segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dos prazeres da vida



Sol de inverno. Chuva de verão. Banho de rio. Escutar uma cachoeira. Mergulhar no mar. Lua cheia. Lareira. Ganhar flores. Alimentar um animal. Pisar na grama descalço. Fazer castelos de areia. Observar o horizonte na praia. Identificar formas nos contornos das montanhas. Banho quente numa noite fria. Cheiro de chuva.

Carinho de mãe. Proteção de pai. Cumplicidade de irmão. Sentir o bebê mexendo dentro da barriga. Gargalhada de criança. Observar um filho enquanto ele dorme. Rever fotos de infância. Saber envelhecer. Saudades saciáveis. Ter liberdade. Sentir-se querido. Reconhecer traços seus nos seus filhos.

Queijos e vinhos. Torta de limão, feijoada e comida de vó. Emagrecer. Andar de bicicleta. Bolas de sabão. Balançar na rede. Massagem. Cama quente. Lençois limpos. Dormir. Sonhar. Não ter hora para acordar. Ter saúde e tempo, e consciência das duas coisas.

Um bom filme. Um bom livro. Promoção no trabalho. Dinheiro bem ganho e bem gasto. Férias. Carnaval. Dar o troco bem dado e merecido. Ganhar um concurso. Sextas-feiras. Chopp com amigos. Roda de violão. Shows de rock. Dançar. Cantar a música junto com o cantor. Ouvir uma boa estória. Ganhar na loteria. Formar-se no que quer que seja. Concluir o que começou. Ser reconhecido por seu trabalho ou sua arte. Compreender a intenção de um artista. Saber jogar. Saber perder.

Ter um amor. Achar que encontrou sua alma gêmea três vezes por ano. Beijo com paixão. Beijo com amor. Beijo. Rir e chorar com a mesma facilidade. Acalmar um bebê. Perceber um detalhe que muda o todo. Não arrepender-se do que fez. Corrigir uma injustiça. Viajar. Acreditar em Deus. Ter os cinco sentidos. Ensinar. Aprender. Entender.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ferramenta voyeur



Voyeur: palavra francesa para designar pessoa que assiste, para sua satisfação, às manifestações (de sexualidade) de outrem”.

Embora o Facebook não tenha a pegada sexual do ato voyeur, se aproxima bastante do conceito, como a melhor e mais potente ferramenta da atualidade para xeretar a vida alheia, incluindo amigos e os desconhecidos mais inocentes que não protegem seus perfis de estranhos.

Grande parte dos meus amigos passam horas conectados ao site.  Não exclusivamente dedicado a ele, às vezes no escritório trabalhando, às vezes em casa assistindo tv, mas com o programa lá, aberto e status online bem redondo e verdinho.

É uma companhia. Você deixa de estar em casa sozinho para estar em casa com outros 32 amigos online, provavelmente fazendo nada junto com você. Sem contar aqueles que estão online mas querem parecer offline - como que se aquela barrinha lateral direita não dedurasse seus movimentos na rede... Para parecer offline deve-se agir como voyeur: não comente, não curta (ok, mentalmente pode curtir sim!), apenas observe.

Uma coisa curiosa é que as pessoas com quem mais temos amigos em comum não são nossos atuais amigos próximos, mas os amigos de infância. Aquele que não vemos há anos, que quando passa na rua muitas vezes finge que não te vê, mas que na rede é seu irmão-brother-parceirão de todas as horas. Tenho uma dúzia de amigos comuns com a minha melhor amiga real, mas com aquele menino que apenas estudou no mesmo colégio que eu na infância, e que não é absolutamente um amigo meu, tenho oitenta amigos em comum. Quem explica?

O fato é que as pessoas parecem sentir cada vez menos falta de contato físico. E boa parte não se importa com o passeio que fez, por exemplo, mas se importa se a foto no passeio ficou boa, para mostrar onde foi, com quem e o que esteve fazendo. Vida real? Encontro? Nada disso parece ter muita importância se você saiu bem na foto e sua felicidade está lindamente exposta para os outros... De onde vem essa fome voyeur e paradoxalmente exibicionista que temos? Da facilidade de encontrar respostas e tirar conclusões do que vemos na rede? Possivelmente, ainda que tantas vezes estas conclusões sejam equivocadas.


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Da superficialidade da vida

(de 2011)

Meu interesse em você são os melhores e mais superficiais possíveis. Quero amizade com leveza, paixão sem posse e amor sem cobrança. Quero que você seja livre para ir e voltar conforme sua vontade, e para sumir conforme a minha. Não, isso não funcionará a longo prazo. Mas por um tempo quero me dar o luxo de não pensar a longo prazo. Quero poder ser imediatista, priorizar a emoção à razão. Quero ser intuitiva e me deixar levar por sua aparência, sua energia, sua falta de compromisso com o mundo. Quero comer sem contar calorias e beber sem pensar no tamanho do porre. Quero pensar no hoje sem me preocupar com o amanhã. Quero não ter horários ou limites. Quero essa felicidade fugaz, arredia, surpreendente, original, genuína. Só por hoje.

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segunda-feira, 18 de junho de 2012

O sítio arqueológico de Palenque


Mais um trechinho do livro novo!

(...) Uma hora após o jantar um dos irmãos de Consuelo acendeu a fogueira, e toda a família se reuniu em volta dela. Ninguém sentava muito próximo às chamas, Palenque era uma região absurdamente quente e a única finalidade da fogueira era iluminar aquele lugar onde a eletricidade nunca chegou. O último a se juntar a nós foi o homem que parecia ser o mais velho do grupo, embora nem um fio de cabelo branco tivesse. Era a pele enrrugada, o aspecto cansado, a lentidão em se locomover que revelavam sua idade. Quando o senhor se sentou Consuelo dirigiu-se a ele, falando algumas poucas palavras ao seu ouvido. Ele olhou pra mim e voltou a escutar Consuelo.

- O que você disse a ele? – perguntei a ela quando voltou a seu lugar, ao meu lado.

- Que a senhora quer conhecer o Popol Vuh, o livro sagrado dos Maias – disse ela diretamente.

E assim, com a tradução simultânea baixinha de Consuelo, descobri que o Popol Vuh era a bíblia Maia, o mais antigo documento escrito da América e única fonte de informação sobre a mitologia Maia. Era o livro através do qual os Maias descobriam sobre sua própria origem e os fenômenos da natureza. Também chamado de Livro da Comunidade, o Popol Vuh contava a estória dos Deuses Gêmeos Hunahpú e Ixbalanqué.

- Um dos que Pacal assumiu a identidade para chegar a imortalidade? – interrompi curiosa.

- Este mesmo – continuou Consuelo.

Os Deuses Gêmeos haviam nascido do encontro entre Hun-Hunahpú e a donzela Ixquic nas cavernas de Xibalbá, o inferno na religião Maia.

- Eles se conheceram no inferno? O que faziam lá? – interrompi novamente.

Consuelo ignorou a pergunta e prosseguiu. Ixquic havia engravidado pela saliva da Árvore de Jícara, onde estava a caveira de Hun-Hunahpú, e logo subiu ao mundo exterior fugindo dos senhores de Xibalbá.

- Agradeço se pudermos não passar perto desta árvore...

Sorrindo, Consuelo continuou: Ixquic foi aceita por Ixmukané, que já criava os dois filhos mais velhos de Hun-Hunahpú, antes de eles serem transformados em macacos pelos irmãos menores.

- Espera. Quem transformou quem em macaco?

Os filhos mais novos de Hun-Hunahpú transformaram os filhos mais velhos, seus irmãos, em macacos.

- Por que, meu Deus?! Como eles faziam isso?

São Deuses senhora, Deuses podem tudo. E a transformação foi feita porque os mais velhos pertubavam o sossego dos mais novos, Hunahpú e Ixbalanqué.

- Paciência não é muito o forte dos Maias, não é, Consuelo? Nem hierarquia...

Hunahpú e Ixbalanqué encontraram o campo de jogo de bola Maia que havia sido construído por seu pai, e ao jogar enfureceram os Senhores de Xibalbá, pelo que foram chamados a visitar o Inframundo, onde passaram por ínúmeras provas e venceram os Ajawab, os todo poderosos de Xibalbá. Assim, Hunahpú se converteu no Sol e Ixbalanqué se converteu na Lua!

E daquela forma lúdica a mitologia Maia explicava a criação do Sol e da Lua. Eram mitos tão ricos e cheios de curiosidades que eu escutaria aquelas estórias a noite inteira. Mas eu já estava tão integrada à cultura deles que Xibalbá não me saía da cabeça. Como podia permanecer ali sentada se o cenário daquelas estórias estavam, segundo Consuelo, a alguns metros dali? Por mais estranho que isso soasse, eu queria conhecer o inferno. (...)


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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Terapia à revelia


Ele sempre achou o romantismo uma coisa cafona, mas paradoxalmente era uma pessoa romântica. Gostava de gentilezas, de agradinhos, de atenção. O que haveria de cafona no romantismo se nada mais é do que o bem querer?

Deu conta então que a cafonice estava relacionada àquela timidez que tanto o atrasava. Na ânsia de sair da situação que o constrangia, unicamente pela timidez e ainda que estando em uma situação que desejasse, ele atropelava os sentimentos, abreviava as palavras e passava como uma máquina de cortar grama sobre um jardim florido, deixando apenas talinhos, sem grandes chances de voltarem a florescer.

Isso é doença, disseram-lhe uma vez. Tratou com teatro, não resolveu. Ele tinha cara de pau de subir num palco e se transformar em quem quer que fosse, sem o menor constrangimento, pois seria sempre o outro. E ele não precisava ter vergonha do outro. Na verdade ele não precisava ter vergonha de ninguém, nem do outro nem de si. De onde vinha essa timidez sem propósito? Essa vergonha do mundo?

Talvez morresse sem saber. Conversar com um especialista seria exposição demais, só de pensar ruborizava. A última coisa que preciso é um estranho conhecendo meus temores, pensava. Sua timidez transviava a lógica e cegava a razão. Sua única salvação era alguém ajudá-lo sem que ele notasse. Uma terapia à revelia.

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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sorria, você está sendo filmado!



Ontem à noite enquanto eu tomava banho meu filho entrou no banheiro com o seu pequeno laptop nas mãos. Aquela curiosa criança xeretava o Skype e seus principais recursos, voz e vídeo. Com a tela aberta voltada para o box do chuveiro, ele me perguntou:

- Aqui aparece o nome do tio Maurício mãe, com aquele símbolo verdinho, isso quer dizer que eu posso falar com ele, que ele pode me ver?

- Pode sim filho, inclusive se ele já estiver online vai achar bem curiosa a imagem que vê neste momento! Vire esse computador pra lá! – respondi surpresa com a improvável circunstância.

A liberdade sempre foi um bem precioso, mas nunca me dei conta de quando começamos a perdê-lo. Somos vigiados a maior parte do tempo, voluntária ou involuntariamente, como essa situação corriqueira e talvez nem tão correlata me mostrava.

As câmeras de segurança, por exemplo. Hoje nos acompanham até dentro do elevador, identificando quem está entrando com quem, que horas a vizinha baladeira chegou ou qual das crianças pentelhas aperta o botão de todos os andares. A graça de namorar dentro do carro ou num banco de praça já era, não só pela irônica falta de segurança mas pela câmera daquele prédio logo adiante, que mais serve para captar o movimento da vida alheia do que para garantir a segurança dos moradores.

Câmeras por todo lado, assinaturas, senhas, i-tokens, palavras-chaves, perguntas-chave... São necessárias tantas confirmações de que você é você, que nem mesmo você conseguiria dar um golpe em si mesmo, caso assim o desejasse. Fatalmente você tropeçaria em algumas das velhas e conhecidas premissas de segurança: você teria esquecido aquilo que você deveria ter (o cartão), ou não se lembraria daquilo que você deveria saber (a senha). E se você tivesse as duas coisas, provavelmente o sistema estaria fora do ar.


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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Da linearidade da vida


O comportamento humano é fascinante.  E sua variedade é uma das coisas mais curiosas que já vi. Conversando dia desses com um prestador de serviço, ele me contou que trabalhava há 30 anos na mesma empresa. E à medida que ele, prolixamente, contava detalhes de seu dia a dia no trabalho, minha mente escapou para outras partes da vida daquele homem.

Se ele estava há 30 anos na mesma empresa, sendo especializado no tipo de trabalho que executava naquele momento, possivelmente ele estaria há 30 anos fazendo a mesma coisa. Há 30 anos mexendo com as mesmas ferramentas, há 30 anos morando na mesma cidade, há 30 anos percorrendo o mesmo caminho, vendo as mesmas paisagens, lidando com as mesmas pessoas, convivendo com o mesmo clima. Era uma pessoa feliz. Tinha muitos amigos e por onde passava era reconhecido e admirado. Era calmo, confiável e previsível. Sua personalidade era tranquila, quase quieta. Sua vida era linear.

Ocorreu-me então que era justamente essa constância que fazia dele uma pessoa confiável. E a rotina ininterrupta que o transformava em uma pessoa previsível. E esse conjunto de movimentos repetitivos e comuns que fazia dele uma pessoa calma e feliz. As pessoas que vivem nesta linearidade não são nunca muito felizes nem muito tristes. Vivem em um meio termo limitado mas confortável. Ao contrário de outros que em um mês estão passando férias em Nova York para no outro estar passando o feriado em Araruama. Trabalhando um dia em uma megamultinacional na capital, para no ano seguinte atuar no comércio de uma cidade pequena do interior. A falta do meio termo vai desconcertar estes últimos, que vivem entre os altos e baixos – da mesma forma que a vida constante daquele senhor me perturbou - , mas nunca irá desequilibrar aqueles que já vivem no meio.

Primeiro porque a gente não sente falta do que desconhece. Segundo porque a postura de estar de acordo com o que a vida lhe deu não permite grandes frustações. Nem grandes sonhos. E muito menos grandes conquistas. É quase uma questão de múltipla escolha: a gente pode ser sempre meio feliz, ou eventualmente triste e muito feliz.


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terça-feira, 8 de maio de 2012

A quarta mulher



Duas amigas interessaram-se pelo mesmo cara. Interessante, charmoso, descolado e casado. Sim, ele era mal casado, mas casado. Já tinha se separado, voltado, e agora, diziam, estava para se separar novamente. Uma delas disse que o fato de ele ser casado não a incomodava, já que tudo o que queria era uma aventura. Ser casado era até uma vantagem, pois era garantia de que não haveria cobrança, exposição, aporrinhação. A outra já se inibiu, pois estava cansada das aventuras. De qualquer forma, ele sempre chamava a atenção das duas.

Eis que no fim de uma noite com bebida, música e muita conversa, no meio de uma rodinha de amigos, chega o dito com uma quarta mulher. Sim, a quarta mulher desta estória: as duas amigas, a esposa e agora, a amante. As duas amigas se entreolharam e olharam pra ele, que sorriu timidamente.

- Meu querido, que porra é essa? – perguntou a aventureira sem pestanejar. A gargalhada foi geral.

O rapazinho apenas sorriu, sem graça. Com a intimidade que lhe era permitida pelos anos de amizade ela continuou, puxando um outro amigo para um canto e perguntando baixinho:

- Sério, que porra é essa?

E o amigo respondeu:

- É a namorada dele.

- Namorada? Ele num é casado?

- É.

- E tem uma namorada?

- Tem.

- Amante, você quer dizer?

- Eu num tô dizendo nada...

Beberam mais, riram e o Don Juan foi embora com a namorada-amante-concubina-amancebada... diretamente para os braços da esposa. Porque homem casado volta para casa, certo? Talvez. E as duas amigas divertiam-se ao digerir a estória.

- Disputar com uma eu até encarava. Mas com duas?

- Eu não tô disputando nem com meia...

- E no caso de eu entrar no páreo, eu não vou ser a mulher, nem a namorada e nem a amante. Eu vou ser o que?

- A trouxa, amiga. A trouxa.



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quarta-feira, 7 de março de 2012

Quente fisicamente, frio verbalmente

Escrever é uma forma de falar sozinho com um monte de gente. Não é que falte amigos, mas sobram palavras. E quando as palavras sobram junto com tempo, sobram também idéias. Sobram também dúvidas. Dúvidas que se até um determinado momento temperam a relação, se passar do ponto queimam, estragam.

Na minha incansável tentativa de entendimento do comportamento humano - a começar pelo meu que é o que menos compreendo - descobri em você uma adorável dualidade: você é quente físicamente e frio verbalmente. Carinhoso mas distante. Paradoxalmente cuidadoso e seco ao mesmo tempo.

O “cuidadoso” veio da forma como você tirou meu sapato uma vez. Sim, eu sei que era só um sapato e que muito certamente você nem percebeu como fez, mas uma pessoa essencialmente fria não tiraria da forma que você tirou, e uma pessoa qualquer não notaria isso como eu notei. O “quente fisicamente” tem sentido bastante óbvio, para você e para qualquer um, já que “quente” e “físico” são palavras complementares principalmente se usadas na mesma frase. Tal atributo veio do fato de você sempre pegar primeiro a minha mão. Parece doce, e é. E uma vez que as mãos se tocam, ou a mão toca a cintura, o cabelo, uma vez que se encontram, você não volta a soltar - o que atesta afeto, voluntário ou não. 

“Frio verbalmente” poderia ser substituído por “calado”. Mas há diferença, da mesma forma que deve haver um motivo para as poucas palavras. O que não me incomoda, já que quando perguntado você responde direta e claramente.  Como essa ambiguidade é possível na mesma pessoa eu não faco idéia. E não fosse a minha exagerada observação eu não teria interpretado nada disso, achando que você simplesmente não gosta, quando você gosta desinteressadamente.


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segunda-feira, 5 de março de 2012

O significado da cama de casal

Há alguns dias atrás, conversando com recém-casados eu escutei - pela quarta ou quinta vez na minha vida - que a primeira providência da mulher ao dividir o teto com o marido foi trocar a cama de casal que veio do apartamento de solteiro dele.  Trocar o colchão eu até entendo, pelo que pode esbarrar numa questão de higiene, mas a cama?  A cama de casal é mesmo a campeã de audiência no quesito “vou limar todas as lembranças do seu passado” - como se as lembranças estivessem na cama, e não na cabeça dele. 

Até que ponto objetos carregam histórias? Não são poucas as pessoas que vão a determinados lugares e sentem uma energia diferente, ou sentem que já estiveram ali sem nunca ter estado. Há quem explique isso com as vidas passadas, eu já acho que é simplesmente a estória do lugar gritando por si só.

E quando visitamos um lugar em que estivemos pela última vez quando ainda criança? Encolheu, né? Não, não era absurdamente maior como a gente pensava, nós é que éramos pequenos. Nós é que trazíamos o olhar fantasioso de criança, que invariavelmente vê muito mais e maior do que a realidade. Ou indo ainda para outro extremo, quando visita-se o túmulo de alguém no cemitério, vem à cabeça as imagens e memórias da pessoa viva ou o por que diabos ela já foi parar ali embaixo?

Tudo está cheio de história e são muito poucos os objetos e lugares vazios. Objetos vazios são apenas os objetos perdidos, cuja história pode ser desconhecida mas não inexistente. Lugares vazios eu desconheço. Os lugares, mais do que objetos, irradiam ainda mais fortemente sua estória. Quem viveu ali, ou passou por ali, que sonho teve, que legado deixou. E de repente faz mais sentido aquelas famosas três coisas para se fazer em vida: ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore.

O filho vai dar continuidade à sua espécie, à sua vida (curiosamente ainda que pela vida de outra pessoa). O livro é o que vai ficar de mais concreto de sua essência, perpetuando sua forma de pensar. E a árvore é a sustentabilidade de tudo isso, para muitos o “politicamente correto” que vem lá de trás, quando não precisávamos ser politicamente corretos, quando apenas bom senso bastava.


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