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domingo, 24 de março de 2024

Ideologias em 2024


 “As ideologias têm fronteiras que separam, mas também comunicam e influenciam. Essas fronteiras estão soterradas pela ausência de diálogo – apenas nas redes sociais, pois os políticos dos quais os internautas são fãs estão lá fazendo acordos e conversando”

Poderia ter gostado deste livro apenas por ser um passeio didático, claro e pragmático pelas três principais ideologias que sustentam nossas discussões atuais (o Liberalismo, o Conservadorismo e o Socialismo), mas as reflexões autorais entre uma coisa e outra são ainda melhores. 

Para alguém como eu, que sempre pregou pelo cinza entre o preto e o branco, foi uma grata surpresa a analogia perfeita das ideologias às cores.  Temos uma diversidade  enorme de cores que conforme a variação do tom vão se aproximando de outras cores, que combinadas formam novas cores. Combinando nuances teríamos uma paleta de cores cada vez maior e diversa, só que não vivemos em tempos de nuances. Ou é preto ou é branco. “O que mais tem por aí é simplificação ou rotulação. Não importa o que a pessoa diz que pensa e sim a distorção do interlocutor, como ele ouve o que ela diz. Parte disso é jogo sujo, mas parte é recusa a tudo que é complexo, porque compreender cansa”.

Ideologias - Gabriela Prioli - Grupo Companhia das Letras

Mais no instagram: @metropoledostrinta

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sexta-feira, 1 de março de 2024

Uma febre chamada vida

Aos mestres, Edgar Allan Poe e Federico Fellini. 

O belíssimo título desta crônica é fragmento de um poema de Edgar Allan Poe, cuja tradução exata diz: “...e essa febre chamada vida, se conquistou”. 

Quando ouvi a frase hoje de manhã (que me encantou, e me disse tanto, e me deu estalos, e me inspirou - coisas que só a literatura consegue fazer por você em sete palavras) atribuída a ele, Poe, a primeira sensação que tive foi de estranhamento, por remeter a tudo que a obra de Edgar Allan Poe não é: solar, vital, positivo, concreta, realista.

A íntegra do poema, chamado Para Annie, fez mais sentido. Interpretei como um poema de amor, onde ele fala da redenção da vida para finalmente ir ao encontro de Annie, seu amor. Fez mais sentido ainda ao conhecer a estória pessoal de Poe, que perdeu a esposa precocemente, de tuberculose: mulheres jovens e moribundas passaram a ser temática recorrente em suas obras. 

A fixação de Edgar Allan Poe pelo macabro, pelo sombrio, pelo realismo fantástico sempre me encantou, mas eu nunca havia parado para pensar de onde vinha a inspiração para os adoráveis absurdos. E vejam só, é autobiográfico. 

Sempre achei difícil escrever, ou produzir qualquer tipo de arte, sobre o que desconhecemos completamente, sobre o que não sentimos, vivemos ou observamos. Alguma referência, ainda que inconsciente, a mente sempre vai buscar dentro de nós. E vai na nossa essência. E chamamos graciosamente de inspiração, acreditando na fortuitidade, no acaso. Agora imaginem o embate com outro instinto presente (agora em nosso consciente): o da preservação da própria intimidade. 

Quando se produz arte, qualquer uma das sete contidas no Manifesto das Sete Artes (Arquitetura, Escultura, Pintura, Música, Poesia, Dança e Cinema), o autor se expõe. Suas crenças, seus preconceitos, seu propósito de vida, tudo está sujeito à interpretação do leitor. É quase como ficar pelado em praça pública. A nossa sorte é que no mundo digital a maioria das pessoas tem preguiça de ler, o que faz com que a exposição seja direcionada, naturalmente e muito provavelmente, para quem olha na mesma direção que você. Que sorte a nossa!

Termino com algumas sugestões para quem quer conhecer Edgar Alan Poe e a classificação das Sete Artes, além da citação de um mestre da sétima arte, Federico Fellini: “Toda a arte é autobiográfica, a pérola é a autobiografia da ostra”.

O Gato Preto - Edgar Allan Poe | Conto Completo | Fantástica Cultural (fantasticacultural.com.br)

Quais são as 7 artes? - Academia Brasileira de Arte –

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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O Menino e o Helicóptero






O menino puxa a cordinha e vai o helicóptero pelos ares.
Em seu sorriso as janelas se abrem para o céu.
Em seu coração uma aura de pureza.
Voa helicóptero, voa.

Como é doce a vida!
Quero correr,
Quero voar,
Quero viver.

Como é o mundo?
Voa helicóptero e descobre.
Vai sem medo.
Sem medo de cair.
Viu como foi longe, tio?

Longe... Muito longe.

Paulo Luz



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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A diferença entre Conto, Crônica e ganhar 1 milhão de dólares



Você sabe a diferença entre Conto e Crônica? 

O Conto é uma narrativa em prosa breve, uma pequena estória com começo, meio e fim. Costuma ter um único elemento predominando na estória toda: um cenário, um tempo, um sentimento. Possui poucos e bem detalhados personagens, que atuam em situações breves e bem demarcadas. Os diálogos são curtos e objetivos, com pouca narração. É mais complexo do que a crônica, mas não tem nenhum tipo de limitação de linguagem, o que é exigido ao escrever para jornais, por exemplo. A abertura é curta e esclarecedora, o fluxo das informações dadas é contínuo e normalmente tem apelo dramático. Na introdução já é apresentado o conflito principal da estória, quase o clímax, o que em outros gêneros narrativos vem no final, que é sempre imprevisto e surpreendente. 

A Crônica é uma criação brasileira! Sim, é um gênero de caráter exclusivamente nacional: “No momento em que a imprensa brasileira se afirmou, os folhetins da França nela se aclimataram, floreceram e encontraram uma feição de tal maneira própria, que fez muitos críticos contemporâneos afirmarem que a crônica é um fenômeno literário brasileiro” – Bender e Laurito, 1999. A crônica é uma estória curta com fundo de humor e ironia sobre fatos triviais, insignificantes. É produzida para a imprensa e por isso é regida por suas regras e limitações, utilizando um espaço sempre igual, que facilita a identificação entre escritor e leitor. (Helloooo!!! : )

Onde está o 1 milhão de dólares?  No bolso da mestre contemporânea dos contos Alice Munro, canadense de 82 anos que acabou de ganhar o Nobel de literatura deste ano! “Uma documentarista profunda, mas compreensiva, do espírito humano”. Com 4 obras já editadas no Brasil, vale o nome na lista de próximas leituras!


Alice Munro


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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Não precisa muito para gostar de Veríssimo

Não precisa muito para gostar de Veríssimo. De nenhum deles. O Érico porque foi um dos escritores mais populares do século XX, autor de “O Tempo e o Vento”, “Incidente em Antares” e de Luis Fernando Veríssimo (particularmente sua obra que mais gostei).  Além do inconteste talento literário, ter colocado um escritor como Luis Fernando Veríssimo na literatura brasileira já merece a nossa simpatia. 

Luis Fernando Veríssimo para quem não conhece é o autor das crônicas que inspiraram “A Comédia da Vida Privada”, série de tv de sucesso e best seller por meses nas livrarias - dentre tantas outras obras igualmente ou mais relevantes.  Cito estas crônicas porque são as que mais se aproximam da literatura de prosa simples, que normalmente agrada até o mais impaciente leitor. Luis Fernando escreve fácil, sem rococó.  E escreve com humor e sobre o cotidiano (normalmente da classe média brasileira), uma combinação infalível.  Tem a densidade certa que a leveza do dia a dia pede.  E boas observações.  

Sua última observação que me chamou atenção foi no artigo “Compensações”, escrito para o jornal O Globo, em 01/08/2013 (http://oglobo.globo.com/opiniao/compensacoes-9306794).  Mais precisamente um parênteses sobre Homero, o épico poeta grego, ao comentar o quadro “Guernica”, de Picasso:

"Quando Homero disse (se é que disse mesmo, nada que se sabe de Homero é cem por cento certo, nem a sua existência)..." 

É realmente curioso que um dos maiores poetas gregos da Antiguidade, e suas obras, sejam de fato suposições. E para quem leu todo o artigo, atribuir a coautoria do quadro 'Guernica', de Picasso (que mostra a devastação da cidade pelos alemães na Guerra Civil espanhola), aos Alemães é de uma genialidade impar. Adoro os parênteses do Veríssimo. Adoro Veríssimo.

 'Guernica'


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terça-feira, 24 de setembro de 2013

A campeã de citações nas redes sociais





Escolher as Pílulas Literárias do blog não tem sido fácil.  Não só pela indecisão crônica que habita em mim, mas pela infinidade de grandes autores neste mundo. À parte isso, para ser coerente com a idéia da "pílula" (pequena dose) devo ser concisa, tarefa difícil quando se fala do que gosta. Mas tentemos.

Hoje escolhi Clarice Lispector (1920-1977), a campeã de citações exageradas nas redes sociais. Quando comecei a ler frases suas fora de contexto, ou de autoria duvidosa, pensei que sua literatura estivesse finalmente caindo no gosto do grande público, no banal, no lugar comum, justamente o lugar comum sob o qual ela mostrava seus mais abstratos pensamentos.

Tenho uma vaga lembrança de Clarice na escola, porque sua literatura definitivamente não é coisa para criança ou adolescente (tal e qual os olhos oblíquos de Capitu. E é por isso que tantos jovens deixam a escola odiando literatura, inadequação). Conheci sua obra na faculdade, através de um pequeno conto chamado "Amor", de Laços de Família.  No conto, uma dona de casa com marido, filhos e uma vida perfeita pega um bonde e no trajeto ela vê um cego mascando chiclete.  Um cego mascando chiclete.  Uma cena banal que a perturba e desencadeia um monstro dentro dela, que a faz questionar o quanto sua vida não era tão moralmente perfeita e sadia assim. A culpa, explícita ou implicitamente, é um elemento sempre presente na escrita da autora.

Clarice é para poucos.  Não é e nunca será popular.  Mas é aquela autora que te sacode com três linhas.  Essencial.  E "Amor" é um texto curto que mostra com primor a essência da literatura Clariciana.

"Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito."


O conto completo está aqui: http://www.releituras.com/clispector_amor.asp


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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Freud explica

Eu sei, eu sei, o médico austríaco Sigmund Freud tem muito mais visibilidade como psicanalista do que como literata.  Mas não neguemos que as duas condições estão intimamente ligadas.  Com todo o respeito (e pouco conhecimento) que tenho pela psicanálise, e pelo senhor seu pai aqui tema deste post, foram algumas de suas frases soltas e dissociadas dos complexos conceitos hipnóticos-sexuais-sonhadores que mais me cativaram. Vamos a elas.


"Nunca tenha certeza de nada, porque a sabedoria começa com a dúvida."

"O pensamento é o ensaio da ação."

"O sucesso substitui todos os argumentos."

"O novo sempre despertou perplexidade e resistência."

"O intelecto nunca descansa até conseguir audiência."

E a mais linda delas...

"Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio."



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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pílulas Literárias

Mark Twain
Hoje quero inaugurar uma nova sessão no blog, pois o vento da mudança continua soprando!  São as "Pílulas Literárias".

Trata-se de pequenas e indolores doses de literatura, que de forma breve e sucinta trazem rápidos pensamentos (cujos pensadores provavelmente levaram muito tempo pensando).  O formato curtinho é para que a leitura não se torne cansativa aos olhos de leitores mais ansiosos ou imediatistas. (Sempre tive a impressão de que pessoas imediatistas não têm tempo para a literatura. Não por não gostarem, mas por não terem paciência de aguardar o decorrer da estória linha após linha, e assim apreciar a arte dirigida pelo escritor mas produzida por sua própria imaginação. Diferente da tv e do cinema, onde o produto vem pronto, bastando você assistir o que alguém já imaginou por você).

Voltando às Pílulas, elas serão pequenas frases ou trechos de escritores célebres (ou nem tão célebres assim, ser bom neste caso me parece suficiente). Além do propósito da mensagem, vejo mais duas vantagens nas Pílulas: primeiro que é uma forma fácil de nós, ansiosos (sim, eu leio; mas sim, também sou ansiosa e muitas vezes tenho preguiça de ler) estarmos ligados a idéias interessantes; e segundo que é uma maneira de atualizar este espaço com mais frequência e com a arte que mais aprecio: a de contar estórias.  Seja pelos livros, pelo teatro, pelo cinema, pela tv, pelos quadrinhos, pelo facebook...

Para inaugurar a sessão pensei em uma frase que tem a ver com literatura, com clássicos literários mais precisamente, e é de Mark Twain, consagrado escritor e humorista considerado o pai da literatura norte-americana (1835-1910).  Twain definiu o clássico literário como

"Aquilo que todos gostariam de ter lido, mas ninguém quer ler".

Espero que queiram, ainda que por pequenas pílulas. Bom dia!



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segunda-feira, 20 de maio de 2013

Crônica sobre crônica





Um texto que gostei muito, extraído da coluna de Joaquim Ferreira dos Santos, em 2005.

Arembepe

"(...) Escrever crônica é atividade como outra qualquer, como se pode ver no receituário específico disponível no manual de redação. Não tem mistério. Faça a sua. Primeiro refoga-se um assunto em azeite de filosofia balsâmica. Se ele não crescer, tente outro, e depois outro e quantos outros forem necessários. É a alma do negócio, o coração da alcachofra. Na panela que leva ao cerebelo direito, você deixa os verbos cozinhando em banho-maria. Na outra, a que conecta com os fios do coração, reviram-se vírgulas e salsinhas com uma colher de nervos de aço inoxidável. Salpique de adjuntos adverbiais, pimenta branca, craseie sem medo, amasse com faca os vícios de linguagem, retire mesóclises, preposições adversativas e aposte tudo no perfume do tomilho em pó. Leve ao fogo alto, essa meia dúzia de bocas azuladas por debaixo da sua caixa cefálica, e espere. Não tem tempo exato de cozimento. Pode durar horas. Vareia. Nada de pânico se a crosta da massa não ganhar consistência. Acontece. Às vezes não vem. Nessas horas, lembre-se de Drummond e peça dois dentes de alho emprestados. Deixe dourar.

É da vida de quem cozinha crônica. Tem dias que o bolo sola, noutros, a mão boa, ele cresce bonito. Vai entender! Não pare de mexer que é pra não embolar o estilo. Um dedo de manteiga sem colesterol nos adjetivos. Esprema bem a testa contra a sobrancelha. Dói. Lembra daquela expressão “queimar as pestanas”, que os antigos usavam no sentido de pensar? Pois, então. Dói. Arde. Muito. Quando o primeiro filete de sangue escorre lento e quente pela ruga do frontal esquerdo é sinal de que a coisa está próxima do ponto de ebulição. Cuidado com os advérbios de modo e o queijo parmesão. Mexa com imaginação, sal ao gosto e comece a escrever."

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Meu livro no Clube dos Autores!



Gente! Meu livro já está disponível para venda (impresso e e-book) no Clube dos Autores!
É fácil, rápido e barato! : ))

Compre aqui o livro 'Malu & Edgar'

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O sítio arqueológico de Palenque


Mais um trechinho do livro novo!

(...) Uma hora após o jantar um dos irmãos de Consuelo acendeu a fogueira, e toda a família se reuniu em volta dela. Ninguém sentava muito próximo às chamas, Palenque era uma região absurdamente quente e a única finalidade da fogueira era iluminar aquele lugar onde a eletricidade nunca chegou. O último a se juntar a nós foi o homem que parecia ser o mais velho do grupo, embora nem um fio de cabelo branco tivesse. Era a pele enrrugada, o aspecto cansado, a lentidão em se locomover que revelavam sua idade. Quando o senhor se sentou Consuelo dirigiu-se a ele, falando algumas poucas palavras ao seu ouvido. Ele olhou pra mim e voltou a escutar Consuelo.

- O que você disse a ele? – perguntei a ela quando voltou a seu lugar, ao meu lado.

- Que a senhora quer conhecer o Popol Vuh, o livro sagrado dos Maias – disse ela diretamente.

E assim, com a tradução simultânea baixinha de Consuelo, descobri que o Popol Vuh era a bíblia Maia, o mais antigo documento escrito da América e única fonte de informação sobre a mitologia Maia. Era o livro através do qual os Maias descobriam sobre sua própria origem e os fenômenos da natureza. Também chamado de Livro da Comunidade, o Popol Vuh contava a estória dos Deuses Gêmeos Hunahpú e Ixbalanqué.

- Um dos que Pacal assumiu a identidade para chegar a imortalidade? – interrompi curiosa.

- Este mesmo – continuou Consuelo.

Os Deuses Gêmeos haviam nascido do encontro entre Hun-Hunahpú e a donzela Ixquic nas cavernas de Xibalbá, o inferno na religião Maia.

- Eles se conheceram no inferno? O que faziam lá? – interrompi novamente.

Consuelo ignorou a pergunta e prosseguiu. Ixquic havia engravidado pela saliva da Árvore de Jícara, onde estava a caveira de Hun-Hunahpú, e logo subiu ao mundo exterior fugindo dos senhores de Xibalbá.

- Agradeço se pudermos não passar perto desta árvore...

Sorrindo, Consuelo continuou: Ixquic foi aceita por Ixmukané, que já criava os dois filhos mais velhos de Hun-Hunahpú, antes de eles serem transformados em macacos pelos irmãos menores.

- Espera. Quem transformou quem em macaco?

Os filhos mais novos de Hun-Hunahpú transformaram os filhos mais velhos, seus irmãos, em macacos.

- Por que, meu Deus?! Como eles faziam isso?

São Deuses senhora, Deuses podem tudo. E a transformação foi feita porque os mais velhos pertubavam o sossego dos mais novos, Hunahpú e Ixbalanqué.

- Paciência não é muito o forte dos Maias, não é, Consuelo? Nem hierarquia...

Hunahpú e Ixbalanqué encontraram o campo de jogo de bola Maia que havia sido construído por seu pai, e ao jogar enfureceram os Senhores de Xibalbá, pelo que foram chamados a visitar o Inframundo, onde passaram por ínúmeras provas e venceram os Ajawab, os todo poderosos de Xibalbá. Assim, Hunahpú se converteu no Sol e Ixbalanqué se converteu na Lua!

E daquela forma lúdica a mitologia Maia explicava a criação do Sol e da Lua. Eram mitos tão ricos e cheios de curiosidades que eu escutaria aquelas estórias a noite inteira. Mas eu já estava tão integrada à cultura deles que Xibalbá não me saía da cabeça. Como podia permanecer ali sentada se o cenário daquelas estórias estavam, segundo Consuelo, a alguns metros dali? Por mais estranho que isso soasse, eu queria conhecer o inferno. (...)


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terça-feira, 26 de julho de 2011

Verdade ou mentira

Muitas vezes me perguntam se o que escrevo é auto-biográfico. A resposta é não. Mas é impossível escrever sobre algo que não conhecemos. Todo texto é um pouco biográfico. Pode não ser sobre a vida do autor, mas é necessariamente sobre a vida de alguém, é necessariamente sobre algo. As idéias sempre vêm de algum lugar.

A inquietude das obras de Clarice Lispector reflete a personalidade densa e aflita de uma pessoa que, segundo os que a conheceram pessoalmente, era reservada e discreta.

O que dizer de Machado de Assis, cuja genialidade passeava serelepe entre Romantismo e Realismo, polemizando rótulos quanto à classificação de sua obra? Ele criticava mesmo o determinismo, e nunca se esforçou para esclarecer personagens ou situações contadas.

Eça de Queiroz. A primeira lembrança que me vem à cabeça de Eça de Queiroz foi a impressão de um colega de faculdade sobre seus textos: Ele passa cinco páginas descrevendo uma sala! Verdade. E o talento era tanto para este fim que mesmo os mais objetivos seres se deixaram seduzir por tais descrições.

Em Literatura nem sempre os fatos importam. Se é verdade ou não, muito menos. Importa a maneira em que a estória é contada. Se é real ou não, de onde vem, cabe a você imaginar.



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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tequila e pimenta

Mais um trechinho do livro!

(...)
"A princípio a comida mexicana parece excessivamente temperada e gordurosa, mas sua variedade de texturas, cores e sabores simplesmente seduzem. Os pratos principais do dia a dia dos Tabasquenhos, e possivelmente da maioria dos mexicanos em outras partes do país, são baseados em milho, tortilha e feijão. O feijão pode ser servido em quase todas as refeições, como sopa de entrada ou refrito, esse último se assemelhando ao nosso tutú. Eles também preparam o arroz branquinho, mas cozido apenas em água e nunca combinado com o caldo do feijão. Um dos meus pratos favoritos de café da manhã, em hotéis ou em festividades mexicanas, era o Tamal coberto com molhinho de tomate acompanhado dos frijoles refritos com um queso quebrado por cima e bananas fritas ao lado. O Tamal é parecido com a pamonha brasileira, só que preparada com sal e recheio de carne de porco desfiada. Vem envolto em uma folha verde escura semelhante à folha de bananeira. Sucos e frutas também são oferecidos de entrada pela manhã, mas o prato quente era invariavelmente o hit da refeição matinal. Também pela manhã ou acompanhando de una rica carne asada (o churrasco), eram servidas as quesadillas, que nada mais são do que um queijo quente feito com tortillas de trigo. As tortilhas são um capítulo à parte na vida mexicana. Equivale ao nosso pãozinho francês de cada dia, quando não faz as vezes do arroz. Os mexicanos “da gema” preferem as tortilhas de milho para os tacos e as de farinha de trigo para as quesadilhas. A variedade de tacos e chiles também me conquistou. Eu que não comia carne de porco antes de chegar ao México jamais consegui resistir aos Tacos de Cochinita: tortilhas de milho que envolvem carne de porco desfiada em suculento molho vermelho. Depois vieram os tacos de pulpo (polvo) e os de salpicón (cujo recheio é frio à base de carne de vaca desfiada, cebola, alho, suco de limão, coentro e pimenta). Por seu perfume e sabor o coentro é um dos ingredientes favoritos das donas de casa. Pimentas e pimentões são outro capítulo importante da comida mexicana, senão o principal. Considerados por muitos herança indígena, os famosos chillis são parte indissociável da vida dos mexicanos. Em minha primeira visita ao Wallmart local percorri espantada um corredor inteiro repleto de chiles: Jalapeños, Serranos, de Arbol; em molho, natural ou em conserva, uma diversidade sem fim. Deleite para visão e paladar.

Sabores inusitados vez ou outra apareciam também. Uma vez, um casal de amigos mexicanos nos convidou para ir ao que eu entendi que seria um churrasco de família. Foi num rancho bem afastado da cidade, com muita música, comida e bebida – como qualquer festa mexicana que se preze. A mesa com as comidas me pareceu diferente, mas ainda achava que comeríamos carne de boi. Conversa vai, conversa vem, e finalmente fui avisada de quera tudo de porco. Inclusive uma porção que me servi pensando ser feijão, que era sangue de porco preparado. Por sorte - e delicadeza - meu vizinho me avisou antes de que eu provasse. Marlene e Francisco foram grandes vizinhos e amigos. Na madrugada em que a cidade inundou, em 2007, foram eles que nos tiraram da cama às três da manhã avisando que havia ordem de evacuação no bairro. E eles não só nos avisaram como nos deram abrigo. Conseguiram que ficássemos na casa de amigos deles, em uma área alta da cidade, até a situação se resolver. Desde que nos conhecemos, por acaso no condomínio onde morávamos, eles nos convidavam para suas principais festas pessoais e familiares. O mexicano é um povo muito família e temente a Deus. Se não me engano, setenta por cento do país é católico. São vervorosos e intensos, em tudo que fazem.

Encontrando com as mães da escola toda semana acabei entrando pro grupo delas. Um grupo criado para resolver questões da escola e que acabou ficando amigo. Fazíamos regularmente cafés da manhã, porque era o turno de funcionamento de todas as escolas da cidade, e porque para o mexicano o café da manhã é uma refeição nobre. O grande programa do cidadão de Villahermosa no fim de semana, domingo geralmente, é ir tomar café da manhã em família nos grandes hotéis. Também é comum festas infantis acontecerem sábado de manhã, onde os buffets oferecem café da manhã com cara de brunch, servido em um salão de festa ou nas palapas das piscinas. Voltando as mães, uma delas uma vez muito esfuziante e simpática se vestiu de Princesa para o aniversário da filha, Claudia Renata. (A mãe era Claudia e a filha Claudia Renata. O hábito de colocar o mesmo nome da mãe na filha, como fazemos no Brasil com pais e filhos, foi outra coisa que no início eu estranhei). Estava a mãe da menina vestida de princesa de ‘A Pequena Sereia’ e as tias de Cinderela, Branca de Neve e Jasmine. Todas arrumadas com a classe das princesas Disney: cabelo e maquiagem impecáveis, fantasia sob medida. Animadores e personagens são comuns nas festas, mas nunca tinha visto tais papéis desempenhados pela família do aniversariante. Os mexicanos, assim como os venezuelanos, os panamenhos e a grande maioria dos latinos, é um povo muito festeiro e musical. Nas festas corporativas em que fui durante os quadros anos em que estive em Villahermosa tocava predominantemente Salsa. E eles dançavam borrachos y felices noche adentro. A famosa tequila com limão e sal é realmente imbatível. E inesquecível - principalmente no dia seguinte."  (...)

sábado, 31 de julho de 2010

Os Maias

Um trechinho do livro novo!

"(...) A única coisa boa desse passeio foi ter encontrado a Consuelo. Consuelo trabalhava na lanchonete do parque, mas por algum motivo naquele dia estava brincando com as crianças no teatro de fantoches. Começamos a conversar, ela comentou que tinha interesse em sair dali, eu comentei que tinha interesse em arrumar uma “muchacha” e algumas referências depois ela estava instalada em minha casa. Consuelo era Maia.

Os Maias habitaram as florestas tropicais do Norte da América Central no século IV a.C., região onde hoje é a Guatemala e Honduras, e o sul do México, onde hoje é a Península de Yucatán, formando uma região de grande riqueza cultural e diversidade étnica. Poucas pessoas sabem que para cada pirâmide egípcia foram construídas dez pirâmides Maias.

Consuelo tinha os traços típicos dos Maias. Era baixa, de pele escura amorenada e um nariz alongando que quase sobressaía entre os olhos. Não pude deixar de perguntar o porquê de ela ter me contado, ainda em nossa primeira conversa, sua origem. Porque nuestro pueblo aún vive. No somos índios - respondeu ela. Chamar alguém de índio no México é extremamente ofensivo. É como dizer que se trata de um bronco, de um animal. Consuelo queria apenas respeito, desde o princípio. Contou-me que ao contrário do que muitos pensam, os Maias não desapareceram por completo com a chegada dos colonizadores europeus ou com os frequentes combates internos entre os demais povos da terra, como foi a tomada da região pelos Toltecas, no séc. IX. Muitos Maias ainda viviam da mesma forma em que os encontraram os espanhóis, em 1697: em pequenas cabanas coberta de sapê, mantendo a tradição de seu velho modo de vida. Eles viviam em harmonia com a natureza e com a invasão por seus algozes perderam grande parte do que tinham de mais valioso: a identidade cultural. O dialeto Maia sobrevivera infimamente, como escutei casualmente meses depois em uma ida ao supermercado. Algumas das cidades mais elaboradas do continente haviam sido construídas pelos Maias, que em seu tempo inovaram em inúmeras áreas além da matemática, astronomia, arquitetura, a escrita e principalmente a ciência do México antigo. (...)


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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Menina que Roubava Livros

A bola da vez foi "A menina que roubava livros", livro do australiano Marcos Zusak. Um primor em originalidade, já que é uma estória contada pela morte, em pessoa. Apesar de ser ambientada na Alemanha, com o holocausto como pano de fundo, não é essencialmente uma estória sobre guerra e nazismo. Curiosamente, no decorrer do texto o suspense nem sempre é preservado, já que muitas vezes a morte adianta: "...mas esse vai morrer mais pra frente, assim e assado..." - o que em mim criava uma expectativa ainda maior! Há muito tempo eu não chorava ao chegar às últimas páginas de um livro. É um texto que emociona, faz pensar e, principalmente, nos faz sentir vivos.


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segunda-feira, 20 de julho de 2009

Novo Livro

Acabei de ler Comer, Rezar, Amar, best-seller de Elizabeth Gilbert. Pra quem não conhece, foi um fenômeno que teve mais de 4 milhões de cópias vendidas no mundo. Além de o livro ser excelente, me surpreendi com o estilo simples de narrativa da escritora. Modestamente, considerando minha ainda pouca experiência, senti muita familiariedade com sua forma de contar estória. Por isso retomei meu empoeirado projeto do segundo livro. Segue um trecho pra vocês:

(...) O embarque no aeroporto de Guarulhos, São Paulo, se deu entre olhos marejados e fala apertada. Ninguém queria admitir que estava triste com a viagem. Eu constatava como é possível estar feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz em morar fora do Brasil pela primeira vez na vida. Triste em me afastar do meu país e da minha família mais uma vez.

Eu nunca tive o privilégio de almoçar na casa dos avós no fim de semana, ou sair pra tomar sorvete com uma prima depois da escola. Essas atividades corriqueiras para tantas pessoas, para mim sempre foram uma raridade. Cresci em Friburgo, uma cidade pequena de serra há duas horas do Rio de Janeiro. Na maior parte do ano, minha família era meus pais, eu e meus irmãos. A família da minha mãe vivia em São Paulo, e a do meu pai, com quem tínhamos pouco contato, em Niterói. Encontrá-los era ocasião de uma ou duas vezes no ano, quase sempre no Natal e nas férias de Julho. O lado bom da distância é que visitá-los era sempre uma festa, aguardada ansiosamente, mês a mês, até a chegada da viagem. Íamos felizes no velho Corcel Dois dourado do meu pai, pela Dutra, num calor desgraçado. Eu e meus irmãos viajávamos livres, leves e soltos no banco de trás - naquele tempo não eram comuns as cadeirinhas de criança. Se a bagunça era muita e os pedidos de calma não atendidos, meu pai metia a mão por entre os bancos e beliscava a primeira perna que alcançasse. Era um tal de perna pra cima, risadas abafadas e choro do que fosse contemplado com o beliscão. Uma vez minha mãe meteu a cabeça pra fora do carro, para olhar não sei o que, e seu óculos de sol saiu voando. Ela ficou alguns minutos olhando o óculos quicar no asfalto quente, e só depois acordou. Olhou pra gente e começou a rir, a típica aquariana.

Depois disso, aos dezessete anos, fui morar sozinha no Rio para fazer faculdade. Eu dividia o apartamento com amigas e não havia nem um adulto responsável por perto. Nós havíamos nos tornado as adultas responsáveis (ao menos assim se supunha). Eu via minha família primeiro nos fins de semana, depois a cada quinze dias, logo uma vez por mês. Naturalmente minha vida foi se construíndo no Rio, e no último ano de faculdade chegava a passar meses sem subir a serra. Casei com Edgar, que também não tinha família no Rio. Quando ele foi transferido para São Paulo eu já estava grávida do Pedro. Fiquei feliz porque apesar de estarmos longe dos meus pais, estaríamos perto dos pais dele, dos meus avós e finalmente teríamos os singelos almoços de domingo na casa de parentes. Doce ilusão, nossa estada em São Paulo duraria exatos seis meses.



Eram dez horas da noite quando ouvimos a última chamada para o vôo 14 da Aeroméxico. Meus pais, avós, sogra, cunhados, todos foram se despedir. Muitas recomendações e cuidados com o primeiro netinho que sequer caminhava quando partiu. Pedro observava tranquilo o movimento, alheio ao seu destino. Nos olhos de cada um eu podia ver um pensamento diferente: Será que voltam? Será que ficam? Pedro não vai deixar ninguém dormir no avião. Mandem notícias. (...)

Depois tem mais. Um beijo!


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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Para onde foi o livro?


Algumas pessoas estão me perguntando o que são os capítulos relacionados abaixo... Tive que retirar o livro daqui, mas agora esta disponível inteirinho no Clube de Autores, cujo link esta aqui ao lado. Chega lá! 

É um leve e curto Romance, entitulado "Malu & Edgar". Na visualização deste blog os capítulos aparecem de trás pra frente, mas quem quiser ler um capítulo por dia, desde o primeiro, pode acessar pela barra de ferramentas aqui no lado direito da tela. Basta clicar em "Março" e correr até o fim da página, lá está o Capítulo 1.

A figura acima é a capa do livro, que o talentoso designer André Gyurkovits bolou com elementos presentes na estória:

O Corcovado, o calçadão de Copacabana, porque a estória se passa no Rio. O poste de rua e o casal dançando tango é referência a Buenos Aires. Os drinks caindo são Pisco Sour, bebida típica peruana oferecida pelo "cupido" do casal protagonista. O verde das montanhas representa a serra fluminense, onde tudo começou. Agora vocês me perguntam: O que essa galinha está fazendo com um anel no bico no alto da capa? Essa vocês terão que ler pra saber! ; )

Divirtam-se!


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quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Todos os sonhos do mundo

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

Que assim como Pessoa, em 2007 tenhamos todos os sonhos do mundo.

Feliz Ano Novo.

Jan/2007


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