quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sorria, você está sendo filmado!



Ontem à noite enquanto eu tomava banho meu filho entrou no banheiro com o seu pequeno laptop nas mãos. Aquela curiosa criança xeretava o Skype e seus principais recursos, voz e vídeo. Com a tela aberta voltada para o box do chuveiro, ele me perguntou:

- Aqui aparece o nome do tio Maurício mãe, com aquele símbolo verdinho, isso quer dizer que eu posso falar com ele, que ele pode me ver?

- Pode sim filho, inclusive se ele já estiver online vai achar bem curiosa a imagem que vê neste momento! Vire esse computador pra lá! – respondi surpresa com a improvável circunstância.

A liberdade sempre foi um bem precioso, mas nunca me dei conta de quando começamos a perdê-lo. Somos vigiados a maior parte do tempo, voluntária ou involuntariamente, como essa situação corriqueira e talvez nem tão correlata me mostrava.

As câmeras de segurança, por exemplo. Hoje nos acompanham até dentro do elevador, identificando quem está entrando com quem, que horas a vizinha baladeira chegou ou qual das crianças pentelhas aperta o botão de todos os andares. A graça de namorar dentro do carro ou num banco de praça já era, não só pela irônica falta de segurança mas pela câmera daquele prédio logo adiante, que mais serve para captar o movimento da vida alheia do que para garantir a segurança dos moradores.

Câmeras por todo lado, assinaturas, senhas, i-tokens, palavras-chaves, perguntas-chave... São necessárias tantas confirmações de que você é você, que nem mesmo você conseguiria dar um golpe em si mesmo, caso assim o desejasse. Fatalmente você tropeçaria em algumas das velhas e conhecidas premissas de segurança: você teria esquecido aquilo que você deveria ter (o cartão), ou não se lembraria daquilo que você deveria saber (a senha). E se você tivesse as duas coisas, provavelmente o sistema estaria fora do ar.


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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Da linearidade da vida


O comportamento humano é fascinante.  E sua variedade é uma das coisas mais curiosas que já vi. Conversando dia desses com um prestador de serviço, ele me contou que trabalhava há 30 anos na mesma empresa. E à medida que ele, prolixamente, contava detalhes de seu dia a dia no trabalho, minha mente escapou para outras partes da vida daquele homem.

Se ele estava há 30 anos na mesma empresa, sendo especializado no tipo de trabalho que executava naquele momento, possivelmente ele estaria há 30 anos fazendo a mesma coisa. Há 30 anos mexendo com as mesmas ferramentas, há 30 anos morando na mesma cidade, há 30 anos percorrendo o mesmo caminho, vendo as mesmas paisagens, lidando com as mesmas pessoas, convivendo com o mesmo clima. Era uma pessoa feliz. Tinha muitos amigos e por onde passava era reconhecido e admirado. Era calmo, confiável e previsível. Sua personalidade era tranquila, quase quieta. Sua vida era linear.

Ocorreu-me então que era justamente essa constância que fazia dele uma pessoa confiável. E a rotina ininterrupta que o transformava em uma pessoa previsível. E esse conjunto de movimentos repetitivos e comuns que fazia dele uma pessoa calma e feliz. As pessoas que vivem nesta linearidade não são nunca muito felizes nem muito tristes. Vivem em um meio termo limitado mas confortável. Ao contrário de outros que em um mês estão passando férias em Nova York para no outro estar passando o feriado em Araruama. Trabalhando um dia em uma megamultinacional na capital, para no ano seguinte atuar no comércio de uma cidade pequena do interior. A falta do meio termo vai desconcertar estes últimos, que vivem entre os altos e baixos – da mesma forma que a vida constante daquele senhor me perturbou - , mas nunca irá desequilibrar aqueles que já vivem no meio.

Primeiro porque a gente não sente falta do que desconhece. Segundo porque a postura de estar de acordo com o que a vida lhe deu não permite grandes frustações. Nem grandes sonhos. E muito menos grandes conquistas. É quase uma questão de múltipla escolha: a gente pode ser sempre meio feliz, ou eventualmente triste e muito feliz.


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terça-feira, 8 de maio de 2012

A quarta mulher



Duas amigas interessaram-se pelo mesmo cara. Interessante, charmoso, descolado e casado. Sim, ele era mal casado, mas casado. Já tinha se separado, voltado, e agora, diziam, estava para se separar novamente. Uma delas disse que o fato de ele ser casado não a incomodava, já que tudo o que queria era uma aventura. Ser casado era até uma vantagem, pois era garantia de que não haveria cobrança, exposição, aporrinhação. A outra já se inibiu, pois estava cansada das aventuras. De qualquer forma, ele sempre chamava a atenção das duas.

Eis que no fim de uma noite com bebida, música e muita conversa, no meio de uma rodinha de amigos, chega o dito com uma quarta mulher. Sim, a quarta mulher desta estória: as duas amigas, a esposa e agora, a amante. As duas amigas se entreolharam e olharam pra ele, que sorriu timidamente.

- Meu querido, que porra é essa? – perguntou a aventureira sem pestanejar. A gargalhada foi geral.

O rapazinho apenas sorriu, sem graça. Com a intimidade que lhe era permitida pelos anos de amizade ela continuou, puxando um outro amigo para um canto e perguntando baixinho:

- Sério, que porra é essa?

E o amigo respondeu:

- É a namorada dele.

- Namorada? Ele num é casado?

- É.

- E tem uma namorada?

- Tem.

- Amante, você quer dizer?

- Eu num tô dizendo nada...

Beberam mais, riram e o Don Juan foi embora com a namorada-amante-concubina-amancebada... diretamente para os braços da esposa. Porque homem casado volta para casa, certo? Talvez. E as duas amigas divertiam-se ao digerir a estória.

- Disputar com uma eu até encarava. Mas com duas?

- Eu não tô disputando nem com meia...

- E no caso de eu entrar no páreo, eu não vou ser a mulher, nem a namorada e nem a amante. Eu vou ser o que?

- A trouxa, amiga. A trouxa.



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