sexta-feira, 27 de maio de 2011

Nas manchetes de hoje

Só nas manchetes dos jornais de hoje: Criança com síndrome de Down é impedida de brincar em parquinho e shopping é condenado por preconceito. Quatro irmãos tem noventa por cento dos corpos queimados sob guarda do padastro. Travesti é morto por causa de dez reais. Freguês solta pitbul em cima de dono de bar. Adolescente é baleado por colega em escola. Carta de menina de nove anos leva três parentes à prisão por abuso sexual.

Recuso-me a acreditar que a alienação compensa, mas até que ponto a informação beneficia? Pode ser apenas um momento (frequente) de sensibilidade exagerada, mas ler o jornal pela manhã é um hábito que cada vez mais deprime, desanima, desmotiva. Se envolve crianças, então, a sensação é devastadora, sendo preferível mesmo desconhecer, ignorar, fugir. É lugar comum perguntar onde vamos parar, mas a pergunta que cabe é essa mesmo.

Sempre acreditei na recuperação do ser humano. Sempre achei que a passos de cágado, nós, brasileiros, estamos evoluindo, melhorando, amadurecendo, se desenvolvendo. Que nosso presente hoje é o resultado de uma colonização oportunista e exploradora, que comparada à colonização de países desenvolvidos “de mesma idade” do Brasil, espelham perfeitamente a diferença que fez uma colonização de investimento, de mentalidade de crescer junto, ao invés daquela de extrair, de dizimar, de se aproveitar.

Saiu caro. Pagamos hoje um preço injusto por atos que não cometemos ou sequer compactuamos. E convivemos com cidadãos – não quero acreditar que a maioria – que ainda agem com a cultura do ‘venha a nós o vosso reino!’, do tirar proveito, do ter sempre a vantagem, de simplesmente não se importar. Ignorância? Despreparo? Má fé? Tudo isso. Tudo isso que não justifica, nem explica.

E descendo a página no jornal, encontro uma última notícia, discreta, quase tímida: Desmatamento da Mata Atlântica caiu 55%. É pouco. Mas é uma notícia boa em meio a tanto sangue, corrupção e desgraça. Mais do que isso, é reflexo de uma preocupação recente, jovem. A minha geração não aprendia sobre reciclagem, reutilização e redução nas escolas, mas nossos filhos sim. A minha geração não sabia que a falta de investimento na educação levaria à violência extrema a que somos impostos hoje, mas nossos filhos sim. Apenas posso concluir que estamos no caminho da mudança, e acredito com toda a minha fé e esperança que nossos netos viverão em um mundo bem melhor.


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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Natureza em Fúria 2



Era a segunda vez que ela via de perto a natureza dar uma resposta atravessada aos petulantes terráqueos. A primeira havia sido em Villahermosa, capital do estado de Tabasco, no México, anos antes. Um metro e meio de água no centro da cidade, rios grandiosos transbordando e bairros inteiros submersos. Agora era a linda Friburgo, sua cidade natal não de fato, mas de direito. Seu vale encantado, precioso, preciso ponto de regresso de toda uma geração.

Em ambos os casos a sequência dos acontecimentos foi a mesma: o desastre, as mortes, o choque, o bate-cabeça inicial das autoridades — atestado em Friburgo por três pobres bravos heróis — a falta dos serviços básicos, o desespero da população estocando alimentos e contribuindo involuntáriamente para a escassez deles, e finalmente a reconstrução.

Villahermosa tinha cinco vezes a população de Friburgo e levara seis meses para se reconstruir. Mas reconstruiu-se. Reconstruiu-se para três anos depois sofrer nova ameaça de enchente. Para os costais, posicionados a beira dos rios em um autêntico "trabalho de formiguinha", serem ainda mais altos dos que os do ano da tragédia precedente. Para as pessoas, escoladas, retirarem seus pertences de casa com mais calma e antecedência, e a iminência do filme de terror voltar assombrar.

Só que daquela vez a Natureza, São Pedro, o Acaso ou quem quer que seja, pensou: Vocês de novo? Não. Ainda não aprenderam a lição, mas o último susto foi grande. Deixa eu olhar mais embaixo. E percorrendo o globo mentalmente ele foi descendo. Passou pelo Haiti e lembrou-se de visita recente. Chegou ao árido nordeste brasileiro e achou o lugar estranhamente familiar. Continuou descendo. Não quis incomodar os preparativos do carnaval bahiano - o povo não aguentaria. Lembrou-se de Angra e passou batido. Tinha exagerado, naquela ocasião, ao escolher a noite de Ano Novo para atuar. Seguiu pelas redondezas e encontrou uma região linda. Verde, montanhosa, de flora e fauna surpreendentemente preservadas.

E na região serrana do Rio de Janeiro desta vez ele se apresentou. Com cara nunca antes vista e fúria sequer imaginada. Os terráqueos, atônitos, tentavam entender de onde veio, quando a pergunta poderia ser quando volta? Porque mais cedo ou mais tarde, em algum lugar, voltaria.


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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Solidão

Picasso dizia que não se pode fazer nada sem solidão. Pensando nisso, ela procurou lembrar-se da última vez que esteve só. Não conseguiu, e percebeu a falta que sentia da solidão. Procurou as razões que levariam uma pessoa a não ser só, a não estar só, nunca. Talvez a constante vigilância por necessidade de segurança física contribuísse para isso. O ímpeto humano de tomar conta da vida alheia também. O fato é que não estar só, em momento algum, a deprimia.

Havia esquecido como era chegar em casa sozinha e acender todas as luzes para espantar o medo. Ou ligar a televisão para a voz de um monitor ser sua companhia até pegar no sono. Hesitar, com uma xícara de café na mão, sobre o que fazer ao acordar num sábado ou domingo chuvosos era uma pequeneza quase esquecida.

Já não conseguia escutar a inspiração, fonte que tanto gosta de sussurrar em meio ao tumulto ou quando você está longe de papel e caneta. Passavam-se dias sem que ela observasse as montanhas, pra quem antes olhava todas as noites e manhãs (as montanhas sempre foram companhia rara permitida pela solidão), e às vezes podia escutá-las dizer: Hei, estamos aqui! Precisamos descer novamente para que não se esqueça de nós? E ela, olhando desconfiada de rabo de olho, simplesmente caminhava do carro pra casa, da casa pro carro, ocupada, carregada, acompanhada.

Adoraria saber o por quê de a solidão trazer conotação de sentimento negativo, quando é um estado tão produtivo. Jamais escutou algum artista afirmar que produziu determinada obra em estado de euforia extrema e felicidade absoluta - provalvemente por estar ocupado festejando nessas ocasiões. Mas algumas das obras mais lindas que já leu, ou assistiu, são retratos fieis de inquietação, angústia e dor latentes. Ela não quer ser angustiada, mas não pretende abandonar sua inquietação. Não gosta de sentir dor, mas jamais quer deixar de procurar aquele tantinho que sempre falta pra ser mais feliz.


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