quarta-feira, 7 de março de 2012

Quente fisicamente, frio verbalmente

Escrever é uma forma de falar sozinho com um monte de gente. Não é que falte amigos, mas sobram palavras. E quando as palavras sobram junto com tempo, sobram também idéias. Sobram também dúvidas. Dúvidas que se até um determinado momento temperam a relação, se passar do ponto queimam, estragam.

Na minha incansável tentativa de entendimento do comportamento humano - a começar pelo meu que é o que menos compreendo - descobri em você uma adorável dualidade: você é quente físicamente e frio verbalmente. Carinhoso mas distante. Paradoxalmente cuidadoso e seco ao mesmo tempo.

O “cuidadoso” veio da forma como você tirou meu sapato uma vez. Sim, eu sei que era só um sapato e que muito certamente você nem percebeu como fez, mas uma pessoa essencialmente fria não tiraria da forma que você tirou, e uma pessoa qualquer não notaria isso como eu notei. O “quente fisicamente” tem sentido bastante óbvio, para você e para qualquer um, já que “quente” e “físico” são palavras complementares principalmente se usadas na mesma frase. Tal atributo veio do fato de você sempre pegar primeiro a minha mão. Parece doce, e é. E uma vez que as mãos se tocam, ou a mão toca a cintura, o cabelo, uma vez que se encontram, você não volta a soltar - o que atesta afeto, voluntário ou não. 

“Frio verbalmente” poderia ser substituído por “calado”. Mas há diferença, da mesma forma que deve haver um motivo para as poucas palavras. O que não me incomoda, já que quando perguntado você responde direta e claramente.  Como essa ambiguidade é possível na mesma pessoa eu não faco idéia. E não fosse a minha exagerada observação eu não teria interpretado nada disso, achando que você simplesmente não gosta, quando você gosta desinteressadamente.


XXX



segunda-feira, 5 de março de 2012

O significado da cama de casal

Há alguns dias atrás, conversando com recém-casados eu escutei - pela quarta ou quinta vez na minha vida - que a primeira providência da mulher ao dividir o teto com o marido foi trocar a cama de casal que veio do apartamento de solteiro dele.  Trocar o colchão eu até entendo, pelo que pode esbarrar numa questão de higiene, mas a cama?  A cama de casal é mesmo a campeã de audiência no quesito “vou limar todas as lembranças do seu passado” - como se as lembranças estivessem na cama, e não na cabeça dele. 

Até que ponto objetos carregam histórias? Não são poucas as pessoas que vão a determinados lugares e sentem uma energia diferente, ou sentem que já estiveram ali sem nunca ter estado. Há quem explique isso com as vidas passadas, eu já acho que é simplesmente a estória do lugar gritando por si só.

E quando visitamos um lugar em que estivemos pela última vez quando ainda criança? Encolheu, né? Não, não era absurdamente maior como a gente pensava, nós é que éramos pequenos. Nós é que trazíamos o olhar fantasioso de criança, que invariavelmente vê muito mais e maior do que a realidade. Ou indo ainda para outro extremo, quando visita-se o túmulo de alguém no cemitério, vem à cabeça as imagens e memórias da pessoa viva ou o por que diabos ela já foi parar ali embaixo?

Tudo está cheio de história e são muito poucos os objetos e lugares vazios. Objetos vazios são apenas os objetos perdidos, cuja história pode ser desconhecida mas não inexistente. Lugares vazios eu desconheço. Os lugares, mais do que objetos, irradiam ainda mais fortemente sua estória. Quem viveu ali, ou passou por ali, que sonho teve, que legado deixou. E de repente faz mais sentido aquelas famosas três coisas para se fazer em vida: ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore.

O filho vai dar continuidade à sua espécie, à sua vida (curiosamente ainda que pela vida de outra pessoa). O livro é o que vai ficar de mais concreto de sua essência, perpetuando sua forma de pensar. E a árvore é a sustentabilidade de tudo isso, para muitos o “politicamente correto” que vem lá de trás, quando não precisávamos ser politicamente corretos, quando apenas bom senso bastava.


XXX