sexta-feira, 5 de julho de 2013

Das redes sociais

Há algum tempo ando tentada a escrever sobre o comportamento das pessoas nas redes sociais.    Não só pela logística da ferramenta me fascinar, mas por constatar que a rede de contatos diz muito sobre quem somos.  Os amigos são o resultado mais concreto de por onde você andou, como viveu e provavelmente vão influenciar diretamente a sua forma de pensar.

Na minha lista de amigos, por exemplo, 10% atuam na área biológica (médicos, enfermeiros, veterinários, fisioterapeutas). 13% atuam no que chamei de “áreas diversas” (fotógrafos, comerciantes, músicos, pilotos, esportistas). 18% atuam em humanas (advogados, jornalistas, publicitários, psicólogos, educadores). 26% são estudantes, do lar ou malucos que conhecemos por aí e podem estar fazendo qualquer coisa neste momento. 33% eu classifiquei como pertencentes ao mundo corporativo (engenheiros, profissionais de TI, marketing e administração).  Fora a porção de estudantes e malucos que não se encaixam em nenhuma categoria, os dois maiores percentuais se assemelham à minha formação: 18% tiveram a mesma base acadêmica e 33% convivem no mesmo ambiente profissional.  Embora as redes sociais não devam em absoluto ser fonte de informação, não podemos menosprezar (visto os últimos acontecimentos no país) seu poder de influência e mobilização. Assim que, a grosso modo, é o meio desse percentual maior de amigos que vai determinar os pontos de vistas de maior interesse para a sua realidade, influenciando diretamente a sua forma de pensar.

Outra coisa que chama minha atenção é a questão dos amigos em comum.  Você tem 80 amigos em comum com uma pessoa que estudou contigo no jardim de infância e você não vê há 25 anos, e apenas 20 amigos em comum com aquela parceira da faculdade com quem você viveu colada nos últimos 10 anos e sabe tudo da sua vida. O que me sugere que embora símbolo de modernidade, a rede social veio também para resgatar o passado.  Ao olhar parte da lista de amigos a sensação é de abrir o livro do ano da escola – Yearbook (daí o conceito do nome Face book), ou abrasileirando, ver a nossa foto de turma.  E sem sair de casa, sem marcar um encontro, interagindo sem interação, você tem a chance de ver aquelas pessoas hoje.  Não só ver, saber.  Saber como estão, se o tempo foi cruel ou bondoso com elas.  Com quem se relacionam, como é sua ligação com a família, seus hábitos, em que trabalham, que lugares frequentam.  Em alguns casos podemos saber bem mais do que isso: o que comem, quando se exercitam, para onde viajam, com quem saem, sua filosofia, se a sua vida é um mar de felicidade ou de revolta.

As tribos na rede social são fácilmente identificáveis. Há os que só comentam política. Os que só falam do trabalho. Os que respiram futebol. Os que vivem exclusivamente para os filhos. Os que estão ali só para se divertir com superficialidades. Os que acham que não estão se expondo postando e curtindo mensagens subliminares (ou não) de filosofia de vida. Os que fazem de tudo um pouco. Os que dizem tudo e quase sempre não dizem nada com grandes frases de efeito. Os que se vangloriam de sua liberdade, de sua atribulada agenda, de sua independência emocional, mas tristemente não se desligam nem nos fins de semana, ou na presença real de amigos e família, vivendo conectados permanentemente em um relacionamento sério com o computador ou celular. Poucos são os que postam mensagens do que estão pensando, quando a pergunta é justamente essa: “No que você está pensando?”. É incapaz de puxar papo com uma pessoa que lhe interesse para não parecer interessado, mas curte todas as vírgulas que ela posta. Postar 3000 fotos de si mesmo, dos lugares onde está ou do que está comendo não é exposição, mas de uma idéia que lhe passou pela cabeça, é. 

Também vejo a imagem da felicidade soberana e absoluta na rede. Compreensível.  Se no mundo real não expomos nossas fraquezas e não queremos despertar pena ou consternação, por que expô-las em uma rede virtual?  Então esbarramos em outra questão: o que expor?  Seu trabalho? Sua arte? Seu gosto musical? Suas conquistas? Seus filhos? Seu relacionamento? Sua carência de relacionamento? Sua visão política? Sua filosofia de vida? Sua satisfação ou insatisfação com o que quer que seja? Sua beleza em frente ao espelho? E para cada uma dessas perguntas você conhece pelo menos uma meia dúzia de amigos que responderia “sim”. E você muitas vezes critica quem expõe tudo isso, mas também se expõe.  Porque em algum nível sempre há exposição, a menos que você seja um voyeur.  E não poste nada, nunca. De forma alguma imponho aqui tom de crítica, o que definitivamente não é. Aceito e principalmente me divirto, com todas as cabeças pensantes (umas mais, outras menos) que habitam o meu mundo virtual. Até porque só criaram o botão “curtir”, não o “julgar”.


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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Venda caro a sua paz


Há algum tempo venho tentando manter a calma. A frase parece banal, mas no mundo apressado, violento e raivoso em que vivemos, não tem nada de simples em tentar manter-se zen.  É um exercício diário de tolerância, autocontrole, equilíbrio, e que raramente é executado de forma completa e bem sucedida. 

A desestabilização emocional vem de diferentes fontes e em diferentes escalas, mas curiosamente, quando já se vive estressado, é preciso muito pouco para se irritar. É quase como se o motivo besta fosse inversamente proporcional ao tamanho da irritação.

O que te irrita? Não classifique miséria, fome, doença, guerras, corrupção como coisas irritantes. Estas têm um espectro infinitamente maior, melhor relacionado à revolta, repulsa, ódio.  Irritar é pequeno. É pequeno para quem ou o que provoca e para quem sente.  E fica pequeno se você consegue manter a paz interior, se você consegue encontrar o Buda que existe dentro de todos nós, mas torna-se um monstro se a inércia vencer. 

São as pequenas coisas que fazem uma pessoa irritada ter reações grandes. É o despertador em uma manhã de sono, é o chefe impaciente, o sermão em hora errada.  A economia porca do que quer que seja.  É gente desocupada quando você está ocupado. É gente falando quando você precisa de silêncio.  É sala de espera com uma espera interminável. É a segunda-feira de manhã que chega rápido demais e a sexta-feira à tarde que não acaba nunca.  É celular caindo na caixa postal quando você realmente precisa falar com a pessoa. É o reaproveitamento de material/sentimento que foi feito para ser descartável.  É gente resmungando. É perda de tempo. É o prolixo e o desnecessário.  É o “Eu te disse”.

Alguém que insiste em te dizer o que fazer também é irritante. Mas ainda assim, eu te digo: venda caro a sua paz de espírito. Tenha paciência. E não se irrite.



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segunda-feira, 20 de maio de 2013

Crônica sobre crônica





Um texto que gostei muito, extraído da coluna de Joaquim Ferreira dos Santos, em 2005.

Arembepe

"(...) Escrever crônica é atividade como outra qualquer, como se pode ver no receituário específico disponível no manual de redação. Não tem mistério. Faça a sua. Primeiro refoga-se um assunto em azeite de filosofia balsâmica. Se ele não crescer, tente outro, e depois outro e quantos outros forem necessários. É a alma do negócio, o coração da alcachofra. Na panela que leva ao cerebelo direito, você deixa os verbos cozinhando em banho-maria. Na outra, a que conecta com os fios do coração, reviram-se vírgulas e salsinhas com uma colher de nervos de aço inoxidável. Salpique de adjuntos adverbiais, pimenta branca, craseie sem medo, amasse com faca os vícios de linguagem, retire mesóclises, preposições adversativas e aposte tudo no perfume do tomilho em pó. Leve ao fogo alto, essa meia dúzia de bocas azuladas por debaixo da sua caixa cefálica, e espere. Não tem tempo exato de cozimento. Pode durar horas. Vareia. Nada de pânico se a crosta da massa não ganhar consistência. Acontece. Às vezes não vem. Nessas horas, lembre-se de Drummond e peça dois dentes de alho emprestados. Deixe dourar.

É da vida de quem cozinha crônica. Tem dias que o bolo sola, noutros, a mão boa, ele cresce bonito. Vai entender! Não pare de mexer que é pra não embolar o estilo. Um dedo de manteiga sem colesterol nos adjetivos. Esprema bem a testa contra a sobrancelha. Dói. Lembra daquela expressão “queimar as pestanas”, que os antigos usavam no sentido de pensar? Pois, então. Dói. Arde. Muito. Quando o primeiro filete de sangue escorre lento e quente pela ruga do frontal esquerdo é sinal de que a coisa está próxima do ponto de ebulição. Cuidado com os advérbios de modo e o queijo parmesão. Mexa com imaginação, sal ao gosto e comece a escrever."

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Meu livro no Clube dos Autores!



Gente! Meu livro já está disponível para venda (impresso e e-book) no Clube dos Autores!
É fácil, rápido e barato! : ))

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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dos prazeres da vida



Sol de inverno. Chuva de verão. Banho de rio. Escutar uma cachoeira. Mergulhar no mar. Lua cheia. Lareira. Ganhar flores. Alimentar um animal. Pisar na grama descalço. Fazer castelos de areia. Observar o horizonte na praia. Identificar formas nos contornos das montanhas. Banho quente numa noite fria. Cheiro de chuva.

Carinho de mãe. Proteção de pai. Cumplicidade de irmão. Sentir o bebê mexendo dentro da barriga. Gargalhada de criança. Observar um filho enquanto ele dorme. Rever fotos de infância. Saber envelhecer. Saudades saciáveis. Ter liberdade. Sentir-se querido. Reconhecer traços seus nos seus filhos.

Queijos e vinhos. Torta de limão, feijoada e comida de vó. Emagrecer. Andar de bicicleta. Bolas de sabão. Balançar na rede. Massagem. Cama quente. Lençois limpos. Dormir. Sonhar. Não ter hora para acordar. Ter saúde e tempo, e consciência das duas coisas.

Um bom filme. Um bom livro. Promoção no trabalho. Dinheiro bem ganho e bem gasto. Férias. Carnaval. Dar o troco bem dado e merecido. Ganhar um concurso. Sextas-feiras. Chopp com amigos. Roda de violão. Shows de rock. Dançar. Cantar a música junto com o cantor. Ouvir uma boa estória. Ganhar na loteria. Formar-se no que quer que seja. Concluir o que começou. Ser reconhecido por seu trabalho ou sua arte. Compreender a intenção de um artista. Saber jogar. Saber perder.

Ter um amor. Achar que encontrou sua alma gêmea três vezes por ano. Beijo com paixão. Beijo com amor. Beijo. Rir e chorar com a mesma facilidade. Acalmar um bebê. Perceber um detalhe que muda o todo. Não arrepender-se do que fez. Corrigir uma injustiça. Viajar. Acreditar em Deus. Ter os cinco sentidos. Ensinar. Aprender. Entender.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ferramenta voyeur



Voyeur: palavra francesa para designar pessoa que assiste, para sua satisfação, às manifestações (de sexualidade) de outrem”.

Embora o Facebook não tenha a pegada sexual do ato voyeur, se aproxima bastante do conceito, como a melhor e mais potente ferramenta da atualidade para xeretar a vida alheia, incluindo amigos e os desconhecidos mais inocentes que não protegem seus perfis de estranhos.

Grande parte dos meus amigos passam horas conectados ao site.  Não exclusivamente dedicado a ele, às vezes no escritório trabalhando, às vezes em casa assistindo tv, mas com o programa lá, aberto e status online bem redondo e verdinho.

É uma companhia. Você deixa de estar em casa sozinho para estar em casa com outros 32 amigos online, provavelmente fazendo nada junto com você. Sem contar aqueles que estão online mas querem parecer offline - como que se aquela barrinha lateral direita não dedurasse seus movimentos na rede... Para parecer offline deve-se agir como voyeur: não comente, não curta (ok, mentalmente pode curtir sim!), apenas observe.

Uma coisa curiosa é que as pessoas com quem mais temos amigos em comum não são nossos atuais amigos próximos, mas os amigos de infância. Aquele que não vemos há anos, que quando passa na rua muitas vezes finge que não te vê, mas que na rede é seu irmão-brother-parceirão de todas as horas. Tenho uma dúzia de amigos comuns com a minha melhor amiga real, mas com aquele menino que apenas estudou no mesmo colégio que eu na infância, e que não é absolutamente um amigo meu, tenho oitenta amigos em comum. Quem explica?

O fato é que as pessoas parecem sentir cada vez menos falta de contato físico. E boa parte não se importa com o passeio que fez, por exemplo, mas se importa se a foto no passeio ficou boa, para mostrar onde foi, com quem e o que esteve fazendo. Vida real? Encontro? Nada disso parece ter muita importância se você saiu bem na foto e sua felicidade está lindamente exposta para os outros... De onde vem essa fome voyeur e paradoxalmente exibicionista que temos? Da facilidade de encontrar respostas e tirar conclusões do que vemos na rede? Possivelmente, ainda que tantas vezes estas conclusões sejam equivocadas.


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Da superficialidade da vida

(de 2011)

Meu interesse em você são os melhores e mais superficiais possíveis. Quero amizade com leveza, paixão sem posse e amor sem cobrança. Quero que você seja livre para ir e voltar conforme sua vontade, e para sumir conforme a minha. Não, isso não funcionará a longo prazo. Mas por um tempo quero me dar o luxo de não pensar a longo prazo. Quero poder ser imediatista, priorizar a emoção à razão. Quero ser intuitiva e me deixar levar por sua aparência, sua energia, sua falta de compromisso com o mundo. Quero comer sem contar calorias e beber sem pensar no tamanho do porre. Quero pensar no hoje sem me preocupar com o amanhã. Quero não ter horários ou limites. Quero essa felicidade fugaz, arredia, surpreendente, original, genuína. Só por hoje.

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segunda-feira, 18 de junho de 2012

O sítio arqueológico de Palenque


Mais um trechinho do livro novo!

(...) Uma hora após o jantar um dos irmãos de Consuelo acendeu a fogueira, e toda a família se reuniu em volta dela. Ninguém sentava muito próximo às chamas, Palenque era uma região absurdamente quente e a única finalidade da fogueira era iluminar aquele lugar onde a eletricidade nunca chegou. O último a se juntar a nós foi o homem que parecia ser o mais velho do grupo, embora nem um fio de cabelo branco tivesse. Era a pele enrrugada, o aspecto cansado, a lentidão em se locomover que revelavam sua idade. Quando o senhor se sentou Consuelo dirigiu-se a ele, falando algumas poucas palavras ao seu ouvido. Ele olhou pra mim e voltou a escutar Consuelo.

- O que você disse a ele? – perguntei a ela quando voltou a seu lugar, ao meu lado.

- Que a senhora quer conhecer o Popol Vuh, o livro sagrado dos Maias – disse ela diretamente.

E assim, com a tradução simultânea baixinha de Consuelo, descobri que o Popol Vuh era a bíblia Maia, o mais antigo documento escrito da América e única fonte de informação sobre a mitologia Maia. Era o livro através do qual os Maias descobriam sobre sua própria origem e os fenômenos da natureza. Também chamado de Livro da Comunidade, o Popol Vuh contava a estória dos Deuses Gêmeos Hunahpú e Ixbalanqué.

- Um dos que Pacal assumiu a identidade para chegar a imortalidade? – interrompi curiosa.

- Este mesmo – continuou Consuelo.

Os Deuses Gêmeos haviam nascido do encontro entre Hun-Hunahpú e a donzela Ixquic nas cavernas de Xibalbá, o inferno na religião Maia.

- Eles se conheceram no inferno? O que faziam lá? – interrompi novamente.

Consuelo ignorou a pergunta e prosseguiu. Ixquic havia engravidado pela saliva da Árvore de Jícara, onde estava a caveira de Hun-Hunahpú, e logo subiu ao mundo exterior fugindo dos senhores de Xibalbá.

- Agradeço se pudermos não passar perto desta árvore...

Sorrindo, Consuelo continuou: Ixquic foi aceita por Ixmukané, que já criava os dois filhos mais velhos de Hun-Hunahpú, antes de eles serem transformados em macacos pelos irmãos menores.

- Espera. Quem transformou quem em macaco?

Os filhos mais novos de Hun-Hunahpú transformaram os filhos mais velhos, seus irmãos, em macacos.

- Por que, meu Deus?! Como eles faziam isso?

São Deuses senhora, Deuses podem tudo. E a transformação foi feita porque os mais velhos pertubavam o sossego dos mais novos, Hunahpú e Ixbalanqué.

- Paciência não é muito o forte dos Maias, não é, Consuelo? Nem hierarquia...

Hunahpú e Ixbalanqué encontraram o campo de jogo de bola Maia que havia sido construído por seu pai, e ao jogar enfureceram os Senhores de Xibalbá, pelo que foram chamados a visitar o Inframundo, onde passaram por ínúmeras provas e venceram os Ajawab, os todo poderosos de Xibalbá. Assim, Hunahpú se converteu no Sol e Ixbalanqué se converteu na Lua!

E daquela forma lúdica a mitologia Maia explicava a criação do Sol e da Lua. Eram mitos tão ricos e cheios de curiosidades que eu escutaria aquelas estórias a noite inteira. Mas eu já estava tão integrada à cultura deles que Xibalbá não me saía da cabeça. Como podia permanecer ali sentada se o cenário daquelas estórias estavam, segundo Consuelo, a alguns metros dali? Por mais estranho que isso soasse, eu queria conhecer o inferno. (...)


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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Terapia à revelia


Ele sempre achou o romantismo uma coisa cafona, mas paradoxalmente era uma pessoa romântica. Gostava de gentilezas, de agradinhos, de atenção. O que haveria de cafona no romantismo se nada mais é do que o bem querer?

Deu conta então que a cafonice estava relacionada àquela timidez que tanto o atrasava. Na ânsia de sair da situação que o constrangia, unicamente pela timidez e ainda que estando em uma situação que desejasse, ele atropelava os sentimentos, abreviava as palavras e passava como uma máquina de cortar grama sobre um jardim florido, deixando apenas talinhos, sem grandes chances de voltarem a florescer.

Isso é doença, disseram-lhe uma vez. Tratou com teatro, não resolveu. Ele tinha cara de pau de subir num palco e se transformar em quem quer que fosse, sem o menor constrangimento, pois seria sempre o outro. E ele não precisava ter vergonha do outro. Na verdade ele não precisava ter vergonha de ninguém, nem do outro nem de si. De onde vinha essa timidez sem propósito? Essa vergonha do mundo?

Talvez morresse sem saber. Conversar com um especialista seria exposição demais, só de pensar ruborizava. A última coisa que preciso é um estranho conhecendo meus temores, pensava. Sua timidez transviava a lógica e cegava a razão. Sua única salvação era alguém ajudá-lo sem que ele notasse. Uma terapia à revelia.

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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sorria, você está sendo filmado!



Ontem à noite enquanto eu tomava banho meu filho entrou no banheiro com o seu pequeno laptop nas mãos. Aquela curiosa criança xeretava o Skype e seus principais recursos, voz e vídeo. Com a tela aberta voltada para o box do chuveiro, ele me perguntou:

- Aqui aparece o nome do tio Maurício mãe, com aquele símbolo verdinho, isso quer dizer que eu posso falar com ele, que ele pode me ver?

- Pode sim filho, inclusive se ele já estiver online vai achar bem curiosa a imagem que vê neste momento! Vire esse computador pra lá! – respondi surpresa com a improvável circunstância.

A liberdade sempre foi um bem precioso, mas nunca me dei conta de quando começamos a perdê-lo. Somos vigiados a maior parte do tempo, voluntária ou involuntariamente, como essa situação corriqueira e talvez nem tão correlata me mostrava.

As câmeras de segurança, por exemplo. Hoje nos acompanham até dentro do elevador, identificando quem está entrando com quem, que horas a vizinha baladeira chegou ou qual das crianças pentelhas aperta o botão de todos os andares. A graça de namorar dentro do carro ou num banco de praça já era, não só pela irônica falta de segurança mas pela câmera daquele prédio logo adiante, que mais serve para captar o movimento da vida alheia do que para garantir a segurança dos moradores.

Câmeras por todo lado, assinaturas, senhas, i-tokens, palavras-chaves, perguntas-chave... São necessárias tantas confirmações de que você é você, que nem mesmo você conseguiria dar um golpe em si mesmo, caso assim o desejasse. Fatalmente você tropeçaria em algumas das velhas e conhecidas premissas de segurança: você teria esquecido aquilo que você deveria ter (o cartão), ou não se lembraria daquilo que você deveria saber (a senha). E se você tivesse as duas coisas, provavelmente o sistema estaria fora do ar.


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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Da linearidade da vida


O comportamento humano é fascinante.  E sua variedade é uma das coisas mais curiosas que já vi. Conversando dia desses com um prestador de serviço, ele me contou que trabalhava há 30 anos na mesma empresa. E à medida que ele, prolixamente, contava detalhes de seu dia a dia no trabalho, minha mente escapou para outras partes da vida daquele homem.

Se ele estava há 30 anos na mesma empresa, sendo especializado no tipo de trabalho que executava naquele momento, possivelmente ele estaria há 30 anos fazendo a mesma coisa. Há 30 anos mexendo com as mesmas ferramentas, há 30 anos morando na mesma cidade, há 30 anos percorrendo o mesmo caminho, vendo as mesmas paisagens, lidando com as mesmas pessoas, convivendo com o mesmo clima. Era uma pessoa feliz. Tinha muitos amigos e por onde passava era reconhecido e admirado. Era calmo, confiável e previsível. Sua personalidade era tranquila, quase quieta. Sua vida era linear.

Ocorreu-me então que era justamente essa constância que fazia dele uma pessoa confiável. E a rotina ininterrupta que o transformava em uma pessoa previsível. E esse conjunto de movimentos repetitivos e comuns que fazia dele uma pessoa calma e feliz. As pessoas que vivem nesta linearidade não são nunca muito felizes nem muito tristes. Vivem em um meio termo limitado mas confortável. Ao contrário de outros que em um mês estão passando férias em Nova York para no outro estar passando o feriado em Araruama. Trabalhando um dia em uma megamultinacional na capital, para no ano seguinte atuar no comércio de uma cidade pequena do interior. A falta do meio termo vai desconcertar estes últimos, que vivem entre os altos e baixos – da mesma forma que a vida constante daquele senhor me perturbou - , mas nunca irá desequilibrar aqueles que já vivem no meio.

Primeiro porque a gente não sente falta do que desconhece. Segundo porque a postura de estar de acordo com o que a vida lhe deu não permite grandes frustações. Nem grandes sonhos. E muito menos grandes conquistas. É quase uma questão de múltipla escolha: a gente pode ser sempre meio feliz, ou eventualmente triste e muito feliz.


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terça-feira, 8 de maio de 2012

A quarta mulher



Duas amigas interessaram-se pelo mesmo cara. Interessante, charmoso, descolado e casado. Sim, ele era mal casado, mas casado. Já tinha se separado, voltado, e agora, diziam, estava para se separar novamente. Uma delas disse que o fato de ele ser casado não a incomodava, já que tudo o que queria era uma aventura. Ser casado era até uma vantagem, pois era garantia de que não haveria cobrança, exposição, aporrinhação. A outra já se inibiu, pois estava cansada das aventuras. De qualquer forma, ele sempre chamava a atenção das duas.

Eis que no fim de uma noite com bebida, música e muita conversa, no meio de uma rodinha de amigos, chega o dito com uma quarta mulher. Sim, a quarta mulher desta estória: as duas amigas, a esposa e agora, a amante. As duas amigas se entreolharam e olharam pra ele, que sorriu timidamente.

- Meu querido, que porra é essa? – perguntou a aventureira sem pestanejar. A gargalhada foi geral.

O rapazinho apenas sorriu, sem graça. Com a intimidade que lhe era permitida pelos anos de amizade ela continuou, puxando um outro amigo para um canto e perguntando baixinho:

- Sério, que porra é essa?

E o amigo respondeu:

- É a namorada dele.

- Namorada? Ele num é casado?

- É.

- E tem uma namorada?

- Tem.

- Amante, você quer dizer?

- Eu num tô dizendo nada...

Beberam mais, riram e o Don Juan foi embora com a namorada-amante-concubina-amancebada... diretamente para os braços da esposa. Porque homem casado volta para casa, certo? Talvez. E as duas amigas divertiam-se ao digerir a estória.

- Disputar com uma eu até encarava. Mas com duas?

- Eu não tô disputando nem com meia...

- E no caso de eu entrar no páreo, eu não vou ser a mulher, nem a namorada e nem a amante. Eu vou ser o que?

- A trouxa, amiga. A trouxa.



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quarta-feira, 7 de março de 2012

Quente fisicamente, frio verbalmente

Escrever é uma forma de falar sozinho com um monte de gente. Não é que falte amigos, mas sobram palavras. E quando as palavras sobram junto com tempo, sobram também idéias. Sobram também dúvidas. Dúvidas que se até um determinado momento temperam a relação, se passar do ponto queimam, estragam.

Na minha incansável tentativa de entendimento do comportamento humano - a começar pelo meu que é o que menos compreendo - descobri em você uma adorável dualidade: você é quente físicamente e frio verbalmente. Carinhoso mas distante. Paradoxalmente cuidadoso e seco ao mesmo tempo.

O “cuidadoso” veio da forma como você tirou meu sapato uma vez. Sim, eu sei que era só um sapato e que muito certamente você nem percebeu como fez, mas uma pessoa essencialmente fria não tiraria da forma que você tirou, e uma pessoa qualquer não notaria isso como eu notei. O “quente fisicamente” tem sentido bastante óbvio, para você e para qualquer um, já que “quente” e “físico” são palavras complementares principalmente se usadas na mesma frase. Tal atributo veio do fato de você sempre pegar primeiro a minha mão. Parece doce, e é. E uma vez que as mãos se tocam, ou a mão toca a cintura, o cabelo, uma vez que se encontram, você não volta a soltar - o que atesta afeto, voluntário ou não. 

“Frio verbalmente” poderia ser substituído por “calado”. Mas há diferença, da mesma forma que deve haver um motivo para as poucas palavras. O que não me incomoda, já que quando perguntado você responde direta e claramente.  Como essa ambiguidade é possível na mesma pessoa eu não faco idéia. E não fosse a minha exagerada observação eu não teria interpretado nada disso, achando que você simplesmente não gosta, quando você gosta desinteressadamente.


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segunda-feira, 5 de março de 2012

O significado da cama de casal

Há alguns dias atrás, conversando com recém-casados eu escutei - pela quarta ou quinta vez na minha vida - que a primeira providência da mulher ao dividir o teto com o marido foi trocar a cama de casal que veio do apartamento de solteiro dele.  Trocar o colchão eu até entendo, pelo que pode esbarrar numa questão de higiene, mas a cama?  A cama de casal é mesmo a campeã de audiência no quesito “vou limar todas as lembranças do seu passado” - como se as lembranças estivessem na cama, e não na cabeça dele. 

Até que ponto objetos carregam histórias? Não são poucas as pessoas que vão a determinados lugares e sentem uma energia diferente, ou sentem que já estiveram ali sem nunca ter estado. Há quem explique isso com as vidas passadas, eu já acho que é simplesmente a estória do lugar gritando por si só.

E quando visitamos um lugar em que estivemos pela última vez quando ainda criança? Encolheu, né? Não, não era absurdamente maior como a gente pensava, nós é que éramos pequenos. Nós é que trazíamos o olhar fantasioso de criança, que invariavelmente vê muito mais e maior do que a realidade. Ou indo ainda para outro extremo, quando visita-se o túmulo de alguém no cemitério, vem à cabeça as imagens e memórias da pessoa viva ou o por que diabos ela já foi parar ali embaixo?

Tudo está cheio de história e são muito poucos os objetos e lugares vazios. Objetos vazios são apenas os objetos perdidos, cuja história pode ser desconhecida mas não inexistente. Lugares vazios eu desconheço. Os lugares, mais do que objetos, irradiam ainda mais fortemente sua estória. Quem viveu ali, ou passou por ali, que sonho teve, que legado deixou. E de repente faz mais sentido aquelas famosas três coisas para se fazer em vida: ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore.

O filho vai dar continuidade à sua espécie, à sua vida (curiosamente ainda que pela vida de outra pessoa). O livro é o que vai ficar de mais concreto de sua essência, perpetuando sua forma de pensar. E a árvore é a sustentabilidade de tudo isso, para muitos o “politicamente correto” que vem lá de trás, quando não precisávamos ser politicamente corretos, quando apenas bom senso bastava.


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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Nerd appeal

Andava muito Clariciana ultimamente. Atormentada pelas dúvidas e mais ainda pelas certezas. Tinha urgência e desconhecia a causa, seu tempo esgotava-se. Não podia continuar aguardando de braços cruzados algo que não sabia nem o que era. Já não vivia, esperava, angustiada pelos próprios pensamentos, por uma vontade não sabia de que, mas latente, presente.

O nerd appeal tinha um efeito estarrecedor sobre ela. Desde sempre enxergou na inteligência, na sagacidade, na capacidade de concentração nos estudos um algo mais. Um muito mais. Atrás daqueles óculos tinha sempre um cara legal. Interessado nas ciências, nas artes, na história, no grande. Desinteressado do cotidiano banal a sua volta. O desinteresse seduz.

Deveria tirá-lo de seu caminho, de sua cabeça. Mas como se esquece o que de fato ainda não existiu? Começaria por uma decisão simples. Não, nada é simples para os ansiosos. A decisão, resumida a duas pequenas palavras, parecia simples: desistir ou insistir. E quanto mais besta parecia a resposta, mas difícil era fazer a escolha – caso houvesse uma. Ou se conformava em fazer da situação sua novela, acompanhando diariamente sem participar, ou partiria para o cinema autoral, onde se interage, se cria, se vive.

Inconstante que é tem vivido com o dilema. Não precisava muito para esquecer-se dele por algumas horas, dias talvez, era dispersa. O problema é que curiosamente a lembrança do que ainda não tinham vivido voltava. Ora se conformava, ora estava farta da situação. Que situação? – perguntava. Não há situação para se fartar! – respondia o espelho.


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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

É possível ter tudo?

Toda vez que alguma coisa dá errado eu imediatamente penso nas que deram certo. Como que em uma espécie de auto-defesa/justificativa-de-compensação. Penso na saúde que tenho, no fato de estar viva, de ter nascido em uma família feliz e equilibrada. Penso que tive estudo e preparo para a vida, que já realizei o sonho outrora tão importante de me casar, de ter tido filhos, de ter tido filhos saudáveis e carinhosos. Penso na oportunidade de ter viajado bastante, de ter conhecido outras culturas. Penso no sucesso profissional acidental (?!) que sempre tive – sim, não posso negar que as coisas neste aspecto sempre cairam de mão beijada, não sei se por sorte ou merecimento.

Sou grata e feliz por tudo isso. Mas – sim, tem sempre um mas na minha cabeça - já percebi que as coisas boas não acontecem simultaneamente. Na verdade, tenho a clara sensação de que para se ter uma coisa boa eu tenho necessariamente que abrir mão de outra. De forma que ou eu sou uma eterna insatisfeita ou tem sempre algo faltando para a felicidade do ser humano ser completa.

Se você está jogando e perde, aquele seu amigo bem pouco original vai te dizer: azar no jogo, sorte do amor! (grande mentira, diga-se de passagem). Se você tem uma vida profissional invejável, pode apostar que tem um espírito de porco procurando onde foi que sua vida pessoal deu errado (e o pior é que muitas vezes ele encontra...).

Tenho várias amigas que não casaram, não tiveram filhos, são executivas brilhantes, bem sucedidas e frustadas por chegar em casa à noite e encontrar uma casa tão linda quanto vazia. Tenho outras tantas que aparentam muito mais do que a minha idade, massacradas pela vida doméstica, pelo cansaço natural que crianças provocam, pelo torpor que a rotina de uma casa traz. Para essas últimas, a simples cena de uma mulher de tailler caminhando pela rua, bem penteada, maquiada, sem nenhuma criança pendurada em qualquer parte do corpo, pode provocar um efeito devastador, um choque de realidade.

E eu sei disso porque já estive nos dois lados. Já fui a executiva bem sucedida e triste por ainda estar solteira, por ainda não ter filhos (some-se a isso a incerteza de estar na profissão certa, mas aí é “mas” demais para um raciocínio só!). Também já fui a mãe, dona-de-casa, esposa exausta de tudo e de todos. Agora acho que alcancei um meio termo, não estou nem em um extremo, nem em outro. Mas tem coisa faltando.  E muitas vezes a forma de suprir esta falta me parece ser o abrir mão de conquistas em algum aspecto da vida. Mas e se eu não quiser abrir mão de nada? É possível ter tudo? Até quando a gente insiste? Quando se conforma e desiste? E este post vai ficando sem conclusão. Pois se eu ainda não encontrei a resposta para a vida, é impossível descrevê-la aqui.


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Anjinho x Diabinho

Além de sua índole e de seu caráter, fortes e bem intencionados, ele tinha mais duas pessoas em sua consciência. Uma dizia o que ele não devia fazer. A outra dizia o que ele devia fazer. Sim, o anjinho e o diabinho no melhor estilo cartoon. As boas atitudes quase sempre prevaleciam, já que era um jogo mal equibrado, três contra um. Só que por uma razão que ninguém sabe explicar mas todos tem de concordar, o proibído tinha uma força descomunal.

Todo mundo sabe que o diabinho nunca insiste, ele apenas sugere nos momentos certos. E todo mundo também sabe que estar no lugar certo, na hora certa faz a diferença, assim como estar no lugar errado, na hora errada idem. Ele sempre soube como deveria agir, mas no fundo gostava da batalha mental entre o bem e o mal. Ou gostava, ou era induzido a gostar.

Fato era que ele, sempre tão determinado, ficava apenas de expectador do duelo. Ora tentendo pro bem, ora pro mal. Insistia no bem? Sempre. Arrependia-se do mal? Nunca. Não se arrependia de nada, no fundo sabia que tudo era resultado de sua própria vontade, consciente ou não.

Limitava-se apenas a não planejar o mal. Não sendo premeditado estaria menos errado, seria menos mal. Talvez nem fosse mal, só uma fatalidade. Já que ele não planejou, não premeditou e quase não desejou.


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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Roteiro do episódio-piloto de "Metrópole"

Hoje eu quero agradecer a vocês que vem aqui, com regularidade, ler meus 'devaneios' : ) Fiquei muito feliz em ver que o número de visualizações deste blog triplicou do ano passado para este ano. Leio todos os comentários, abertos e privados, embora não consiga respondê-los no mesmo local (não sei se o blog tem essa ferramenta, possívelmente tem e sou eu que não sei usar). Venho sim tentando escrever com mais frequência, sempre! E hoje vou fazer uma postagem diferente: o roteiro do episódio piloto do Metrópole – “Apresentações”:


CENA 1 – INTERNA/BAR/NOITE

O local é um bar-restaurante bem decorado e acolhedor. Há pequenas mesas, um balcão com bancos altos e puffs coloridos. Em uma mesa, Duda toma cerveja e lê o jornal. Ana entra falando ao celular, carregando muitas sacolas e chorando, senta no balcão.

ANA: (NO CELULAR) Aí ele disse que nossas expectativas de vida eram diferentes, que ele não merecia a mulher maravilhosa que eu sou... Hã? Ele não é a escória do universo! Pelo menos me fazia acreditar que não ia morrer sozinha, cuidando dos meus gatos! (...) Eu não vou me livrar dos gatos! Não, não espanta! E pensar que eu nem tive chance de mostrar a lingerie temática que eu comprei. (DUDA COMEÇA A SE INTERESSAR PELA CONVERSA) Não, a lingerie não é de gatos. É de... (COCHICHA. DUDA SE ESFORÇA PARA OUVIR), com uma renda preta na... (COCHICHA), e uns bordadinhos vermelhos em forma de... (COCHICHA). Agora me diz, o que que eu faço com ela? (...) Eu não tô sendo pessimista, sou realista. (...) Tá bom. Não, eu não vou atrás dele. Nem mandar o carro do disk emoções. Nem entupir a secretária eletrônica dele (...) Já, ele já mudou o número. Tá, a gente se fala amanhã, então. Beijo.

DUDA VAI AO BALCÃO. SENTA AO LADO DELA.

DUDA: E aí, tudo bem?

ANA: (RINDO TIMIDAMENTE) Mais ou menos.

DUDA: Terminou com o namorado, é?

ANA: Pois é.

DUDA: Não fica assim não. A vida é assim. Uns vão, eu venho. (ENTREGANDO UM LENÇO PARA ELA) Você vem sempre aqui?

ANA: Não, não conhecia aqui. Eu tava saindo pouco desde que comecei a, a, (SOLUÇANDO) namorar e...

O GARÇON SE APROXIMA PARA SERVI-LOS. REAGE QUANDO DUDA DIZ QUE É NOVO NA CASA.

DUDA: Um sujeito que dispensa alguém como você não merece essas lágrimas. Você estava dizendo que costuma vir com as amigas, é? Eu sou novo por aqui, não conhecia o lugar. Meu nome é Eduardo. E o seu?

ANA: Ana.

DUDA: Ana. Nome bonito. Igual a dona. Então Ana, eu tava pensando, a gente podia sair qualquer dia desses, (OLHANDO PARA OS PACOTES) quem sabe você me mostra a, a, as redondezas, uns barzinhos novos!

ANA: Claro, quem sabe. Fica com meu telefone. Me liga, a gente combina.

DUDA: Combina, combina sim... (OLHANDO-A DE CIMA EMBAIXO).

ANA: Bom, eu acho que desencontrei da pessoa que eu tava esperando. Já vou indo. A gente se fala então, Eduardo. Prazer, tchau.

DUDA RETORNA À MESA, GUARDANDO O TELEFONE ORGULHOSO DE SI MESMO. KAROL SAI DO BANHEIRO LIMPANDO SUA BLUSA E SENTA NA MESA AO LADO DA DE DUDA. OLHA EM VOLTA, E DEPOIS O RELÓGIO, COMO SE ESPERASSE ALGUÉM. SINALIZA AO GARÇOM PEDINDO UM CHOPE, E ENQUANTO ESTE A SERVE ELA REPARA EM DUDA, QUE ESTÁ LENDO O JORNAL. COLOCA A BOLSA COM FORÇA NA CADEIRA, PARA FAZER BARULHO E CHAMAR A ATENÇAO. DUDA NÃO OLHA. REPETE O ATO COM O CELULAR SOBRE A MESA, ELE CONTINUA LENDO O JORNAL. ELA OLHA O RELÓGIO NOVAMENTE, E COMEÇA A DEDILHAR NA MESA, IMPACIENTE. KAROL PEGA UM PEDAÇO DE GUARDANAPO, MOLHA NO CHOPE, EMBOLA E JOGA NO JORNAL DE DUDA. ELE OLHA PARA OS LADOS, PRA CIMA E VOLTA PRO JORNAL. ELA REPETE O ARREMESSO, ELE OLHA PROS LADOS E FINALMENTE A NOTA, INCRÉDULO. ELA SORRI PRA ELE. ELE SORRI DE VOLTA E VOLTA A LER O JORNAL.

KAROL: (V.O. - voz em off) É tímido! (LEVANTA E SENTA NA MESA DELE)

DUDA: (PERCEBENDO A MOVIMENTAÇÃO ABAIXA O JORNAL LENTAMENTE E A VÊ SENTADA EM SUA MESA, SORRINDO)

DUDA: Oi.

KAROL: Oi! Tudo bem? Se importa se eu sentar aqui?

DUDA: Não, fica à vontade.

CENA 2 – INTERNA/APTO MALU & EDGAR-SALA/NOITE

O apartamento é simples e pequeno. Livros e revistas predominam na decoração. Uma grande luneta com pedestal está posicionada próxima à janela. A mesa está posta para o jantar. Malu está olhando pela luneta.

MALU: Hum, seu Manuel já chegou? Já. Hoje é dia da cortina fechar mais cedo, heim Dona Vanda! É isso aí, uma rapidinha durante a semana não faz mal a ninguém. (/T) E o casalzinho-arranca-rabo, será que fez as pazes? (/T) Não, ninguém em casa ainda.

EDGAR ENTRA.

EDGAR: Bisbilhotando a vida dos outros de novo, Malu?

MALU: Bisbilhotando não, pesquisando. É bem diferente. (SAI DA LUNETA, BEIJA EDGAR, VAI ATÉ A COZINHA E VOLTA COM 2 CERVEJAS). Você sabe que eu preciso de inspiração para escrever, e a natureza humana é um poço de...

EDGAR: (OLHANDO PELA LUNETA) Gordura. Meu Deus, como a Dona Vanda aguenta o peso desse homem?

MALU: Tá com fome?

EDGAR: (VINDO PARA A MESA ONDE MALU ESTÁ ARRUMANDO OS PRATOS) O que temos?

MALU: O que você quer?

EDGAR: Depende do que temos.

MALU LANÇA UM OLHAR AMEAÇADOR.

EDGAR: O que tiver tá bom. E o seu livro, como está? Conseguiu prorrogar o prazo com a... (COMEÇA A RIR)

MALU: Você não perde a chance de sacanear com o nome da mulher, né?

EDGAR: (RINDO) Desculpa. Mas quem se chama Lupita?! De onde a mãe dela tirou esse nome?

MALU: Ela é mexicana. E o nome é Guadalupe. (/T) Enfim, a agência prorrogou o prazo, mas disse que se eu nao tiver pelo menos 30 páginas até o final do mês vou ter que pegar outro projeto, e tocar o livro em paralelo.

EDGAR: E quanto você escreveu até agora?

MALU SORRI.

EDGAR: Quantas páginas?

MALU: Não se pode medir o progresso de um trabalho por...

EDGAR: Quantas linhas, Maria Luiza?

MALU: Depende. Incluindo o título, foram três.

EDGAR: Três linhas? Você passou a tarde inteira em casa e escreveu três linhas?

MALU: Ah, Edgar, eu tava fazendo pesquisa, buscando idéias, mas não saiu nada. (PÁRA E PENSA) Mas sabe que eu descobri por onde as formigas estão chegando lá no quarto? Você não vai acreditar...

EDGAR: Você anda com muito tempo livre.

MALU: Odeio estes dias que não sai nada! A inspiração não vem!

EDGAR: Bom, o importante é quando ela vir te encontrar trabalhando.

MALU: Tem uma citação que diz isso. (/T) “A inspiração existe, mas tem que te encontrar trabalhando”. De quem é mesmo?

EDGAR: Minha, ué.

MALU: “A inspiração existe, mas tem que te encontrar trabalhando”. É de Picasso! Já li em algum lugar.

EDGAR: Porque você não escreve sobre uma coisa bem diferente, tipo a extinção dos mamutes siberianos, ou a origem do mito da superioridade masculina, ou a importância do golfe na tomada de decisões corporativas?

MALU: Sabe outra coisa que Picasso disse? Que não se pode fazer nada sem solidão...

CENA 3 – INTERNA/BAR/NOITE

(Continuação da cena anterior) Duda e Karol sentados à mesa conversando.

KAROL: Mas vem cá, você tá esperando alguém?
DUDA: Não, vim tomar um chope antes de ir pra casa. (/Tempo) E você, tá sozinha?

KAROL: Sozinha, abandonada, careeente. Acho que levei um bolo. (/T) Você trabalha por aqui? Faz o que?

DUDA: Eu sou designer.

KAROL: Eu tenho um salão de beleza, aqui pertinho. Se quiser passar lá qualquer hora dessas, eu te dou um trato.

DUDA SORRI, SOLTA O JORNAL EM CIMA DA MESA E A OLHA DE CIMA A BAIXO.

DUDA: Sei. Olha que eu vou, heim? Mas me diz uma coisa, é pré-requisito ser bonita assim como você pra trabalhar lá?

KAROL: Não, pré-requisitos comigo só pros bofes. E quer saber? Você se encaixa em muitos deles.

DUDA: Não diga. E o que mais você gosta de fazer, além de se apresentar assim, de forma tão convencional?

KAROL: Ah, eu gosto de festa. Sair, conversar com as pessoas, saber da vida delas, perseguir as celebridades...

DUDA: Como?

KAROL: Você sabe, são os artistas que lançam as modas, né? Parar de comer carboidrato, por exemplo, já ta out. In agora é dieta ortomolecular. Eu preciso acompanhar as tendências.

DUDA: Sem dúvida. E você mora por aqui?

KAROL: Moro, duas ruas aqui pra cima. E você?

DUDA: Meu escritório é aqui do lado. Costumo dar uma passadinha aqui quando eu saio. Sabe como é, despressurizar antes de ir pra casa.

KAROL: Sei. E normalmente você se despressuriza assim, sozinho?

DUDA: Não, eu prefiro me despressurizar acompanhado. (OS DOIS RIEM) Sabe que eu gostei de você? Desinibida, segura, autêntica.

KAROL: Ah, as mulheres hoje em dia são muito presas! Eu faço o que bem entendo, sou eu, eu mesma.

DUDA: Adoro mulheres independentes. A gente podia sair qualquer dia desses, ia ser ótimo saber mais sobre você, você mesma.

KAROL: Me dá seu telefone então.
DUDA: (PASSANDO UM CARTÃO ENQUANTO ELA SE LEVANTA) Espera, e seu nome?

KAROL: Karol. E você vai me ver mais cedo do que pensa, (OLHANDO O CARTÃO) Eduardo!

DUDA: Por quê?

KAROL: Intuição.

KAROL SAI. DUDA A OBSERVA E PENSA NO QUE ELA DISSE.

CENA 4 – INT/APTO MALU E EDGAR-SALA/NOITE

(Continuação da cena anterior) Malu e Edgar estão sentados à mesa. Há pratos, copos, duas garrafas de cerveja, uma cesta de pão e uma caixa de ceral com um brinquedo de montar ao lado.

EDGAR: Tem uma festinha do trabalho pra gente ir na sexta-feira.

MALU: Festa de que?

EDGAR: Homenagem ao Almeida.

MALU: Como esse seu chefe sobrevive dentro da empresa?

EDGAR: Não só sobrevive como é promovido.

MALU: Mas como é que pode? Você vive falando que o cara é um mané, que toma crédito pelo trabalho dos outros, que só fala com figurão...

EDGAR: E é isso mesmo. Mas no mundo corporativo não importa quão medíocre você seja, desde que seja um medíocre com contatos.

MALU: Não liga, não. A sua vez vai chegar, acredita. Eu tenho certeza.

EDGAR: É, pode ser. (ENQUANTO FALA EDGAR MONTA O BRINQUEDINHO DA CAIXA DE CEREAL). Eu sei que essas festas são um porre pra você, mas é nessas horas que se conhece as pessoas certas. E afinal de contas tenho que mostrar a minha senioridade como um executivo bem sucedido, responsável, maduro, perfeito para alçar vôos mais altos na empresa e...

MALU O OBSERVA MONTAR O BRINQUEDINHO. EDGAR DISFARÇA E LARGA O BRINQUEDO.

MALU: Entendi. Ah! Deixa eu te falar outra coisa. Lembra que comentei que a Ana e o Maurinho terminaram o namoro, que ela tava arrasada e tal?

EDGAR: Lembro.

MALU: Já sei o que a gente vai fazer pra ajudar!

EDGAR: A gente?

MALU: Nós, e o Duda.

EDGAR: O que o Duda tem a ver com isso?

MALU: Vamos apresentá-lo para ela.

EDGAR: Isso nunca dá certo, Malu...

MALU: A gente chama a Karol também, como se fosse uma festinha aqui em casa. Aí ele e a Ana se conhecem, com naturalidade, sem pressão.

EDGAR: Isso se a Karol não atacar antes.

MALU: Eu invento alguma coisa pra ela, digo que ele já é comprometido.

EDGAR: Igual você fez quando me apresentou a ela, né?

MALU: Não, você eu disse que era gay.

CENA 5 – INT/SALÃO DE KAROL/DIA

Salão de Beleza de Karol. Karol está sentada no balcão, Malu está sentada em uma cadeira baixa, onde uma manicure faz sua mão. Ana chega depois.

KAROL: Mas foi isso, não dei nem tempo do bofe pensar. Cheguei, sentei e me apresentei. Comigo agora o negócio é assim: (ESTALANDO OS DEDOS) Atitude! Ação!

MALU: (REPETINDO O GESTO DELA) Alucinação!

KAROL: Não sei porque. Eu não tinha nada a perder!

MALU: Pode ser. Só tem que ter a sorte de não pegar um cara mais conservador.

KAROL: Conservador, Maria Luiza? Se liga.

MALU: Tá bom, um cara mais tradicional, por exemplo. Se eu fizesse um negócio desse com o Edgar, era bem capaz de ele levantar da mesa me achando uma louca.

KAROL: E ele não acha?

MALU: Acha agora, depois de dois anos de casados. Você acha que eu era assim? Que ele era assim? No início tudo são flores, minha amiga, a vida é um grande jardim!

KAROL: E não é mais?

MALU: É, mas às vezes aparecem uns espinhos.

ANA CHEGA, DESANIMADA.

ANA: (MELANCÓLICA) Oi, gente.

KAROL: Meu Deus, quem morreu?

ANA: Eu morri. Com uma bala certeira no coração, disparada pelo Maurinho.

KAROL: (PARA MALU) Isso sim é conservador. Piegas, brega, cafona no último!

ANA: Só levantei da cama hoje porque pior que um pé na bunda é ouvir minha mãe enumerar pela milionésima vez as razões por quais eu não consigo prender um homem. (/T)

MALU: Pra começo de conversa a estratégia já está errada. Homem não é bicho pra ser preso!

KAROL: Ou seja, é bicho sim, mas tem que deixar solto.

MALU: Não! Não é bicho e não pode ficar preso. Senão foge.

ANA: Que importa se é pra deixar solto ou deixar preso? O único bicho que eu tenho é o meu gato.

KAROL: Outra cafonice.

ANA: Deixa meu gato fora disso, Karol. Vem cá, onde você se enfiou ontem? Fiquei plantada lá no bar e você não apareceu!

KAROL: Apareci sim, senhora. Peguei uma mesa, esperei quase meia hora lá dentro.

ANA: Ué, então a gente desencontrou. Mas sabe que foi até bom? Vocês não imaginam o que aconteceu.

KAROL: Não mesmo. Tava falando agora pra Malu que...

MALU: Ah! Eu também tenho uma novidade pra vocês!

KAROL: Peraí então. Primeiro as notícias mais interessantes. Falo eu, depois a Ana e depois você, Malu.

MALU: Por que eu por último?

KAROL: Você é casada. Se não tá grávida, separando ou ganhou a mega-sena, nada pode ser tão interessante assim.

CENA 6 – INT/BAR/DIA

Edgar e Duda sentados no balcão, conversando enquanto tomam um café.

DUDA: Te juro que foi assim. Eu tava aqui sentado, quieto, tomando um chopinho inofensivo antes de ir pra casa...

EDGAR: E do nada duas mulheres pulam em cima de você!?

DUDA: Não. A primeira fui eu que pulei em cima. Ela me intrigou. Entrou de repente, igual uma doida, chorando! Nem olhou pra minha cara, o que é estranhíssimo. Afinal eu sou um cara notável. Sentou lá no balcão. Falava sem parar no telefone, um papo de lingerie... Eu tive que ir até lá, né?

EDGAR: (DEBOCHANDO) Claro, imagina. Uma mulher carente? Tudo que ela precisava era uma figura compreensiva e desinteressada como você...

DUDA: Pior que tava carente, cara. O que que tá acontecendo com essa mulherada? Isso é normal aqui? Lá na Espanha num era assim não. Muito tempo fora, tenho que me atualizar...

EDGAR: Quanto tempo você ficou lá?

DUDA: Cinco anos. To morrendo de saudades das brasileiras... e Malu? Amiguinhas?

EDGAR: Olha, as amigas da Malu perguntam a mesma coisa sobre os homens. Aquela ladainha de 'o que está havendo com os homens', 'por que não querem compromisso', etc, etc. Eu particularmente acho que é um problema de alinhamento de expectativa.
DUDA: (DEBOCHANDO) Que com um plano de ação adequado, executado em 3 fases, com a devida avaliação de desempenho, se resolveria?

EDGAR: Sem dúvida.

DUDA: Mas então, conversa vai, conversa vem, eu comecei a elogiar, levantei a auto-estima dela...

EDGAR: O que não deve ter sido difícil, já que ela tava chorando...

DUDA: Não importa. Uma mulher confortada, um telefone no bolso.

CENA 7 – INT/SALÃO DE KAROL/DIA

(Cont. cena anterior) Karol, Malu e Ana conversam sem saber que falam da mesma pessoa.

KAROL: Conheci o maior (DEBOCHANDO) pitel ontem! Sem sacanagem, gatíssimo.

ANA: Eu também conheci uma pessoa! Lá no bar! Tão romântico... Disse que o Maurinho não merecia minhas lágrimas.

MALU: Lágrimas? Você contou a ele do Maurinho?!

ANA: Ele percebeu.

KAROL: Como?

ANA: Digamos que meus sentimentos estavam um pouco expostos...

KAROL: Você chorou em público de novo?!

ANA: Isso não vem ao caso. O que interessa é que eu gostei de ele ter chegado junto, sabe? Ele conduziu a aproximação. E vocês sabem, isso é totalmente necessário comigo.

MALU: E aí?

ANA: Pediu meu telefone. Vamos ver se vai ligar. Ultimamente parece que ando emitindo ondas de repelência.

KAROL: Tá vendo porque eu prefiro agir logo? Não fico nessa angústia por causa de homem, não. Comigo, quem decide se vai ligar ou não sou eu. Eu pego o telefone, não dou. E foi assim ontem. A presa estava lá, quieta, indefesa, lendo um jornal. Silenciosamente eu me aproximei, envolvi, distraí... e pá! Bofe seduzido, situação definida.

CENA 8 – INT/BAR/DIA

(Cont. cena anterior) Edgar e Duda sentados no balcão, Duda conta a Edgar como conheceu as duas garotas no bar.

EDGAR: E a outra menina, como você conheceu?

DUDA: Foi uma ir embora pra outra aparecer.

EDGAR: Essas coisas não aconteciam quando eu era solteiro!

DUDA: E agora?

EDGAR: Também não.

DUDA: Mas então, eu estava distraído lendo o jornal, quando vi a mulher tava sentada na minha mesa!

EDGAR: Que louca, e estranhamente familiar...

DUDA: Primeiro estranhei, achei que fosse doida mesmo. Mas depois gostei. É aquele tipo de mulher segura, que sabe o que quer. Eu gosto de mulher assim.

EDGAR: Você gosta de todo tipo de mulher, Duda. Falando nisso, a Malu quer dar uma festinha lá em casa esse fim de semana. Vai chamar umas amigas, pediu pra você aparecer.

DUDA: Beleza. Que dia vai ser, sexta?

EDGAR: Não, sábado. Sexta eu tenho uma parada do trabalho.

DUDA: Roubada?

EDGAR: Nem fala, vai me custar caro levar a Malu pra me ajudar a bajular o meu chefe.

DUDA: Custar caro?

EDGAR: Duda, deixa eu te explicar uma coisa. Uma coisa muito séria, presta atenção. Tudo o que você faz pra uma mulher é implacavelmente registrado e debitado dos seus desejos sexuais no futuro. Você faz a merda, esquece...

DUDA: Ou não percebe que fez.

EDGAR: Ou não percebe que fez, exatamente. Aí ela sorri, como se também não tivesse percebido. Passam horas, dias, e de repente, pá! Tá lá!
DUDA: O que?

EDGAR: A merda! Quando, onde e porquê você fez. Ela resgata a estória em detalhes e você, que já nem se lembrava da parada, fica vendido. Não quero te assustar não, cara, mas quando você fica com a mesma mulher por mais de três meses passa a existir uma nova moeda na tua vida.

DUDA: Três meses???

CENA 9 – INT/SALÃO DE KAROL/DIA

(Cont. cena anterior) Karol, Malu e Ana conversam sem saber que falam da mesma pessoa.

MALU: E aí, falta contar de mais alguém que conheceram ou posso falar agora?

KAROL: Mais? Duas saídas, dois encontros, a gente ta acima da média, flor!

MALU: Ótimo. Então podem acrescentar mais um na lista!

ANA E KAROL: Quem?

MALU: Quero que vocês conheçam um primo do Edgar. Na verdade eu tinha pensado em apresentar ele para Ana, que tava mal por causa do Maurinho. Mas já que as duas estão tão bem encaminhadas...

KAROL: A gente pode jogar ele pro alto e vê quem pega primeiro!

ANA: Ou ver quem ele escolhe.

CENA 10 – INT/FESTA DO TRABALHO DE EDGAR/NOITE

A festa acontece em um restaurante, com várias mesas arrumadas para um jantar. Música alta, garçons circulando, pessoas dançando e se divertindo. Malu e Edgar chegam e circulam pelas mesas.

MALU: É open-bar pelo menos?

EDGAR: Não sei, mas pega leve. Num vai perder a linha com bebida aqui.

MALU: (GRITANDO, AO VER O GARÇON PASSAR COM UM COCKTAIL DE CAMARÃO) Olha o tamanho daquele camarão!

EDGAR: Nem com comida, Malu, nem com comida.

EDGAR E MALU SÃO ABORDADOS POR ALZIRA, COLEGA DE TRABALHO DE EDGAR.

ALZIRA: (BÊBADA) Edgar! Que bom que você chegou! Só faltava você...

EDGAR: (PARA MALU) Open-bar, definitivamente. Oi Alzira! Essa aqui é a Maria Luiza.

MALU SORRI E ESTENDE A MÃO.

ALZIRA: (DEIXANDO MALU COM A MÃO ESTENDIDA) Vamos dançar Edgar? O pessoal já tá lá. Tá tooooooodo mundo dançando! Bora lá!

MALU: (RECOLHENDO A MÃO) Muito prazer em te conhecer também.

EDGAR PUXA MALU PARA SENTAR EM UMA MESA, DEIXANDO ALZIRA SOZINHA.

EDGAR: (AJEITANDO A ROUPA) E aí, tô com cara de executivo promissor?

MALU: Pela reação da galinácea está com cara de executivo fácil.

EDGAR: A Alzira é maluca. Teve um caso com o Fernando no ano passado e quando terminaram a mulher pirou. Só quer saber de homem casado. Não é nada pessoal.

MALU: É, é conjugal.

EDGAR: Olha lá, lá vem o homem. (MALU E EDGAR SE LEVANTAM). Veio sem a esposa! Senão você podia ficar amiga dela e...

MALU: (DEBOCHANDO) Que pena!

PASSA O GARÇON, EDGAR E MALU PEGAM UM COPO DE CAIPIRINHA CADA UM.

ALMEIDA: (TAMBÉM VISIVELMENTE ALTERADO COM A BEBIDA) Edgar, mas que bela acompanhante você trouxe dessa vez!

MALU: (PARA EDGAR) Dessa vez?

EDGAR: Almeida, essa é minha esposa, Maria Luiza. Vocês se conheceram na...

ALMEIDA: Neste minuto. Eu jamais me esqueço um rosto. Como vai minha querida? (VIRA-SE PARA UM GARÇON PARA DEVOLVER SEU COPO VAZIO)

MALU: (PARA EDGAR) Tem certeza de que a festa era às 9 da noite? Esse povo parece estar bebendo desde às 9 da manhã!

EDGAR: (PARA ALMEIDA) O que está achando da festa?
ALMEIDA: Cara! (RI) Mas como a verba não sairá do meu orçamento...(RI ESCANDALOSAMENTE. EDGAR E MALU RIEM FORÇADAMENTE).

ALMEIDA: Edgar, meu caro, se incomodaria de pedir àquele garçon ali atrás de você um uisquinho pra mim?

EDGAR: Volto já.

EDGAR SAI.

MALU: Linda festa. As pessoas parecem animadas e...

ALMEIDA: (TIRANDO O COPO DA MÃO DE MALU) Linda é você, minha querida. Linda demais para ficar aqui cercada por estes bajuladores. Que tal a gente sair daqui agora e tomar um espumante, ao invés dessa caipirinha cor de....
MALU: Imagina, a caipirinha está ótima! (TENTA PEGAR O COPO DA MÃO DELE, QUE NÃO SOLTA. O COPO BALANÇA E CAI SOBRE O VESTIDO DE MALU)

ALMEIDA: Mas que desastrado que eu sou! Deixa eu te limpar... (PEGA UM GUARDANAPO SOBRE A MESA E TENTA LIMPÁ-LA, MALICIOSAMENTE. MALU FICA IMÓVEL, ESTARRECIDA)

CENA 11 – INT/SALÃO DE KAROL/NOITE

Uma cabeleleira faz o cabelo de Ana enquanto Karol canta e dança em frente ao espelho, com um aplique roxo no cabelo. A música está alta. Outra cliente está sentada próxima fazendo as unhas e prestando atenção nas duas.

ANA: Você vai amanhã encontrar a galera?

KAROL: Que?

ANA: Você vai amanhã encontrar a galera?

KAROL: Não entendi!

ANA: (GRITANDO) Você vai amanhã encontrar a galera?!

KAROL: (CONTINUA DANÇANDO) Também acho! Tô a cara da Cristina Aguilera!

A CLIENTE ENTREGA UMA ESCOVA PARA KAROL SIMULAR UM MICROFONE E BATE PALMAS ACOMPANHANDO A MÚSICA. KAROL BRINCA MAIS UM POUCO, ABAIXA O SOM E VAI ARRUMAR UM CABIDE CHEIO DE PERUCAS.

ANA: Amanhã tem o lance lá na casa da Malu, ne? Você vai?

KAROL: Claro. Ela não quer apresentar o bofe pra gente?

CLIENTE: Olha, sem querer me meter no papo de vocês, você tá certíssima. A situação tá feia, num tá dando pra dispensar não. Se tá solteiro, ataca logo.

ANA: (PRA KAROL) Que roupa você vai usar? Alias, como será esse primo do Edgar, heim?

CLIENTE: Como todos os homens. Um príncipe no início, um sapo papudo no final. O negócio é aproveitar logo, antes de as coisas irem pro brejo.

KAROL: O Dona Cecília, desculpe perguntar, mas com toda essa sua sabedoria, como é que a senhora nunca se casou?

CLIENTE: E quem disse que nunca casei? Casei sim, quatro vezes. Mas não deu certo.

ANA: Quatro vezes? A senhora tem alguma apostila...

CLIENTE: Os homens não aceitam ouvir a verdade, minha filha. Eles gostam de mulher burra. Burra e quieta. Quanto mais tapada melhor. Mas tem que ser tapada mesmo, daquele tipo que vê, finge que não viu e ainda se sente culpada por ter visto.

KAROL: (VESTINDO UMA PERUCA DESGRENHADA) E com essa peruca, a senhora acha que eu vou parecer tapada o suficiente pro sapo?

ANA: Que sapo?

KAROL: O primo do Edgar!

CLIENTE: Hum, essa peruca está ótima, mas por via das dúvidas põe as pernas de fora.

KAROL: Essa aqui também é um arraso! (PÕE UMA PERUCA IGUAL DA TINA TURNER).

ANA: Tá igual a Tina Turner.

KAROL: (TIRANDO A PERUCA) Que horror! Tina Turner tá over total.

O TELEFONE TOCA E A CABELELEIRA QUE ESTÁ COM ANA VAI ATENDER (EM OFF). KAROL SE APROXIMA DE ANA E COMEÇA A EXPERIMENTAR VÁRIAS PERUCAS NA CABEÇA DE ANA.

ANA: Eu tô na dúvida. Não sei se vou ousada ou se uso algo mais recatado, tipo Lolita. O que que a senhora acha?

CLIENTE: Qualquer um dos dois extremos está bom. Só não fique no meio do caminho, senão vai parecer banal.

KAROL: Vamos ver. Ousada. (PÕE UMA PERUCA ESPALHAFATOSA). Recada. (PÕE UMA PERUCA CHANEL COM FRANJA. FAZ CARA DE QUE NÃO GOSTA DE NENHUMA, EXPERIMENTA OUTRAS ATÉ VOLTAR PARA A CHANEL)

KAROL: Vai Lolita. Assim não tem chance do bofe ficar na dúvida. Ele vai ter a santinha recada... (PÕE A PERUCA) ...ou a saidinha depravada! (PÕE EM SI MESMA A ESPALHAFATOSA).

ANA: Deus me defenda!

KAROL: Defender de que, Ana? Só se for do seu vocabulário. (IMITANDO-A) “Tiro certeiro no coração”, “Deus me defenda”, só tá faltando soltar um “Cruzes”!

ANA: Ai, Karol... (T/) Vem cá, e aquele outro cara que você conheceu? Ligou pra ele?

KAROL: Ainda não. Estou esperando o momento ideal. Quando a auto-estima dele estiver em baixa e ele se perguntando o porquê de eu não ter ligado.

ANA: Karol!

CLIENTE: Este é o espírito minha filha. Você terá muitos casamentos.

KAROL: Tá vendo? É assim que se trata os homens. Aí quando a gente liga, eles só faltam abanar o rabinho.

ANA: O que eu conheci ainda não ligou. Será que ele tá fazendo a mesma coisa comigo?

KAROL: Claro que não! Homens não têm estratégia de aproximação. Ou a mulher é interessante e eles ligam logo... (PERCEBE O FURO) ...ou eles perdem o telefone, o que provavelmente foi o seu caso!

CENA 12 – INT/FESTA DO TRABALHO DE EDGAR/NOITE

(Cont. cena anterior) Malu encontra Edgar e conta que o chefe dele deu em cima dela.

MALU: Onde você se meteu?

EDGAR: Fui atrás do whisky pro homem. Não estavam servindo, tive que buscar na cozinha e... (OLHANDO MALU MOLHADA) O que aconteceu?

MALU: O seu chefe aconteceu.

EDGAR: ?

MALU: Me convidou pra ir tomar champanhe com ele! Me derramou a bebida e ainda quis limpar!

EDGAR: Mas, mas, que filha da...!

MALU: Deixa quieto, num vai se indispor com o homem. Finge que não te contei e...

ALMEIDA OS ENCONTRA.

ALMEIDA: Aí estão vocês!

EDGAR: (OFERECE O COPO RISPIDAMENTE) Seu whisky.

ALMEIDA: (JÁ COM UM COPO NA MÃO) Obrigado, meu caro, mas já consegui a minha dose.

EDGAR, P. DA VIDA, BEBE O WHISKY DE UMA SÓ VEZ

MALU: O senhor não nos leve a mal, mas vamos ter que ir embora. Vou ter que trocar este vestido e...

ALMEIDA: Sem problemas, fiquem à vontade. Quanto a você Edgar, passe na minha sala na segunda-feira. Temos alguns assuntos pra tratar.

EDGAR: (LEVANTANDO O DEDO) O que eu vou tratar com o senhor é...

MALU VÊ ALZIRA PASSANDO E A PUXA PELO BRAÇO.

MALU: A Alzira queria muito conhecer sua esposa, Sr. Almeida e... Ah! Ela não pôde vir, não é mesmo? (EMPURRA A MULHER PRA CIMA DELE). Que pena, mas tenho certeza que a Alzira vai adorar lhe fazer companhia. (PARA EDGAR) Vamos embora? Essa festa já deu o que tinha que dar.

EDGAR: Ele dá em cima de você, diz que fala comigo segunda e fica por isso mesmo?!

MALU: Você também pode brigar com ele agora e procurar emprego na segunda.

MALU PUXA EDGAR, QUE SAI A CONTRA-GOSTO OLHANDO O CHEFE COMO SE PLANEJASSE VINGANÇA.

CENA 13 – INT/CASA DE MALU E EDGAR-SALA/NOITE

Malu está pronta arrumando a sala para receber o pessoal. Edgar está no quarto trocando de roupa.

EDGAR: (GRITANDO DO QUARTO) Que roupa eu ponho?

MALU: A que você quiser, amor.

EDGAR APARECE COM UMA CAMISA DO HOOTERS COM DOIS PEITÕES DESENHADOS. MALU OLHA PRA ELE COM REPROVAÇÃO.

EDGAR: (VOLTANDO PRO QUARTO) A que eu quiser...

EDGAR VOLTA RINDO COM UMA CAMISA DE PORTO DE GALINHAS, COM ESTAMPA DE UMA GIGANTE GALINHA RELAXADA E OS DIZERES: “XÔ STRESS”. A CAMPAINHA SOA.

MALU: (PARA EDGAR ENQUANTO VAI ABRIR A PORTA) Edgar, qualquer coisa que não agrida meus olhos...

MALU ABRE A PORTA E APARECE KAROL VESTIDA QUASE COMO UMA STRIPPER INTERGALÁCTICA.

MALU: (PRA SI MESMA AO OLHAR A ROUPA DE KAROL) ...o que parece que vai ser difícil essa noite.

KAROL: E aí, que tal? Diz aí se hoje eu não passo o rodo nesse primo do Edgar.

EDGAR VOLTA COM UMA CAMISA BRANCA.

EDGAR: É Karol, a concorrência vai ser injusta com a Ana.

MALU: A Barbarella vai beber o que?

A CAMPAINHA SOA NOVAMENTE. MALU ABRE A PORTA E ENTRA ANA VESTIDA COMO UMA COLEGIAL.

ANA: E aí, pessoal!

MALU: (OBSERVANDO A ROUPA) Vocês entenderam que eu queria apresentar um amigo, não é? Que não é o Duran Duran nem o Humbert Humbert...

KAROL: Por que? Eles não puderam vir vir?

EDGAR: Duran Duran é da estória da Barbarella, o outro não faço idéia.

MALU: É o algoz da Lolita, personagem do Nabokov. Karol: menos Caras, mais literatura, por favor.

ANA: A gente combinou de vir assim pra facilitar a escolha do seu primo, Edgar. São tipos opostos, de um deles ele deve gostar.

EDGAR: Um deles?

KAROL: E a festa que vocês foram ontem, como foi?

MALU: Você nem imagina. A gente ta vivendo numa selva, uma selva social. Em 1 hora que a gente ficou na festa, você acredita que deram em cima do Edgar, de mim, na maior cara dura? Como se ser casado hoje em dia fosse um detalhe!

EDGAR: E o engraçadinho que deu em cima da Malu foi o meu chefe. Num dá pra engolir...

KAROL: Inteligência emocional, Edgar, você não só tem de engolir como tirar proveito.

ANA: Ninguém é de ninguém. É uma selva mesmo, com as tribos se engalfinhando. Se bem que no meu caso tá mais pra: (CANTANDO) “Não sou de ninguém/tô sozinha no mundo e você vai sumir também!”

KAROL: Se eu fosse você, Malu, amarrava o Edgar no pé da mesa. O negócio tá feio mesmo.

(OLHANDO PARA EDGAR, KAROL SIMULA UMA CHICOTADA NO AR. EDGAR A OLHA DESCONFIADO)

EDGAR: Mas hoje vocês vão conhecer a pessoa certa! O meu primo é um cara que, sabe como é que é, né? Sentou no meio fio, encostou o pé no chão, ele tá pegando. Se é que vocês me entendem...

MALU: Falando assim até a mesa te entende, Edgar.

KAROL: Como ele é?

MALU: É alto, loiro, bonito, descoladão.

EDGAR: Trinta anos, corpo atlético.

MALU: (PARA EDGAR) Quer ele pra você? (VOLTANDO PARA AS MENINAS) Ele é ótimo, tem uma cabeça aberta, é divertido.

ANA: E o que ele faz da vida?

A CAMPAINHA SOA.

EDGAR: (LEVANTANDO PARA ABRIR A PORTA) Ele mesmo te responde.

EDGAR ABRE A PORTA. DUDA ARREGALA OS OLHOS AO VER AS DUAS LÁ DENTRO.

ANA/KAROL: Eduardo?

DUDA: Oi meninas...

EDGAR: (SE TOCANDO DO QUE ACONTECEU) Eu sabia que tinha algo de familiar na descrição que você fez daquelas duas!

MALU: Vocês se conhecem?

DUDA: Conheci outro dia no bar.

MALU: Quem?

DUDA: As duas.

MALU: Já que o trabalho de apresentá-lo está feito, entra Duda.

KAROL: Pra mim não muda nada. (DIRIGINDO-SE A ANA) Par ou ímpar?

ANA: Pelo amor de Deus, Karol.

DUDA: Sinceramente, me desculpem a situação. Eu não podia imaginar que...

ANA: Tudo bem. (OLHANDO PRO ALTO COMO QUE FALANDO COM DEUS) Você tá de sacanagem comigo, né?

MALU: Ótimo, de uma só vez conseguimos acabar com a possibilidade de encontro das duas.

EDGAR: Te falei que isso nunca dá certo.

MALU: (PRA SI MESMA) Daria, se o Duda não atirasse até nas paredes...

EDGAR: Senta aí, cara. Cervejinha?

KAROL: Mas e aí Duda, tem amigos pra apresentar pra gente?

OS CINCO SENTAM E COMEÇAM A RIR E CONVERSAR EM OFF. ENTRA MÚSICA DE ENCERRAMENTO.

CENA 14 – (CRÉDITOS FINAIS) INT/DENTRO DE UM TAXI/ NOITE

Ana, Duda e Karol dividem o táxi saindo da casa de Malu e Edgar.

DUDA SENTADO NO TAXI ENTRE ANA E KAROL.

ANA: Copacabana!

KAROL: Leblon!

O MOTORISTA INDECISO OLHA PARA DUDA.

DUDA: Ipanema, por favor. (ABRAÇANDO AS DUAS) O convite para conhecer meu apartamento ainda tá valendo...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Verdade ou mentira

Muitas vezes me perguntam se o que escrevo é auto-biográfico. A resposta é não. Mas é impossível escrever sobre algo que não conhecemos. Todo texto é um pouco biográfico. Pode não ser sobre a vida do autor, mas é necessariamente sobre a vida de alguém, é necessariamente sobre algo. As idéias sempre vêm de algum lugar.

A inquietude das obras de Clarice Lispector reflete a personalidade densa e aflita de uma pessoa que, segundo os que a conheceram pessoalmente, era reservada e discreta.

O que dizer de Machado de Assis, cuja genialidade passeava serelepe entre Romantismo e Realismo, polemizando rótulos quanto à classificação de sua obra? Ele criticava mesmo o determinismo, e nunca se esforçou para esclarecer personagens ou situações contadas.

Eça de Queiroz. A primeira lembrança que me vem à cabeça de Eça de Queiroz foi a impressão de um colega de faculdade sobre seus textos: Ele passa cinco páginas descrevendo uma sala! Verdade. E o talento era tanto para este fim que mesmo os mais objetivos seres se deixaram seduzir por tais descrições.

Em Literatura nem sempre os fatos importam. Se é verdade ou não, muito menos. Importa a maneira em que a estória é contada. Se é real ou não, de onde vem, cabe a você imaginar.



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quinta-feira, 21 de julho de 2011

O que as mulheres conversam no banheiro

Conversa adaptada entre duas amigas no banheiro de uma boate.

- O Marcelo não me ligou. Mas mandou uma mensagem dizendo que quanto mais eu mando mensagens malcriadas pra ele, mais o afasto de mim.

- E você respondeu o que?

- Pedi desculpas.

- Desculpas??? De quê?

- Das mensagens malcriadas.

- Não foram tão malcriadas assim...

- “Atende essa merda deste telefone” é ser malcriada na minha concepção.

- Mas no contexto...

- Enfim. Tá difícil, mas vou resistir. Às vezes me pego pensando: como um cara baixinho, gordinho, feinho, fudido de grana, que nem manda tão bem assim na cama, pode me deixar assim?

- Porque na nossa idade somos muito mais sensoriais do que visuais. O que nos seduz hoje é muito mais a inteligência, a postura, os argumentos... do que um corpo malhado e a cabeça vazia. Juntando isso àquela incerteza do querer do outro, que paradoxalmente nos faz ficar ainda mais interessada, pronto. Fudeu.

- Mas até ontem eu não dava a mínima pra ele...

- Se ele estivesse igual a um capacho ao seu pé, você continuaria cagando pra ele - como tava no início, que eu lembro. Mas como ele se valorizou, e te seduziu, dominou a situação. Ainda que sem querer.

- Sem querer? Até parece...

- Eles são patetas a este ponto, acredite. A maioria desconhece o poder que tem...

- O que você faria no meu lugar?

- Não sei... Em uma situação parecida, resolvi bancar a boba. Quando ele quer falar, eu falo, numa boa. Mas não o procuro mais. Se ele quiser passar a vida inteira brincando de jogar conversa fora - que é o que parece – tudo bem. Eu vou corresponder até onde der, pois não é sacrifício nenhum conversar com um cara que me atrai, que eu admiro. Mas não vou alimentar expectativas em relação a ele, dentro do possivel...

- Dentro do possível. Tá vendo?

- Tô. Ninguém é perfeito.

- E vai fazer o que então?

- A princípio nada. Mas se necessário, sigo 3 premissas:

1) “Falar menos”. Não definir, não explicar, deixá-los no escuro. O mistério seduz e interessa (e nos deixa menos propensas a fazer merda).

2) “Cara de paisagem”. Essa é dificil, mas essencial. Diante de situações adversas, nada de mandar mensagens de fúria atestando: To louca por você, seu vacilão. Ele vacilou? Vacilou. Você percebeu? Lógico. Vai admitir? Nem morta!

- Ou seja, ele vai aprontar e você vai deixar barato?

- Você gosta dele, vai ficar com ele de qualquer forma, não vai?

- Mais ou menos.

- Mais pra mais do que pra menos. Então pensa: Você mostrar que percebeu que ele fez merda e ficar com ele assim mesmo, é dizer: Eu aceito você pisar na bola de vez enquando. Mas você fingir que não percebeu, é dizer: Tenho mais o que fazer e nem notei o que você anda aprontando. (O que além de tudo leva aquela "incerteza do querer" que falei, lembra? Que faz qualquer ser humano QUERER).

- Continue.

- E finalmente, o número 3): “Substituição e leads". Amor com amor se apaga, nada mais certo do que isso. Não deu certo com azul, tenta o vermelho. Ficou esquisito com verde, parte pro amarelo. E tenha sempre toda a caixa de lápis de cor à sua disposição...


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