Quando Raul Seixas escreveu a música, ou quando o filme foi gravado
em 1951, ou ainda quando o conto (Farewell
to the Master, inspiração do filme) foi escrito por Harry Bates em 1940,
nenhum dos autores imaginou que o mundo pararia em Março de 2020 por um vírus. Embora a letra da música de Raul e Claudio
Roberto encaixe com perfeição à realidade que o mundo vive hoje, dificilmente eles
anteciparam que seríamos parados por uma força não-intencional (diferente da
guerra, referência da música); ou aleatória (diferente da visita extraterrestre,
referência do conto). Bill Gates sim. Bill Gates antecipou há cinco anos atrás,
em uma palestra do TED Conferences, que nosso pior inimigo poderia ser um vírus.
E com sua mente brilhante questionou quão (des)preparada estava a humanidade
para lutar contra um inimigo que não vê.
Ironicamente nas últimas semanas vimos de tudo. De teorias
conspiratórias pregando a intenção da China em disseminar um vírus para dominar
o mundo aos esquerdinhas-caviar usando o bate-cabeça governamental generalizado
para reafirmar seu posicionamento político. O que mais me assombra (além da
estupidez humana exemplificada acima) é a velocidade com que o mundo parou e como o senso comum preponderou em uma situação como esta. A velocidade com que todos os jornais
passaram a ter uma única pauta, com que todas as publicações de redes sociais
passaram a ser sobre um mesmo tema, com que todo o mundo passou a falar uma
única língua, se perguntando: como vamos nos manter vivos?, é sem precedentes. Assim
como estar diante de uma ameaça que não distingue classe social, onde o dinheiro não faria diferença frente a hospitais colapsados, carros sem gasolina, mercados
sem comida.
De todas as formas que imaginei o Armageddon em nenhuma
delas vi a humanidade lutando como hoje. É claro que tem discórdia. É claro que
tem gente querendo tirar vantagem. É claro que tem gente surtando. Somos 8 bilhões
de cabecinhas pensantes. Ainda assim o senso comum prevalece na resposta à ameaça.
O mundo parou porque as pessoas ouviram a ciência, e a ciência disse que era
preciso lavar as mãos e ficar dentro de casa. Em meio às contraditórias discussões
sobre como deve ser o isolamento, o isolamento permanece. Embora ainda não façamos
ideia do fim desta história, visto que estamos em uma triste curva inicial
ascendente, uma nova rotina se faz. As pessoas deram seu jeito de trabalhar de
casa, de se exercitar na sala, de manter seus velhinhos no quarto. De distrair
as crianças, de arrumar, cozinhar e lavar sem a diarista. De brigar e fazer as
pazes com a família (porque se estar encarcerado com sua solidão é difícil, com
a voluntariedade de muitos também é). E devagar se começa a pensar na retomada
das atividades sem perdas ao plano de contenção de contágio, porque o mundo não
pode continuar parado. Diante disso vejo o copo meio cheio, lá na China, onde
a curva que desce trouxe a vida de volta. E me assombro de novo com a
capacidade de adaptação do ser humano.
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