sexta-feira, 7 de março de 2014

Dos Atrasos da Vida

Alguns atrasos na vida são inevitáveis.  Eu mesma só fui gostar de literatura na faculdade, e entender o que queria fazer da vida depois dos trinta.  Nossas escolhas estão diretamente ligadas à maturidade e ao conceito clichê do “tem que perder para dar valor”. 
Aos vinte e poucos anos eu já havia concluído uma boa faculdade, terminado a pós-graduação, tinha um ótimo emprego em uma multinacional e não estava satisfeita.  A empolgação inicial com o trabalho dera lugar a um tédio infinito, uma desmotivação absoluta. A vida corporativa era para mim um adorável mundo cão: me proporcionava tudo o que eu queria, pela mera quantia de todo o meu tempo e energia.  Eu já não era dona dos meus horários e dos meus desejos. Na verdade já não os tinha, a menos que fossem desejos produtivos, eficientes e lucrativos, a menos que fossem os desejos da empresa.
Quis então jogar tudo pro alto e ir fazer teatro.  Pedi demissão e fui estudar Nelson Rodrigues, e fazer a louca da Navalha na Carne, feliz da vida.  Plínio Marcos me encantava, mas estava longe de ser parte de um trabalho, do meu trabalho.  Realisticamente eu teria que me acostumar a viver como nômade, sem um porto seguro e sem dinheiro.  Mas eu não queria ser dona do meu tempo e dos meus desejos? “Taí”, me respondia a vida, irônica.  A vida mambembe só me pareceu interessante por um fim de semana, não para vida toda.

Tirei então um ano sabático, escrevi um livro e emendei com projetos pessoais que trouxeram duas lindas pessoinhas para a minha vida, que valem cada segundo do meu tempo.  E cuidei deles exclusivamente enquanto bem pequenininhos e dependentes.  E eles estão crescendo, cada dia precisando menos de mim, como deve ser.  Era hora de voltar.  

E hoje, circulando novamente pelo centro do Rio de Janeiro sentindo aquele cheiro forte de inseticida na portaria dos prédios, ou tropeçando nas pedras portuguesas irregulares, vejo que o novo e velho ciclo se reinicia.  Que o adorável mundo cão corporativo (que na verdade pode ser um poodle manso, irritante e obediente, dependendo de como eu o encare) me recebe de braços abertos.  Escuto os jargões corporativos, hoje modernizados mas que me divertem como há quinze anos atrás, e vejo que gosto deles, que senti falta deles.  Porque é o que sei fazer e o que faço bem feito. Às vezes é preciso tentar outros caminhos para (re)encontrar o seu caminho, o mesmo caminho.   Um atraso no percurso original, necessário para o amadurecimento e imprescindível para voltar a fazer a mesma coisa, feliz.



XXX

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Felicidade dá trabalho

Felicidade dá trabalho.  Escutei esta frase ontem à noite, depois de um dia normal de semana: acordar cedo, levar filhos à escola, trabalhar todo o dia, voltar tarde para casa, trabalhar em casa, pôr os filhos na cama, assistir um pouco de tv, conversar, para finalmente ir dormir e começar tudo de novo no dia seguinte.  Querer participar da rotina das crianças, por exemplo, é um trabalho avassalador, mas que compensa ao ver o rostinho deles ao dormir e acordar.  Dar conta de estudar, trabalhar, ganhar o próprio dinheiro, ter sucesso profissional, um casamento feliz, amigos por perto, equilíbrio emocional, filhos fortes e felizes... não é fácil.  O dia a dia é cansativo?  É.  Viver bem é trabalhoso?  É.  Mas vale a pena.  Vale a pena quando no fim do dia o saldo é positivo.  

Escutei a expressão do “saldo positivo” pela primeira vez há cerca de um ano, de um amigo que associava sabiamente os relacionamentos afetivos à uma balança sentimental.  É sabido que na relação homem-mulher, na relação familiar e nas amizades, em todas elas, não existe perfeição.  Atritos e questionamentos fazem parte de uma convivência normal, que a grosso modo é composta de aporrinhações e alegrias.

Tem dias que o percentual de aporrinhações ultrapassa o de alegrias (às vezes ultrapassa a estratosfera).  É quando a gente percebe uma expectativa frustrada, uma injustiça qualquer, uma atitude impaciente, ou inconsequente, que leva a consequências irreversíveis.  Nesta esfera destaco com louvor o nosso infindável desejo de controlar tudo ou agradar a todos – definitivamente o atalho mais curto para a decepção!

Tem dias nos quais você está cansado demais para qualquer coisa, até para se aporrinhar.  Fique atento se você chegou no ponto de não se importar, das mazelas da vida a indiferença é a mais cruel.  

Mas tem dias em que as alegrias são maiores.  É quando temos saúde, sentimos o amor ou simplesmente rimos até chorar.  Trata-se de matemática e proporção. Saber dar a importância certa aos acontecimentos da vida é o caminho inteiro para a felicidade.  Releve as besteiras e só queira saber do que pode dar certo.  O que importa é que no fim do dia, do mês ou da vida, o saldo seja positivo.  Ou promissor.  De crescimento, conquistas e, principalmente, alegrias.



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