quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Nerd appeal

Andava muito Clariciana ultimamente. Atormentada pelas dúvidas e mais ainda pelas certezas. Tinha urgência e desconhecia a causa, seu tempo esgotava-se. Não podia continuar aguardando de braços cruzados algo que não sabia nem o que era. Já não vivia, esperava, angustiada pelos próprios pensamentos, por uma vontade não sabia de que, mas latente, presente.

O nerd appeal tinha um efeito estarrecedor sobre ela. Desde sempre enxergou na inteligência, na sagacidade, na capacidade de concentração nos estudos um algo mais. Um muito mais. Atrás daqueles óculos tinha sempre um cara legal. Interessado nas ciências, nas artes, na história, no grande. Desinteressado do cotidiano banal a sua volta. O desinteresse seduz.

Deveria tirá-lo de seu caminho, de sua cabeça. Mas como se esquece o que de fato ainda não existiu? Começaria por uma decisão simples. Não, nada é simples para os ansiosos. A decisão, resumida a duas pequenas palavras, parecia simples: desistir ou insistir. E quanto mais besta parecia a resposta, mas difícil era fazer a escolha – caso houvesse uma. Ou se conformava em fazer da situação sua novela, acompanhando diariamente sem participar, ou partiria para o cinema autoral, onde se interage, se cria, se vive.

Inconstante que é tem vivido com o dilema. Não precisava muito para esquecer-se dele por algumas horas, dias talvez, era dispersa. O problema é que curiosamente a lembrança do que ainda não tinham vivido voltava. Ora se conformava, ora estava farta da situação. Que situação? – perguntava. Não há situação para se fartar! – respondia o espelho.


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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

É possível ter tudo?

Toda vez que alguma coisa dá errado eu imediatamente penso nas que deram certo. Como que em uma espécie de auto-defesa/justificativa-de-compensação. Penso na saúde que tenho, no fato de estar viva, de ter nascido em uma família feliz e equilibrada. Penso que tive estudo e preparo para a vida, que já realizei o sonho outrora tão importante de me casar, de ter tido filhos, de ter tido filhos saudáveis e carinhosos. Penso na oportunidade de ter viajado bastante, de ter conhecido outras culturas. Penso no sucesso profissional acidental (?!) que sempre tive – sim, não posso negar que as coisas neste aspecto sempre cairam de mão beijada, não sei se por sorte ou merecimento.

Sou grata e feliz por tudo isso. Mas – sim, tem sempre um mas na minha cabeça - já percebi que as coisas boas não acontecem simultaneamente. Na verdade, tenho a clara sensação de que para se ter uma coisa boa eu tenho necessariamente que abrir mão de outra. De forma que ou eu sou uma eterna insatisfeita ou tem sempre algo faltando para a felicidade do ser humano ser completa.

Se você está jogando e perde, aquele seu amigo bem pouco original vai te dizer: azar no jogo, sorte do amor! (grande mentira, diga-se de passagem). Se você tem uma vida profissional invejável, pode apostar que tem um espírito de porco procurando onde foi que sua vida pessoal deu errado (e o pior é que muitas vezes ele encontra...).

Tenho várias amigas que não casaram, não tiveram filhos, são executivas brilhantes, bem sucedidas e frustadas por chegar em casa à noite e encontrar uma casa tão linda quanto vazia. Tenho outras tantas que aparentam muito mais do que a minha idade, massacradas pela vida doméstica, pelo cansaço natural que crianças provocam, pelo torpor que a rotina de uma casa traz. Para essas últimas, a simples cena de uma mulher de tailler caminhando pela rua, bem penteada, maquiada, sem nenhuma criança pendurada em qualquer parte do corpo, pode provocar um efeito devastador, um choque de realidade.

E eu sei disso porque já estive nos dois lados. Já fui a executiva bem sucedida e triste por ainda estar solteira, por ainda não ter filhos (some-se a isso a incerteza de estar na profissão certa, mas aí é “mas” demais para um raciocínio só!). Também já fui a mãe, dona-de-casa, esposa exausta de tudo e de todos. Agora acho que alcancei um meio termo, não estou nem em um extremo, nem em outro. Mas tem coisa faltando.  E muitas vezes a forma de suprir esta falta me parece ser o abrir mão de conquistas em algum aspecto da vida. Mas e se eu não quiser abrir mão de nada? É possível ter tudo? Até quando a gente insiste? Quando se conforma e desiste? E este post vai ficando sem conclusão. Pois se eu ainda não encontrei a resposta para a vida, é impossível descrevê-la aqui.


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Anjinho x Diabinho

Além de sua índole e de seu caráter, fortes e bem intencionados, ele tinha mais duas pessoas em sua consciência. Uma dizia o que ele não devia fazer. A outra dizia o que ele devia fazer. Sim, o anjinho e o diabinho no melhor estilo cartoon. As boas atitudes quase sempre prevaleciam, já que era um jogo mal equibrado, três contra um. Só que por uma razão que ninguém sabe explicar mas todos tem de concordar, o proibído tinha uma força descomunal.

Todo mundo sabe que o diabinho nunca insiste, ele apenas sugere nos momentos certos. E todo mundo também sabe que estar no lugar certo, na hora certa faz a diferença, assim como estar no lugar errado, na hora errada idem. Ele sempre soube como deveria agir, mas no fundo gostava da batalha mental entre o bem e o mal. Ou gostava, ou era induzido a gostar.

Fato era que ele, sempre tão determinado, ficava apenas de expectador do duelo. Ora tentendo pro bem, ora pro mal. Insistia no bem? Sempre. Arrependia-se do mal? Nunca. Não se arrependia de nada, no fundo sabia que tudo era resultado de sua própria vontade, consciente ou não.

Limitava-se apenas a não planejar o mal. Não sendo premeditado estaria menos errado, seria menos mal. Talvez nem fosse mal, só uma fatalidade. Já que ele não planejou, não premeditou e quase não desejou.


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