sexta-feira, 1 de março de 2024

Da melhoria das gerações e a politização do Enem

Hoje foi o segundo dia da prova do Enem.  Como conheço jovens que estão fazendo a prova, venho acompanhando a maratona e o bafafá que foi no domingo passado quando várias partes da prova foram criticadas pelo possível teor político-identitário, ou simplemente tendencioso e extremamente interpretativo que traziam.  De erros grosseiros de ortografia ao tema da redação, passando por suposta crítica ao agronegrócio, foi um prato cheio para tumultuarem o que já não é simples para os únicos que de fato são impactados pelo exame: os jovens.  Felizmente não cancelaram a prova, como chegou a ser aventado, mas fiz questão de entender o ponto de vista deles, os “Enemers” - como eles se auto-identificam com aquela alegria e leveza tão peculiar.  

Conversei com um Enemer equilibrado. Que estudou, mas não bitolou. Que se dedicou a vida toda, e não só não último ano, e que exatemente por isso se deu ao luxo, neste último ano, de levar uma vida normal. Estudou, fez exercícios, foi à praia, se alimentou bem, dormiu bem, namorou e passeou. Tudo de forma equibilibrada, o que na minha modesta opinião é a estratégia correta não só para o Enem, mas para a vida.  Mas vamos ao tema principal da conversa: a redação.  Como eu gosto de escrever e tirei 10 na redação nos dois vestibulares que fiz há mil anos atrás (cujo tema foi “lazer”, levando muitos a zerar a prova ao dissertar sobre raios lasers...), eu tinha tudo para orientar e instruir em como fazer uma boa redação. Mas me recolhi à minha insignificância e possivel desatualização, e sugeri um curso atual de redação, focado no que as bancas examinadoras exigiam hoje.  

Como a redação pode ser feita em um rascunho primeiro, terminada a prova eu pude ler a redação entregue praticamente na íntegra. O tema era: O trabalho invisível de cuidado das mulheres. Importante? Sem dúvida. Adequado? Não sei. Ouvi de muitos que não era adequado pois os jovens teriam que falar de um assunto que só se aprende com experiência e uma vivência que eles não tinham. Discordei. Acho-os perfeitamente capazes de discorrer sobre qualquer assunto que tenham algum nível de compreensão.  Opiniões de lado, a redação que eu lia me parecia a continuidade perfeita do enunciado do tema.  Misandria, misogenia e até Marx eram citados, reforçando a importância e necessidade de atenção do governo para a questão.  Fiquei surpresa com a profundidade da análise dele e a riqueza de vocabulário, mas mais ainda com a ideia que estava sendo proposta ali, tão sútil quanto as questões “neutras” da prova.  

Elogiei a redação e perguntei: mas você pensa assim? E ele, muito calmo, me disse: eu escrevi para a banca, fiz uma redação técnica. O que eu penso eu posso dizer depois. E eu fiquei pensando a semana inteira nisso. Como pode na minha época o tema ser lazer, ou a morte do superhomen (tema do ano seguinte ao meu), e um bando de lunáticos tirar zero por não saber ortografia, e hoje jovens dissertarem, e bem, sobre questões realmente relevantes para a sociedade, com propriedade, ideias e argumentos claros, coesos? Como podem, com tão pouca idade, já terem plena consciência sobre sustentabilidade, igualdade de direitos, deveres, gênero e raça? Se isso não é evolução da humanidade, eu não sei o que é.

xxx


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