a insatisfação com a vida profissional, com a vida pessoal ou com o pão que insistia em cair com a manteiga para baixo.  Pareceu-me claro que a razão não podia ser tão pontual ou besta assim, e comprovei isso à medida que fui me satisfazendo profissionalmente, pessoalmente e não me incomodando tanto com besteiras.

Na minha humilde filosofia de chuveiro, que segundo Fred Elboni (@entendaoshomens no Twitter) "serve para pensarmos na vida e ensaiarmos diálogos que nunca serão ditos", concluí que ansiedade é igual hipertensão: uma doença silenciosa e muitas vezes difícil de diagnosticar.  Não satisfeita em identificar e tratar (há controvérsias) a minha, fui reparar na ansiedade alheia.

A única forma de identificar a ansiedade no outro é observar seu comportamento.  Mulheres normalmente são mais ansiosas por conta da vida sentimental.  Homens por conta da vida profissional (há controvérsias).  O que a mulher faz quando está ansiosa?  Se você pensou "merda", pensamos juntos, mas não, não é bem assim.  Caímos mais no ato vazio do que no ato errado propriamente dito.  Na solidão, por exemplo, tendemos a impor a necessidade de ter alguém legal ao lado para estar plenamente feliz.  E até esse alguém legal aparecer, vamos saindo com um alguém qualquer, até os errados.  Ou trabalhamos feito loucos. Ou saímos desesperadamente para não encarar a casa vazia na sexta-feira à noite.  Ou compramos compulsivamente. Ou malhamos exaustivamente. Ou nos tatuamos.


A tatuagem me parece um ótimo exemplo de ansiedade, ou melhor, de contimento de ansiedade, já que aplaca a ânsia de fazer alguma coisa forte e definitiva.  E falo com propriedade (e não com crítica) pois tenho uma tatuagem.  Tenho uma única tatuagem, tribal, que fiz lá pelos 26 anos e que não significa absolutamente nada (ok, alguns dizem que significam crenças que determinados povos seguem, mas garanto que a maioria nesta época guiou-se apenas pelo senso estético).  É a fase em que temos pressa para tudo.  De crescer no trabalho, de ganhar dinheiro, de viajar, de gastar, de comer, de emagrecer, de ser incoerente, de ser amado, de ser feliz.  Queremos tudo ao mesmo tempo agora e para ontem!  E o que eu fiz? Uma tatuagem.  Que não mudou em nada meu então estado profissional, sentimental ou físico, mas mudou o psíquico.  Porque, por algum motivo, aplacou a vontade de sair da inércia, de não ficar de braços cruzados, de ver alguma coisa importante acontecer - e quer algo mais importante do que o permanente?  Fora a rebeldia associada, beeeeem antigamente, com a presunçosa idéia do "quero chocar o mundo" - como se desenhar no próprio corpo devesse ter alguma interferência no outro...


Não me arrependo de ter feito, pois tive a luz de colocá-la em um lugar discreto, que pouco vejo.  (Nada contra quem tatua até a testa.  Particularmente só não gosto mais de coisas tão definitivas assim). Mas me arrependo de não ter escolhido melhor o desenho que passaria o resto da vida comigo.  Que pelo menos tivesse um significado, ora essa.  Então, há alguns anos, em um surto de necessidade de dar sentido às coisas, pensei em transformar a tribal em uma iguana (bastaria desenhar uma cabeça estilizada inclinada na ponta superior). Seria uma homenagem ao México, uma pátria que me acolheu por anos e por qual tenho infinito carinho.  Mas parei, segurei a vontade de querer achar sentido em tudo, acalmei a mente, pensei bem e vi que era só ansiedade.

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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

The wind of change


Ou no bom e velho português claro: O Vento da Mudança.   Há alguns dias resolvi reformular este site, talvez motivada pela descoberta casual do blog de uma menina, a Marina Smith (o blog é o 2beauty), que fala essencialmente de maquiagem e beleza, mas traz implícito estilo de vida, gostos e preferências em diferentes aspectos.  Por algum motivo ver o site dela tão bem elaborado, atualizado com frequência e bombando no território virtual, me animou a mudar alguma coisa por aqui. (As mudanças geralmente precisam de faíscas. A autocombustão dentro de nós até existe, mas é raríssima!)

Comecei então pela aparência, que é mais fácil.  Conteúdo sempre é mais difícil de encontrar, tanto em pessoas como em coisas.  Com todo o amor que tenho pelo Rio de Janeiro, já não aguentava mais olhar para aquela foto estática azulada do Pão de Açúcar que ilustrava o cabeçalho aqui de cima.  Lembrei então que muitos dos sites bem sucedidos são aqueles onde há uma maior identificação do público com o autor.  Então por que não por fotos do meu dia a dia? (E isso nada tem a ver com narcisismo, só não me parece adequado expor imagens não autorizadas de outras pessoas).  Aí vocês podem pensar naquele velho papo da autoexposição, que eu mesma já falei por aqui.  Também pensei. Mas concluí que ou bem eu escrevo ou bem eu não me exponho.  É impossível escrever sobre comportamento humano com total imparcialidade (a gente até tenta, mas os mais perspicazes sempre percebem o posicionamento do autor). Ou seja, por mais que me preserve alguma exposição sempre haverá. Ossos do ofício.
 
Mudei a aparência e acrescentei uma descrição do blog (ainda que muito sucinta e distante do que queria, mas beleza), explicando a origem do nome e o critério de definição de conteúdo.  A origem do blog foi mais fácil, e acho que foi o que deu o viés para as idéias de hoje.  Difícil mesmo foi redefinir conteúdo.  Por mais que adore maquiagem e este mundo de moda & beleza, que está fazendo de blogueiras verdadeiras empresárias do ramo, não me vejo escrevendo sobre isso.  Até por que posso deixar o Instagram para tal, que serve muito bem a este propósito (uma imagem vale mais do que mil palavras!). (Vocês repararam como eu gosto de parênteses, né?).  O fato é que minha praia sempre será o comportamento humano.   O relacionamento humano, para ser precisa, com todos os seus contrastes, desajustes, altos e baixos. 

Criei este blog em 2006, embora os primeiros textos tenham sido escritos em 2004. Lá se vão quase 10 anos.  Eu já era formada, já tinha conquistado minha independência profissional, era solteira e queria me casar, como boa parte do sexo feminino entre a (controversa) faixa de 25 a 35 anos de idade.  E este estado de espírito era claramente refletido nos textos daquela época.  Depois, à medida que a vida foi mudando, os textos também foram.  Novos ventos.  Alegrias, crises, conquistas, hiatos e toda a felicidade e tristeza correlatas.  Novos ventos.  Mudanças de cidades, de estado civil, de estado de espírito.  


Percebi que não preciso redefinir conteúdo algum aqui, porque ele se redefine sozinho, como a vida.  Em 10 anos eu mudei tanto, e quis tantas coisas diferentes, e estive feliz e triste tantas vezes que me dei conta de que nós simplesmente não vamos parar de mudar.  Não enquanto estivermos vivos. Não enquanto não estivermos inertes.  Não enquanto não conquistarmos tudo.   E nunca conquistaremos tudo, porque o tudo de 10 anos atrás vai ser sempre muito diferente do tudo de hoje.





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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Das redes sociais

Há algum tempo ando tentada a escrever sobre o comportamento das pessoas nas redes sociais.    Não só pela logística da ferramenta me fascinar, mas por constatar que a rede de contatos diz muito sobre quem somos.  Os amigos são o resultado mais concreto de por onde você andou, como viveu e provavelmente vão influenciar diretamente a sua forma de pensar.

Na minha lista de amigos, por exemplo, 10% atuam na área biológica (médicos, enfermeiros, veterinários, fisioterapeutas). 13% atuam no que chamei de “áreas diversas” (fotógrafos, comerciantes, músicos, pilotos, esportistas). 18% atuam em humanas (advogados, jornalistas, publicitários, psicólogos, educadores). 26% são estudantes, do lar ou malucos que conhecemos por aí e podem estar fazendo qualquer coisa neste momento. 33% eu classifiquei como pertencentes ao mundo corporativo (engenheiros, profissionais de TI, marketing e administração).  Fora a porção de estudantes e malucos que não se encaixam em nenhuma categoria, os dois maiores percentuais se assemelham à minha formação: 18% tiveram a mesma base acadêmica e 33% convivem no mesmo ambiente profissional.  Embora as redes sociais não devam em absoluto ser fonte de informação, não podemos menosprezar (visto os últimos acontecimentos no país) seu poder de influência e mobilização. Assim que, a grosso modo, é o meio desse percentual maior de amigos que vai determinar os pontos de vistas de maior interesse para a sua realidade, influenciando diretamente a sua forma de pensar.

Outra coisa que chama minha atenção é a questão dos amigos em comum.  Você tem 80 amigos em comum com uma pessoa que estudou contigo no jardim de infância e você não vê há 25 anos, e apenas 20 amigos em comum com aquela parceira da faculdade com quem você viveu colada nos últimos 10 anos e sabe tudo da sua vida. O que me sugere que embora símbolo de modernidade, a rede social veio também para resgatar o passado.  Ao olhar parte da lista de amigos a sensação é de abrir o livro do ano da escola – Yearbook (daí o conceito do nome Face book), ou abrasileirando, ver a nossa foto de turma.  E sem sair de casa, sem marcar um encontro, interagindo sem interação, você tem a chance de ver aquelas pessoas hoje.  Não só ver, saber.  Saber como estão, se o tempo foi cruel ou bondoso com elas.  Com quem se relacionam, como é sua ligação com a família, seus hábitos, em que trabalham, que lugares frequentam.  Em alguns casos podemos saber bem mais do que isso: o que comem, quando se exercitam, para onde viajam, com quem saem, sua filosofia, se a sua vida é um mar de felicidade ou de revolta.

As tribos na rede social são fácilmente identificáveis. Há os que só comentam política. Os que só falam do trabalho. Os que respiram futebol. Os que vivem exclusivamente para os filhos. Os que estão ali só para se divertir com superficialidades. Os que acham que não estão se expondo postando e curtindo mensagens subliminares (ou não) de filosofia de vida. Os que fazem de tudo um pouco. Os que dizem tudo e quase sempre não dizem nada com grandes frases de efeito. Os que se vangloriam de sua liberdade, de sua atribulada agenda, de sua independência emocional, mas tristemente não se desligam nem nos fins de semana, ou na presença real de amigos e família, vivendo conectados permanentemente em um relacionamento sério com o computador ou celular. Poucos são os que postam mensagens do que estão pensando, quando a pergunta é justamente essa: “No que você está pensando?”. É incapaz de puxar papo com uma pessoa que lhe interesse para não parecer interessado, mas curte todas as vírgulas que ela posta. Postar 3000 fotos de si mesmo, dos lugares onde está ou do que está comendo não é exposição, mas de uma idéia que lhe passou pela cabeça, é. 

Também vejo a imagem da felicidade soberana e absoluta na rede. Compreensível.  Se no mundo real não expomos nossas fraquezas e não queremos despertar pena ou consternação, por que expô-las em uma rede virtual?  Então esbarramos em outra questão: o que expor?  Seu trabalho? Sua arte? Seu gosto musical? Suas conquistas? Seus filhos? Seu relacionamento? Sua carência de relacionamento? Sua visão política? Sua filosofia de vida? Sua satisfação ou insatisfação com o que quer que seja? Sua beleza em frente ao espelho? E para cada uma dessas perguntas você conhece pelo menos uma meia dúzia de amigos que responderia “sim”. E você muitas vezes critica quem expõe tudo isso, mas também se expõe.  Porque em algum nível sempre há exposição, a menos que você seja um voyeur.  E não poste nada, nunca. De forma alguma imponho aqui tom de crítica, o que definitivamente não é. Aceito e principalmente me divirto, com todas as cabeças pensantes (umas mais, outras menos) que habitam o meu mundo virtual. Até porque só criaram o botão “curtir”, não o “julgar”.


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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Venda caro a sua paz


Há algum tempo venho tentando manter a calma. A frase parece banal, mas no mundo apressado, violento e raivoso em que vivemos, não tem nada de simples em tentar manter-se zen.  É um exercício diário de tolerância, autocontrole, equilíbrio, e que raramente é executado de forma completa e bem sucedida. 

A desestabilização emocional vem de diferentes fontes e em diferentes escalas, mas curiosamente, quando já se vive estressado, é preciso muito pouco para se irritar. É quase como se o motivo besta fosse inversamente proporcional ao tamanho da irritação.

O que te irrita? Não classifique miséria, fome, doença, guerras, corrupção como coisas irritantes. Estas têm um espectro infinitamente maior, melhor relacionado à revolta, repulsa, ódio.  Irritar é pequeno. É pequeno para quem ou o que provoca e para quem sente.  E fica pequeno se você consegue manter a paz interior, se você consegue encontrar o Buda que existe dentro de todos nós, mas torna-se um monstro se a inércia vencer. 

São as pequenas coisas que fazem uma pessoa irritada ter reações grandes. É o despertador em uma manhã de sono, é o chefe impaciente, o sermão em hora errada.  A economia porca do que quer que seja.  É gente desocupada quando você está ocupado. É gente falando quando você precisa de silêncio.  É sala de espera com uma espera interminável. É a segunda-feira de manhã que chega rápido demais e a sexta-feira à tarde que não acaba nunca.  É celular caindo na caixa postal quando você realmente precisa falar com a pessoa. É o reaproveitamento de material/sentimento que foi feito para ser descartável.  É gente resmungando. É perda de tempo. É o prolixo e o desnecessário.  É o “Eu te disse”.

Alguém que insiste em te dizer o que fazer também é irritante. Mas ainda assim, eu te digo: venda caro a sua paz de espírito. Tenha paciência. E não se irrite.



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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dos prazeres da vida



Sol de inverno. Chuva de verão. Banho de rio. Escutar uma cachoeira. Mergulhar no mar. Lua cheia. Lareira. Ganhar flores. Alimentar um animal. Pisar na grama descalço. Fazer castelos de areia. Observar o horizonte na praia. Identificar formas nos contornos das montanhas. Banho quente numa noite fria. Cheiro de chuva.

Carinho de mãe. Proteção de pai. Cumplicidade de irmão. Sentir o bebê mexendo dentro da barriga. Gargalhada de criança. Observar um filho enquanto ele dorme. Rever fotos de infância. Saber envelhecer. Saudades saciáveis. Ter liberdade. Sentir-se querido. Reconhecer traços seus nos seus filhos.

Queijos e vinhos. Torta de limão, feijoada e comida de vó. Emagrecer. Andar de bicicleta. Bolas de sabão. Balançar na rede. Massagem. Cama quente. Lençois limpos. Dormir. Sonhar. Não ter hora para acordar. Ter saúde e tempo, e consciência das duas coisas.

Um bom filme. Um bom livro. Promoção no trabalho. Dinheiro bem ganho e bem gasto. Férias. Carnaval. Dar o troco bem dado e merecido. Ganhar um concurso. Sextas-feiras. Chopp com amigos. Roda de violão. Shows de rock. Dançar. Cantar a música junto com o cantor. Ouvir uma boa estória. Ganhar na loteria. Formar-se no que quer que seja. Concluir o que começou. Ser reconhecido por seu trabalho ou sua arte. Compreender a intenção de um artista. Saber jogar. Saber perder.

Ter um amor. Achar que encontrou sua alma gêmea três vezes por ano. Beijo com paixão. Beijo com amor. Beijo. Rir e chorar com a mesma facilidade. Acalmar um bebê. Perceber um detalhe que muda o todo. Não arrepender-se do que fez. Corrigir uma injustiça. Viajar. Acreditar em Deus. Ter os cinco sentidos. Ensinar. Aprender. Entender.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ferramenta voyeur



Voyeur: palavra francesa para designar pessoa que assiste, para sua satisfação, às manifestações (de sexualidade) de outrem”.

Embora o Facebook não tenha a pegada sexual do ato voyeur, se aproxima bastante do conceito, como a melhor e mais potente ferramenta da atualidade para xeretar a vida alheia, incluindo amigos e os desconhecidos mais inocentes que não protegem seus perfis de estranhos.

Grande parte dos meus amigos passam horas conectados ao site.  Não exclusivamente dedicado a ele, às vezes no escritório trabalhando, às vezes em casa assistindo tv, mas com o programa lá, aberto e status online bem redondo e verdinho.

É uma companhia. Você deixa de estar em casa sozinho para estar em casa com outros 32 amigos online, provavelmente fazendo nada junto com você. Sem contar aqueles que estão online mas querem parecer offline - como que se aquela barrinha lateral direita não dedurasse seus movimentos na rede... Para parecer offline deve-se agir como voyeur: não comente, não curta (ok, mentalmente pode curtir sim!), apenas observe.

Uma coisa curiosa é que as pessoas com quem mais temos amigos em comum não são nossos atuais amigos próximos, mas os amigos de infância. Aquele que não vemos há anos, que quando passa na rua muitas vezes finge que não te vê, mas que na rede é seu irmão-brother-parceirão de todas as horas. Tenho uma dúzia de amigos comuns com a minha melhor amiga real, mas com aquele menino que apenas estudou no mesmo colégio que eu na infância, e que não é absolutamente um amigo meu, tenho oitenta amigos em comum. Quem explica?

O fato é que as pessoas parecem sentir cada vez menos falta de contato físico. E boa parte não se importa com o passeio que fez, por exemplo, mas se importa se a foto no passeio ficou boa, para mostrar onde foi, com quem e o que esteve fazendo. Vida real? Encontro? Nada disso parece ter muita importância se você saiu bem na foto e sua felicidade está lindamente exposta para os outros... De onde vem essa fome voyeur e paradoxalmente exibicionista que temos? Da facilidade de encontrar respostas e tirar conclusões do que vemos na rede? Possivelmente, ainda que tantas vezes estas conclusões sejam equivocadas.


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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sorria, você está sendo filmado!



Ontem à noite enquanto eu tomava banho meu filho entrou no banheiro com o seu pequeno laptop nas mãos. Aquela curiosa criança xeretava o Skype e seus principais recursos, voz e vídeo. Com a tela aberta voltada para o box do chuveiro, ele me perguntou:

- Aqui aparece o nome do tio Maurício mãe, com aquele símbolo verdinho, isso quer dizer que eu posso falar com ele, que ele pode me ver?

- Pode sim filho, inclusive se ele já estiver online vai achar bem curiosa a imagem que vê neste momento! Vire esse computador pra lá! – respondi surpresa com a improvável circunstância.

A liberdade sempre foi um bem precioso, mas nunca me dei conta de quando começamos a perdê-lo. Somos vigiados a maior parte do tempo, voluntária ou involuntariamente, como essa situação corriqueira e talvez nem tão correlata me mostrava.

As câmeras de segurança, por exemplo. Hoje nos acompanham até dentro do elevador, identificando quem está entrando com quem, que horas a vizinha baladeira chegou ou qual das crianças pentelhas aperta o botão de todos os andares. A graça de namorar dentro do carro ou num banco de praça já era, não só pela irônica falta de segurança mas pela câmera daquele prédio logo adiante, que mais serve para captar o movimento da vida alheia do que para garantir a segurança dos moradores.

Câmeras por todo lado, assinaturas, senhas, i-tokens, palavras-chaves, perguntas-chave... São necessárias tantas confirmações de que você é você, que nem mesmo você conseguiria dar um golpe em si mesmo, caso assim o desejasse. Fatalmente você tropeçaria em algumas das velhas e conhecidas premissas de segurança: você teria esquecido aquilo que você deveria ter (o cartão), ou não se lembraria daquilo que você deveria saber (a senha). E se você tivesse as duas coisas, provavelmente o sistema estaria fora do ar.


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