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terça-feira, 24 de setembro de 2013

A campeã de citações nas redes sociais





Escolher as Pílulas Literárias do blog não tem sido fácil.  Não só pela indecisão crônica que habita em mim, mas pela infinidade de grandes autores neste mundo. À parte isso, para ser coerente com a idéia da "pílula" (pequena dose) devo ser concisa, tarefa difícil quando se fala do que gosta. Mas tentemos.

Hoje escolhi Clarice Lispector (1920-1977), a campeã de citações exageradas nas redes sociais. Quando comecei a ler frases suas fora de contexto, ou de autoria duvidosa, pensei que sua literatura estivesse finalmente caindo no gosto do grande público, no banal, no lugar comum, justamente o lugar comum sob o qual ela mostrava seus mais abstratos pensamentos.

Tenho uma vaga lembrança de Clarice na escola, porque sua literatura definitivamente não é coisa para criança ou adolescente (tal e qual os olhos oblíquos de Capitu. E é por isso que tantos jovens deixam a escola odiando literatura, inadequação). Conheci sua obra na faculdade, através de um pequeno conto chamado "Amor", de Laços de Família.  No conto, uma dona de casa com marido, filhos e uma vida perfeita pega um bonde e no trajeto ela vê um cego mascando chiclete.  Um cego mascando chiclete.  Uma cena banal que a perturba e desencadeia um monstro dentro dela, que a faz questionar o quanto sua vida não era tão moralmente perfeita e sadia assim. A culpa, explícita ou implicitamente, é um elemento sempre presente na escrita da autora.

Clarice é para poucos.  Não é e nunca será popular.  Mas é aquela autora que te sacode com três linhas.  Essencial.  E "Amor" é um texto curto que mostra com primor a essência da literatura Clariciana.

"Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito."


O conto completo está aqui: http://www.releituras.com/clispector_amor.asp


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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Das redes sociais

Há algum tempo ando tentada a escrever sobre o comportamento das pessoas nas redes sociais.    Não só pela logística da ferramenta me fascinar, mas por constatar que a rede de contatos diz muito sobre quem somos.  Os amigos são o resultado mais concreto de por onde você andou, como viveu e provavelmente vão influenciar diretamente a sua forma de pensar.

Na minha lista de amigos, por exemplo, 10% atuam na área biológica (médicos, enfermeiros, veterinários, fisioterapeutas). 13% atuam no que chamei de “áreas diversas” (fotógrafos, comerciantes, músicos, pilotos, esportistas). 18% atuam em humanas (advogados, jornalistas, publicitários, psicólogos, educadores). 26% são estudantes, do lar ou malucos que conhecemos por aí e podem estar fazendo qualquer coisa neste momento. 33% eu classifiquei como pertencentes ao mundo corporativo (engenheiros, profissionais de TI, marketing e administração).  Fora a porção de estudantes e malucos que não se encaixam em nenhuma categoria, os dois maiores percentuais se assemelham à minha formação: 18% tiveram a mesma base acadêmica e 33% convivem no mesmo ambiente profissional.  Embora as redes sociais não devam em absoluto ser fonte de informação, não podemos menosprezar (visto os últimos acontecimentos no país) seu poder de influência e mobilização. Assim que, a grosso modo, é o meio desse percentual maior de amigos que vai determinar os pontos de vistas de maior interesse para a sua realidade, influenciando diretamente a sua forma de pensar.

Outra coisa que chama minha atenção é a questão dos amigos em comum.  Você tem 80 amigos em comum com uma pessoa que estudou contigo no jardim de infância e você não vê há 25 anos, e apenas 20 amigos em comum com aquela parceira da faculdade com quem você viveu colada nos últimos 10 anos e sabe tudo da sua vida. O que me sugere que embora símbolo de modernidade, a rede social veio também para resgatar o passado.  Ao olhar parte da lista de amigos a sensação é de abrir o livro do ano da escola – Yearbook (daí o conceito do nome Face book), ou abrasileirando, ver a nossa foto de turma.  E sem sair de casa, sem marcar um encontro, interagindo sem interação, você tem a chance de ver aquelas pessoas hoje.  Não só ver, saber.  Saber como estão, se o tempo foi cruel ou bondoso com elas.  Com quem se relacionam, como é sua ligação com a família, seus hábitos, em que trabalham, que lugares frequentam.  Em alguns casos podemos saber bem mais do que isso: o que comem, quando se exercitam, para onde viajam, com quem saem, sua filosofia, se a sua vida é um mar de felicidade ou de revolta.

As tribos na rede social são fácilmente identificáveis. Há os que só comentam política. Os que só falam do trabalho. Os que respiram futebol. Os que vivem exclusivamente para os filhos. Os que estão ali só para se divertir com superficialidades. Os que acham que não estão se expondo postando e curtindo mensagens subliminares (ou não) de filosofia de vida. Os que fazem de tudo um pouco. Os que dizem tudo e quase sempre não dizem nada com grandes frases de efeito. Os que se vangloriam de sua liberdade, de sua atribulada agenda, de sua independência emocional, mas tristemente não se desligam nem nos fins de semana, ou na presença real de amigos e família, vivendo conectados permanentemente em um relacionamento sério com o computador ou celular. Poucos são os que postam mensagens do que estão pensando, quando a pergunta é justamente essa: “No que você está pensando?”. É incapaz de puxar papo com uma pessoa que lhe interesse para não parecer interessado, mas curte todas as vírgulas que ela posta. Postar 3000 fotos de si mesmo, dos lugares onde está ou do que está comendo não é exposição, mas de uma idéia que lhe passou pela cabeça, é. 

Também vejo a imagem da felicidade soberana e absoluta na rede. Compreensível.  Se no mundo real não expomos nossas fraquezas e não queremos despertar pena ou consternação, por que expô-las em uma rede virtual?  Então esbarramos em outra questão: o que expor?  Seu trabalho? Sua arte? Seu gosto musical? Suas conquistas? Seus filhos? Seu relacionamento? Sua carência de relacionamento? Sua visão política? Sua filosofia de vida? Sua satisfação ou insatisfação com o que quer que seja? Sua beleza em frente ao espelho? E para cada uma dessas perguntas você conhece pelo menos uma meia dúzia de amigos que responderia “sim”. E você muitas vezes critica quem expõe tudo isso, mas também se expõe.  Porque em algum nível sempre há exposição, a menos que você seja um voyeur.  E não poste nada, nunca. De forma alguma imponho aqui tom de crítica, o que definitivamente não é. Aceito e principalmente me divirto, com todas as cabeças pensantes (umas mais, outras menos) que habitam o meu mundo virtual. Até porque só criaram o botão “curtir”, não o “julgar”.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ferramenta voyeur



Voyeur: palavra francesa para designar pessoa que assiste, para sua satisfação, às manifestações (de sexualidade) de outrem”.

Embora o Facebook não tenha a pegada sexual do ato voyeur, se aproxima bastante do conceito, como a melhor e mais potente ferramenta da atualidade para xeretar a vida alheia, incluindo amigos e os desconhecidos mais inocentes que não protegem seus perfis de estranhos.

Grande parte dos meus amigos passam horas conectados ao site.  Não exclusivamente dedicado a ele, às vezes no escritório trabalhando, às vezes em casa assistindo tv, mas com o programa lá, aberto e status online bem redondo e verdinho.

É uma companhia. Você deixa de estar em casa sozinho para estar em casa com outros 32 amigos online, provavelmente fazendo nada junto com você. Sem contar aqueles que estão online mas querem parecer offline - como que se aquela barrinha lateral direita não dedurasse seus movimentos na rede... Para parecer offline deve-se agir como voyeur: não comente, não curta (ok, mentalmente pode curtir sim!), apenas observe.

Uma coisa curiosa é que as pessoas com quem mais temos amigos em comum não são nossos atuais amigos próximos, mas os amigos de infância. Aquele que não vemos há anos, que quando passa na rua muitas vezes finge que não te vê, mas que na rede é seu irmão-brother-parceirão de todas as horas. Tenho uma dúzia de amigos comuns com a minha melhor amiga real, mas com aquele menino que apenas estudou no mesmo colégio que eu na infância, e que não é absolutamente um amigo meu, tenho oitenta amigos em comum. Quem explica?

O fato é que as pessoas parecem sentir cada vez menos falta de contato físico. E boa parte não se importa com o passeio que fez, por exemplo, mas se importa se a foto no passeio ficou boa, para mostrar onde foi, com quem e o que esteve fazendo. Vida real? Encontro? Nada disso parece ter muita importância se você saiu bem na foto e sua felicidade está lindamente exposta para os outros... De onde vem essa fome voyeur e paradoxalmente exibicionista que temos? Da facilidade de encontrar respostas e tirar conclusões do que vemos na rede? Possivelmente, ainda que tantas vezes estas conclusões sejam equivocadas.


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