Só mesmo uma artista do naipe de Marisa Monte para fazer uma música com esta melodia, e este arranjo, e esta letra pouca e singela. Quem é rainha nunca perde a majestade. Continua sendo óbvio.
ERA ÓBVIO
Todo mundo via
Era óbvio que havia
E eu não sabia não
Era uma confusão
E demorou
Todo mundo achava
Que entre nós algo rolava
E eu não sabia nada
Eu nem desconfiava
E agora que eu sei o que eu sentia
E que você também queria
Resolvi te procurar
Estava só pensando de repente
Se a gente algum dia
Pode ainda se encontrar
Escute aqui: http://www.youtube.com/watch?v=CfuujB5bPIk
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Pílulas Literárias
Mark Twain |
Hoje quero inaugurar uma nova sessão no blog, pois o vento da mudança continua soprando! São as "Pílulas Literárias".
Trata-se de pequenas e indolores doses de literatura, que de forma breve e sucinta trazem rápidos pensamentos (cujos pensadores provavelmente levaram muito tempo pensando). O formato curtinho é para que a leitura não se torne cansativa aos olhos de leitores mais ansiosos ou imediatistas. (Sempre tive a impressão de que pessoas imediatistas não têm tempo para a literatura. Não por não gostarem, mas por não terem paciência de aguardar o decorrer da estória linha após linha, e assim apreciar a arte dirigida pelo escritor mas produzida por sua própria imaginação. Diferente da tv e do cinema, onde o produto vem pronto, bastando você assistir o que alguém já imaginou por você).
Voltando às Pílulas, elas serão pequenas frases ou trechos de escritores célebres (ou nem tão célebres assim, ser bom neste caso me parece suficiente). Além do propósito da mensagem, vejo mais duas vantagens nas Pílulas: primeiro que é uma forma fácil de nós, ansiosos (sim, eu leio; mas sim, também sou ansiosa e muitas vezes tenho preguiça de ler) estarmos ligados a idéias interessantes; e segundo que é uma maneira de atualizar este espaço com mais frequência e com a arte que mais aprecio: a de contar estórias. Seja pelos livros, pelo teatro, pelo cinema, pela tv, pelos quadrinhos, pelo facebook...
Para inaugurar a sessão pensei em uma frase que tem a ver com literatura, com clássicos literários mais precisamente, e é de Mark Twain, consagrado escritor e humorista considerado o pai da literatura norte-americana (1835-1910). Twain definiu o clássico literário como
"Aquilo que todos gostariam de ter lido, mas ninguém quer ler".
Espero que queiram, ainda que por pequenas pílulas. Bom dia!
XXX
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
The wind of change
Ou no bom e
velho português claro: O Vento da Mudança.
Há alguns dias resolvi reformular este site, talvez motivada pela
descoberta casual do blog de uma menina, a Marina Smith (o blog é o 2beauty), que fala essencialmente de maquiagem e beleza, mas traz implícito estilo de
vida, gostos e preferências em diferentes aspectos. Por algum motivo ver o site dela tão bem elaborado,
atualizado com frequência e bombando no território virtual, me animou a mudar
alguma coisa por aqui. (As mudanças geralmente precisam de faíscas. A autocombustão dentro de nós até existe, mas é raríssima!)
Comecei então
pela aparência, que é mais fácil. Conteúdo
sempre é mais difícil de encontrar, tanto em pessoas como em coisas. Com todo o amor que tenho pelo Rio de Janeiro,
já não aguentava mais olhar para aquela foto estática azulada do Pão de Açúcar
que ilustrava o cabeçalho aqui de cima. Lembrei então que muitos dos sites bem sucedidos são aqueles onde há uma maior identificação do público com o autor. Então por que não por fotos do meu dia a dia? (E isso nada tem a ver com narcisismo, só não me parece adequado expor imagens não
autorizadas de outras pessoas). Aí
vocês podem pensar naquele velho papo da autoexposição, que eu mesma já falei por aqui. Também pensei. Mas concluí que ou bem eu escrevo ou bem eu
não me exponho. É impossível escrever
sobre comportamento humano com total imparcialidade (a gente até tenta, mas os
mais perspicazes sempre percebem o posicionamento do autor). Ou seja, por mais
que me preserve alguma exposição sempre haverá. Ossos do
ofício.
Mudei a aparência
e acrescentei uma descrição do blog (ainda que muito sucinta e distante do que queria, mas beleza), explicando a origem do nome e o critério de definição de conteúdo. A origem do blog foi mais fácil, e acho que foi
o que deu o viés para as idéias de hoje.
Difícil mesmo foi redefinir conteúdo.
Por mais que adore maquiagem e este mundo de moda & beleza, que está
fazendo de blogueiras verdadeiras empresárias do ramo, não me vejo escrevendo
sobre isso. Até por que posso deixar o Instagram
para tal, que serve muito bem a este propósito (uma imagem vale mais
do que mil palavras!). (Vocês repararam como eu gosto de parênteses, né?). O fato é que minha
praia sempre será o comportamento humano.
O relacionamento humano, para ser precisa, com todos os seus contrastes,
desajustes, altos e baixos.
Criei este
blog em 2006, embora os primeiros textos tenham sido escritos em 2004. Lá se
vão quase 10 anos. Eu já era formada, já
tinha conquistado minha independência profissional, era solteira e queria me
casar, como boa parte do sexo feminino entre a (controversa) faixa de 25 a 35
anos de idade. E este estado de espírito era
claramente refletido nos textos daquela época.
Depois, à medida que a vida foi mudando, os textos também foram. Novos ventos. Alegrias, crises, conquistas, hiatos e toda a
felicidade e tristeza correlatas. Novos ventos.
Mudanças de cidades, de estado civil, de estado de espírito.
Percebi que não preciso redefinir
conteúdo algum aqui, porque ele se redefine sozinho, como a vida. Em 10 anos eu mudei tanto, e quis tantas
coisas diferentes, e estive feliz e triste tantas vezes que me dei conta de que nós simplesmente não vamos parar de mudar. Não enquanto
estivermos vivos. Não enquanto não estivermos inertes. Não enquanto não conquistarmos tudo. E nunca conquistaremos tudo, porque o tudo
de 10 anos atrás vai ser sempre muito diferente do tudo de hoje.
XXX
sexta-feira, 5 de julho de 2013
Das redes sociais
Há
algum tempo ando tentada a escrever sobre o comportamento das pessoas nas
redes sociais. Não só pela logística da ferramenta me
fascinar, mas por constatar que a rede de contatos diz muito sobre quem somos. Os amigos são o resultado mais concreto de
por onde você andou, como viveu e provavelmente vão influenciar diretamente a
sua forma de pensar.
Na
minha lista de amigos, por exemplo, 10% atuam na área biológica (médicos,
enfermeiros, veterinários, fisioterapeutas). 13% atuam no que chamei de “áreas
diversas” (fotógrafos, comerciantes, músicos, pilotos, esportistas). 18% atuam
em humanas (advogados, jornalistas, publicitários, psicólogos, educadores). 26%
são estudantes, do lar ou malucos que conhecemos por aí e podem estar fazendo
qualquer coisa neste momento. 33% eu classifiquei como pertencentes ao mundo corporativo
(engenheiros, profissionais de TI, marketing e administração). Fora a porção de estudantes e malucos que não
se encaixam em nenhuma categoria, os dois maiores percentuais se assemelham à
minha formação: 18% tiveram a mesma base acadêmica e 33% convivem no mesmo
ambiente profissional. Embora as redes
sociais não devam em absoluto ser fonte de informação, não podemos menosprezar (visto
os últimos acontecimentos no país) seu poder de influência e mobilização. Assim
que, a grosso modo, é o meio desse percentual maior de amigos que vai determinar os pontos de vistas de maior
interesse para a sua realidade, influenciando diretamente a sua forma de pensar.
Outra
coisa que chama minha atenção é a questão dos amigos em comum. Você tem 80 amigos em comum com uma pessoa
que estudou contigo no jardim de infância e você não vê há 25 anos, e apenas 20
amigos em comum com aquela parceira da faculdade com quem você viveu colada nos
últimos 10 anos e sabe tudo da sua vida. O que me sugere que embora símbolo de
modernidade, a rede social veio também para resgatar o passado. Ao olhar parte da lista de amigos a sensação
é de abrir o livro do ano da escola – Yearbook
(daí o conceito do nome Face book),
ou abrasileirando, ver a nossa foto de turma.
E sem sair de casa, sem marcar um encontro, interagindo sem interação, você
tem a chance de ver aquelas pessoas hoje.
Não só ver, saber. Saber como
estão, se o tempo foi cruel ou bondoso com elas. Com quem se relacionam, como é sua ligação
com a família, seus hábitos, em que trabalham, que lugares frequentam. Em alguns casos podemos saber bem mais do que
isso: o que comem, quando se exercitam, para onde viajam, com quem saem, sua
filosofia, se a sua vida é um mar de felicidade ou de revolta.
As
tribos na rede social são fácilmente identificáveis. Há os que só comentam
política. Os que só falam do trabalho. Os que respiram futebol. Os que vivem
exclusivamente para os filhos. Os que estão ali só para se divertir com
superficialidades. Os que acham que não estão se expondo postando e curtindo
mensagens subliminares (ou não) de filosofia de vida. Os que fazem de tudo um pouco. Os que dizem tudo e quase
sempre não dizem nada com grandes frases de efeito. Os que se vangloriam de sua
liberdade, de sua atribulada agenda, de sua independência emocional, mas
tristemente não se desligam nem nos fins de semana, ou na presença real de
amigos e família, vivendo conectados permanentemente em um relacionamento sério
com o computador ou celular. Poucos são os que postam mensagens do que estão
pensando, quando a pergunta é justamente essa: “No que você está pensando?”. É
incapaz de puxar papo com uma pessoa que lhe interesse para não parecer
interessado, mas curte todas as vírgulas que ela posta. Postar 3000 fotos de si
mesmo, dos lugares onde está ou do que está comendo não é exposição, mas de uma
idéia que lhe passou pela cabeça, é.
Também
vejo a imagem da felicidade soberana e absoluta na rede. Compreensível. Se no mundo real não expomos nossas fraquezas
e não queremos despertar pena ou consternação, por que expô-las em uma rede
virtual? Então esbarramos em outra questão:
o que expor? Seu trabalho? Sua arte? Seu
gosto musical? Suas conquistas? Seus filhos? Seu relacionamento? Sua carência
de relacionamento? Sua visão política? Sua filosofia de vida? Sua satisfação ou
insatisfação com o que quer que seja? Sua beleza em frente ao espelho? E para
cada uma dessas perguntas você conhece pelo menos uma meia dúzia de amigos que
responderia “sim”. E você muitas vezes critica quem expõe tudo isso, mas também
se expõe. Porque em algum nível sempre há exposição, a menos que você seja um voyeur. E não poste nada, nunca. De forma alguma imponho aqui tom de crítica, o que definitivamente não é. Aceito e
principalmente me divirto, com todas as cabeças pensantes (umas mais, outras
menos) que habitam o meu mundo virtual. Até porque só criaram o botão “curtir”,
não o “julgar”.
XXX
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Venda caro a sua paz
Há algum tempo venho tentando manter a
calma. A frase parece banal, mas no mundo apressado, violento e raivoso em que
vivemos, não tem nada de simples em tentar manter-se zen. É um exercício diário de tolerância, autocontrole,
equilíbrio, e que raramente é executado de forma completa e bem
sucedida.
A desestabilização emocional vem de
diferentes fontes e em diferentes escalas, mas curiosamente, quando já se vive
estressado, é preciso muito pouco para se irritar. É quase como se o motivo
besta fosse inversamente proporcional ao tamanho da irritação.
O que te irrita? Não classifique miséria,
fome, doença, guerras, corrupção como coisas irritantes. Estas têm um espectro
infinitamente maior, melhor relacionado à revolta, repulsa, ódio. Irritar é pequeno. É pequeno para quem ou o
que provoca e para quem sente. E fica
pequeno se você consegue manter a paz interior, se você consegue encontrar o
Buda que existe dentro de todos nós, mas torna-se um monstro se a inércia vencer.
São as pequenas coisas que fazem uma pessoa
irritada ter reações grandes. É o despertador em uma manhã de sono, é o chefe
impaciente, o sermão em hora errada. A economia porca do que quer que
seja. É gente desocupada quando você
está ocupado. É gente falando quando você precisa de silêncio. É sala de
espera com uma espera interminável. É a segunda-feira de manhã que chega rápido
demais e a sexta-feira à tarde que não acaba nunca. É celular caindo na caixa postal quando você realmente precisa falar com a pessoa. É o reaproveitamento de material/sentimento
que foi feito para ser descartável. É
gente resmungando. É perda de tempo. É o prolixo e o desnecessário. É o “Eu te disse”.
Alguém que insiste em te dizer o que fazer
também é irritante. Mas ainda assim, eu te digo: venda caro a sua paz de
espírito. Tenha paciência. E não se irrite.
XXX
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Crônica sobre crônica
Um texto que gostei muito, extraído da coluna de Joaquim Ferreira dos Santos, em 2005.
Arembepe
"(...) Escrever
crônica é atividade como outra qualquer, como se pode ver no receituário
específico disponível no manual de redação. Não tem mistério. Faça a sua.
Primeiro refoga-se um assunto em azeite de filosofia balsâmica. Se ele não
crescer, tente outro, e depois outro e quantos outros forem necessários. É a
alma do negócio, o coração da alcachofra. Na panela que leva ao cerebelo
direito, você deixa os verbos cozinhando em banho-maria. Na outra, a que
conecta com os fios do coração, reviram-se vírgulas e salsinhas com uma colher
de nervos de aço inoxidável. Salpique de adjuntos adverbiais, pimenta branca,
craseie sem medo, amasse com faca os vícios de linguagem, retire mesóclises,
preposições adversativas e aposte tudo no perfume do tomilho em pó. Leve ao
fogo alto, essa meia dúzia de bocas azuladas por debaixo da sua caixa cefálica,
e espere. Não tem tempo exato de cozimento. Pode durar horas. Vareia.
Nada de pânico se a crosta da massa não ganhar consistência. Acontece. Às vezes
não vem. Nessas horas, lembre-se de Drummond e peça dois dentes de alho
emprestados. Deixe dourar.
É da vida de quem cozinha crônica. Tem dias que o bolo sola,
noutros, a mão boa, ele cresce bonito. Vai entender! Não pare de mexer que é
pra não embolar o estilo. Um dedo de manteiga sem colesterol nos adjetivos.
Esprema bem a testa contra a sobrancelha. Dói. Lembra daquela expressão
“queimar as pestanas”, que os antigos usavam no sentido de pensar? Pois, então.
Dói. Arde. Muito. Quando o primeiro filete de sangue escorre lento e quente
pela ruga do frontal esquerdo é sinal de que a coisa está próxima do ponto de
ebulição. Cuidado com os advérbios de modo e o queijo parmesão. Mexa com
imaginação, sal ao gosto e comece a escrever."
quarta-feira, 8 de maio de 2013
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Dos prazeres da vida
Sol de inverno. Chuva de verão. Banho de rio. Escutar uma cachoeira. Mergulhar no mar. Lua cheia. Lareira. Ganhar flores. Alimentar um animal. Pisar na grama descalço. Fazer castelos de areia. Observar o horizonte na praia. Identificar formas nos contornos das montanhas. Banho quente numa noite fria. Cheiro de chuva.
Carinho de mãe. Proteção de pai. Cumplicidade de irmão. Sentir o bebê mexendo dentro da barriga. Gargalhada de criança. Observar um filho enquanto ele dorme. Rever fotos de infância. Saber envelhecer. Saudades saciáveis. Ter liberdade. Sentir-se querido. Reconhecer traços seus nos seus filhos.
Queijos e vinhos. Torta de limão, feijoada e comida de vó. Emagrecer. Andar de bicicleta. Bolas de sabão. Balançar na rede. Massagem. Cama quente. Lençois limpos. Dormir. Sonhar. Não ter hora para acordar. Ter saúde e tempo, e consciência das duas coisas.
Um bom filme. Um bom livro. Promoção no trabalho. Dinheiro bem ganho e bem gasto. Férias. Carnaval. Dar o troco bem dado e merecido. Ganhar um concurso. Sextas-feiras. Chopp com amigos. Roda de violão. Shows de rock. Dançar. Cantar a música junto com o cantor. Ouvir uma boa estória. Ganhar na loteria. Formar-se no que quer que seja. Concluir o que começou. Ser reconhecido por seu trabalho ou sua arte. Compreender a intenção de um artista. Saber jogar. Saber perder.
Ter um amor. Achar que encontrou sua alma gêmea três vezes por ano. Beijo com paixão. Beijo com amor. Beijo. Rir e chorar com a mesma facilidade. Acalmar um bebê. Perceber um detalhe que muda o todo. Não arrepender-se do que fez. Corrigir uma injustiça. Viajar. Acreditar em Deus. Ter os cinco sentidos. Ensinar. Aprender. Entender.
XXX
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Ferramenta voyeur
“Voyeur: palavra francesa para designar pessoa que assiste, para sua satisfação, às manifestações (de sexualidade) de outrem”.
Embora o Facebook não tenha a pegada sexual do ato voyeur, se aproxima bastante do conceito, como a melhor e mais potente ferramenta da atualidade para xeretar a vida alheia, incluindo amigos e os desconhecidos mais inocentes que não protegem seus perfis de estranhos.
Grande parte dos meus amigos passam horas conectados ao site. Não exclusivamente dedicado a ele, às vezes no escritório trabalhando, às vezes em casa assistindo tv, mas com o programa lá, aberto e status online bem redondo e verdinho.
É uma companhia. Você deixa de estar em casa sozinho para estar em casa com outros 32 amigos online, provavelmente fazendo nada junto com você. Sem contar aqueles que estão online mas querem parecer offline - como que se aquela barrinha lateral direita não dedurasse seus movimentos na rede... Para parecer offline deve-se agir como voyeur: não comente, não curta (ok, mentalmente pode curtir sim!), apenas observe.
Uma coisa curiosa é que as pessoas com quem mais temos amigos em comum não são nossos atuais amigos próximos, mas os amigos de infância. Aquele que não vemos há anos, que quando passa na rua muitas vezes finge que não te vê, mas que na rede é seu irmão-brother-parceirão de todas as horas. Tenho uma dúzia de amigos comuns com a minha melhor amiga real, mas com aquele menino que apenas estudou no mesmo colégio que eu na infância, e que não é absolutamente um amigo meu, tenho oitenta amigos em comum. Quem explica?
O fato é que as pessoas parecem sentir cada vez menos falta de contato físico. E boa parte não se importa com o passeio que fez, por exemplo, mas se importa se a foto no passeio ficou boa, para mostrar onde foi, com quem e o que esteve fazendo. Vida real? Encontro? Nada disso parece ter muita importância se você saiu bem na foto e sua felicidade está lindamente exposta para os outros... De onde vem essa fome voyeur e paradoxalmente exibicionista que temos? Da facilidade de encontrar respostas e tirar conclusões do que vemos na rede? Possivelmente, ainda que tantas vezes estas conclusões sejam equivocadas.
XXX
Da superficialidade da vida
(de 2011)
Meu interesse em você são os melhores e mais superficiais possíveis. Quero amizade com leveza, paixão sem posse e amor sem cobrança. Quero que você seja livre para ir e voltar conforme sua vontade, e para sumir conforme a minha. Não, isso não funcionará a longo prazo. Mas por um tempo quero me dar o luxo de não pensar a longo prazo. Quero poder ser imediatista, priorizar a emoção à razão. Quero ser intuitiva e me deixar levar por sua aparência, sua energia, sua falta de compromisso com o mundo. Quero comer sem contar calorias e beber sem pensar no tamanho do porre. Quero pensar no hoje sem me preocupar com o amanhã. Quero não ter horários ou limites. Quero essa felicidade fugaz, arredia, surpreendente, original, genuína. Só por hoje.
Meu interesse em você são os melhores e mais superficiais possíveis. Quero amizade com leveza, paixão sem posse e amor sem cobrança. Quero que você seja livre para ir e voltar conforme sua vontade, e para sumir conforme a minha. Não, isso não funcionará a longo prazo. Mas por um tempo quero me dar o luxo de não pensar a longo prazo. Quero poder ser imediatista, priorizar a emoção à razão. Quero ser intuitiva e me deixar levar por sua aparência, sua energia, sua falta de compromisso com o mundo. Quero comer sem contar calorias e beber sem pensar no tamanho do porre. Quero pensar no hoje sem me preocupar com o amanhã. Quero não ter horários ou limites. Quero essa felicidade fugaz, arredia, surpreendente, original, genuína. Só por hoje.
XXX
segunda-feira, 18 de junho de 2012
O sítio arqueológico de Palenque
Mais um trechinho do livro novo!
(...) Uma hora após o jantar um dos irmãos de Consuelo acendeu a fogueira, e toda a família se reuniu em volta dela. Ninguém sentava muito próximo às chamas, Palenque era uma região absurdamente quente e a única finalidade da fogueira era iluminar aquele lugar onde a eletricidade nunca chegou. O último a se juntar a nós foi o homem que parecia ser o mais velho do grupo, embora nem um fio de cabelo branco tivesse. Era a pele enrrugada, o aspecto cansado, a lentidão em se locomover que revelavam sua idade. Quando o senhor se sentou Consuelo dirigiu-se a ele, falando algumas poucas palavras ao seu ouvido. Ele olhou pra mim e voltou a escutar Consuelo.
- O que você disse a ele? – perguntei a ela quando voltou a seu lugar, ao meu lado.
- Que a senhora quer conhecer o Popol Vuh, o livro sagrado dos Maias – disse ela diretamente.
E assim, com a tradução simultânea baixinha de Consuelo, descobri que o Popol Vuh era a bíblia Maia, o mais antigo documento escrito da América e única fonte de informação sobre a mitologia Maia. Era o livro através do qual os Maias descobriam sobre sua própria origem e os fenômenos da natureza. Também chamado de Livro da Comunidade, o Popol Vuh contava a estória dos Deuses Gêmeos Hunahpú e Ixbalanqué.
- Um dos que Pacal assumiu a identidade para chegar a imortalidade? – interrompi curiosa.
- Este mesmo – continuou Consuelo.
Os Deuses Gêmeos haviam nascido do encontro entre Hun-Hunahpú e a donzela Ixquic nas cavernas de Xibalbá, o inferno na religião Maia.
- Eles se conheceram no inferno? O que faziam lá? – interrompi novamente.
Consuelo ignorou a pergunta e prosseguiu. Ixquic havia engravidado pela saliva da Árvore de Jícara, onde estava a caveira de Hun-Hunahpú, e logo subiu ao mundo exterior fugindo dos senhores de Xibalbá.
- Agradeço se pudermos não passar perto desta árvore...
Sorrindo, Consuelo continuou: Ixquic foi aceita por Ixmukané, que já criava os dois filhos mais velhos de Hun-Hunahpú, antes de eles serem transformados em macacos pelos irmãos menores.
- Espera. Quem transformou quem em macaco?
Os filhos mais novos de Hun-Hunahpú transformaram os filhos mais velhos, seus irmãos, em macacos.
- Por que, meu Deus?! Como eles faziam isso?
São Deuses senhora, Deuses podem tudo. E a transformação foi feita porque os mais velhos pertubavam o sossego dos mais novos, Hunahpú e Ixbalanqué.
- Paciência não é muito o forte dos Maias, não é, Consuelo? Nem hierarquia...
Hunahpú e Ixbalanqué encontraram o campo de jogo de bola Maia que havia sido construído por seu pai, e ao jogar enfureceram os Senhores de Xibalbá, pelo que foram chamados a visitar o Inframundo, onde passaram por ínúmeras provas e venceram os Ajawab, os todo poderosos de Xibalbá. Assim, Hunahpú se converteu no Sol e Ixbalanqué se converteu na Lua!
E daquela forma lúdica a mitologia Maia explicava a criação do Sol e da Lua. Eram mitos tão ricos e cheios de curiosidades que eu escutaria aquelas estórias a noite inteira. Mas eu já estava tão integrada à cultura deles que Xibalbá não me saía da cabeça. Como podia permanecer ali sentada se o cenário daquelas estórias estavam, segundo Consuelo, a alguns metros dali? Por mais estranho que isso soasse, eu queria conhecer o inferno. (...)
XXX
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Terapia à revelia
Ele sempre achou o romantismo uma coisa cafona, mas paradoxalmente era uma pessoa romântica. Gostava de gentilezas, de agradinhos, de atenção. O que haveria de cafona no romantismo se nada mais é do que o bem querer?
Deu conta então que a cafonice estava relacionada àquela timidez que tanto o atrasava. Na ânsia de sair da situação que o constrangia, unicamente pela timidez e ainda que estando em uma situação que desejasse, ele atropelava os sentimentos, abreviava as palavras e passava como uma máquina de cortar grama sobre um jardim florido, deixando apenas talinhos, sem grandes chances de voltarem a florescer.
Isso é doença, disseram-lhe uma vez. Tratou com teatro, não resolveu. Ele tinha cara de pau de subir num palco e se transformar em quem quer que fosse, sem o menor constrangimento, pois seria sempre o outro. E ele não precisava ter vergonha do outro. Na verdade ele não precisava ter vergonha de ninguém, nem do outro nem de si. De onde vinha essa timidez sem propósito? Essa vergonha do mundo?
Talvez morresse sem saber. Conversar com um especialista seria exposição demais, só de pensar ruborizava. A última coisa que preciso é um estranho conhecendo meus temores, pensava. Sua timidez transviava a lógica e cegava a razão. Sua única salvação era alguém ajudá-lo sem que ele notasse. Uma terapia à revelia.
XXX
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Sorria, você está sendo filmado!
Ontem à noite enquanto eu tomava banho meu filho entrou no banheiro com o seu pequeno laptop nas mãos. Aquela curiosa criança xeretava o Skype e seus principais recursos, voz e vídeo. Com a tela aberta voltada para o box do chuveiro, ele me perguntou:
- Aqui aparece o nome do tio Maurício mãe, com aquele símbolo verdinho, isso quer dizer que eu posso falar com ele, que ele pode me ver?
- Pode sim filho, inclusive se ele já estiver online vai achar bem curiosa a imagem que vê neste momento! Vire esse computador pra lá! – respondi surpresa com a improvável circunstância.
A liberdade sempre foi um bem precioso, mas nunca me dei conta de quando começamos a perdê-lo. Somos vigiados a maior parte do tempo, voluntária ou involuntariamente, como essa situação corriqueira e talvez nem tão correlata me mostrava.
As câmeras de segurança, por exemplo. Hoje nos acompanham até dentro do elevador, identificando quem está entrando com quem, que horas a vizinha baladeira chegou ou qual das crianças pentelhas aperta o botão de todos os andares. A graça de namorar dentro do carro ou num banco de praça já era, não só pela irônica falta de segurança mas pela câmera daquele prédio logo adiante, que mais serve para captar o movimento da vida alheia do que para garantir a segurança dos moradores.
Câmeras por todo lado, assinaturas, senhas, i-tokens, palavras-chaves, perguntas-chave... São necessárias tantas confirmações de que você é você, que nem mesmo você conseguiria dar um golpe em si mesmo, caso assim o desejasse. Fatalmente você tropeçaria em algumas das velhas e conhecidas premissas de segurança: você teria esquecido aquilo que você deveria ter (o cartão), ou não se lembraria daquilo que você deveria saber (a senha). E se você tivesse as duas coisas, provavelmente o sistema estaria fora do ar.
XXX
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Da linearidade da vida
O comportamento humano é fascinante. E sua variedade é uma das coisas mais curiosas que já vi. Conversando dia desses com um prestador de serviço, ele me contou que trabalhava há 30 anos na mesma empresa. E à medida que ele, prolixamente, contava detalhes de seu dia a dia no trabalho, minha mente escapou para outras partes da vida daquele homem.
Se ele estava há 30 anos na mesma empresa, sendo especializado no tipo de trabalho que executava naquele momento, possivelmente ele estaria há 30 anos fazendo a mesma coisa. Há 30 anos mexendo com as mesmas ferramentas, há 30 anos morando na mesma cidade, há 30 anos percorrendo o mesmo caminho, vendo as mesmas paisagens, lidando com as mesmas pessoas, convivendo com o mesmo clima. Era uma pessoa feliz. Tinha muitos amigos e por onde passava era reconhecido e admirado. Era calmo, confiável e previsível. Sua personalidade era tranquila, quase quieta. Sua vida era linear.
Ocorreu-me então que era justamente essa constância que fazia dele uma pessoa confiável. E a rotina ininterrupta que o transformava em uma pessoa previsível. E esse conjunto de movimentos repetitivos e comuns que fazia dele uma pessoa calma e feliz. As pessoas que vivem nesta linearidade não são nunca muito felizes nem muito tristes. Vivem em um meio termo limitado mas confortável. Ao contrário de outros que em um mês estão passando férias em Nova York para no outro estar passando o feriado em Araruama. Trabalhando um dia em uma megamultinacional na capital, para no ano seguinte atuar no comércio de uma cidade pequena do interior. A falta do meio termo vai desconcertar estes últimos, que vivem entre os altos e baixos – da mesma forma que a vida constante daquele senhor me perturbou - , mas nunca irá desequilibrar aqueles que já vivem no meio.
Primeiro porque a gente não sente falta do que desconhece. Segundo porque a postura de estar de acordo com o que a vida lhe deu não permite grandes frustações. Nem grandes sonhos. E muito menos grandes conquistas. É quase uma questão de múltipla escolha: a gente pode ser sempre meio feliz, ou eventualmente triste e muito feliz.
XXX
terça-feira, 8 de maio de 2012
A quarta mulher
Duas amigas interessaram-se pelo mesmo cara. Interessante, charmoso, descolado e casado. Sim, ele era mal casado, mas casado. Já tinha se separado, voltado, e agora, diziam, estava para se separar novamente. Uma delas disse que o fato de ele ser casado não a incomodava, já que tudo o que queria era uma aventura. Ser casado era até uma vantagem, pois era garantia de que não haveria cobrança, exposição, aporrinhação. A outra já se inibiu, pois estava cansada das aventuras. De qualquer forma, ele sempre chamava a atenção das duas.
Eis que no fim de uma noite com bebida, música e muita conversa, no meio de uma rodinha de amigos, chega o dito com uma quarta mulher. Sim, a quarta mulher desta estória: as duas amigas, a esposa e agora, a amante. As duas amigas se entreolharam e olharam pra ele, que sorriu timidamente.
- Meu querido, que porra é essa? – perguntou a aventureira sem pestanejar. A gargalhada foi geral.
O rapazinho apenas sorriu, sem graça. Com a intimidade que lhe era permitida pelos anos de amizade ela continuou, puxando um outro amigo para um canto e perguntando baixinho:
- Sério, que porra é essa?
E o amigo respondeu:
- É a namorada dele.
- Namorada? Ele num é casado?
- É.
- E tem uma namorada?
- Tem.
- Amante, você quer dizer?
- Eu num tô dizendo nada...
Beberam mais, riram e o Don Juan foi embora com a namorada-amante-concubina-amancebada... diretamente para os braços da esposa. Porque homem casado volta para casa, certo? Talvez. E as duas amigas divertiam-se ao digerir a estória.
- Disputar com uma eu até encarava. Mas com duas?
- Eu não tô disputando nem com meia...
- E no caso de eu entrar no páreo, eu não vou ser a mulher, nem a namorada e nem a amante. Eu vou ser o que?
- A trouxa, amiga. A trouxa.
XXX
quarta-feira, 7 de março de 2012
Quente fisicamente, frio verbalmente
Escrever é uma forma de falar sozinho com um monte de gente. Não é que falte amigos, mas sobram palavras. E quando as palavras sobram junto com tempo, sobram também idéias. Sobram também dúvidas. Dúvidas que se até um determinado momento temperam a relação, se passar do ponto queimam, estragam.
Na minha incansável tentativa de entendimento do comportamento humano - a começar pelo meu que é o que menos compreendo - descobri em você uma adorável dualidade: você é quente físicamente e frio verbalmente. Carinhoso mas distante. Paradoxalmente cuidadoso e seco ao mesmo tempo.
O “cuidadoso” veio da forma como você tirou meu sapato uma vez. Sim, eu sei que era só um sapato e que muito certamente você nem percebeu como fez, mas uma pessoa essencialmente fria não tiraria da forma que você tirou, e uma pessoa qualquer não notaria isso como eu notei. O “quente fisicamente” tem sentido bastante óbvio, para você e para qualquer um, já que “quente” e “físico” são palavras complementares principalmente se usadas na mesma frase. Tal atributo veio do fato de você sempre pegar primeiro a minha mão. Parece doce, e é. E uma vez que as mãos se tocam, ou a mão toca a cintura, o cabelo, uma vez que se encontram, você não volta a soltar - o que atesta afeto, voluntário ou não.
“Frio verbalmente” poderia ser substituído por “calado”. Mas há diferença, da mesma forma que deve haver um motivo para as poucas palavras. O que não me incomoda, já que quando perguntado você responde direta e claramente. Como essa ambiguidade é possível na mesma pessoa eu não faco idéia. E não fosse a minha exagerada observação eu não teria interpretado nada disso, achando que você simplesmente não gosta, quando você gosta desinteressadamente.
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segunda-feira, 5 de março de 2012
O significado da cama de casal
Há alguns dias atrás, conversando com recém-casados eu escutei - pela quarta ou quinta vez na minha vida - que a primeira providência da mulher ao dividir o teto com o marido foi trocar a cama de casal que veio do apartamento de solteiro dele. Trocar o colchão eu até entendo, pelo que pode esbarrar numa questão de higiene, mas a cama? A cama de casal é mesmo a campeã de audiência no quesito “vou limar todas as lembranças do seu passado” - como se as lembranças estivessem na cama, e não na cabeça dele.
Até que ponto objetos carregam histórias? Não são poucas as pessoas que vão a determinados lugares e sentem uma energia diferente, ou sentem que já estiveram ali sem nunca ter estado. Há quem explique isso com as vidas passadas, eu já acho que é simplesmente a estória do lugar gritando por si só.
E quando visitamos um lugar em que estivemos pela última vez quando ainda criança? Encolheu, né? Não, não era absurdamente maior como a gente pensava, nós é que éramos pequenos. Nós é que trazíamos o olhar fantasioso de criança, que invariavelmente vê muito mais e maior do que a realidade. Ou indo ainda para outro extremo, quando visita-se o túmulo de alguém no cemitério, vem à cabeça as imagens e memórias da pessoa viva ou o por que diabos ela já foi parar ali embaixo?
Tudo está cheio de história e são muito poucos os objetos e lugares vazios. Objetos vazios são apenas os objetos perdidos, cuja história pode ser desconhecida mas não inexistente. Lugares vazios eu desconheço. Os lugares, mais do que objetos, irradiam ainda mais fortemente sua estória. Quem viveu ali, ou passou por ali, que sonho teve, que legado deixou. E de repente faz mais sentido aquelas famosas três coisas para se fazer em vida: ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore.
O filho vai dar continuidade à sua espécie, à sua vida (curiosamente ainda que pela vida de outra pessoa). O livro é o que vai ficar de mais concreto de sua essência, perpetuando sua forma de pensar. E a árvore é a sustentabilidade de tudo isso, para muitos o “politicamente correto” que vem lá de trás, quando não precisávamos ser politicamente corretos, quando apenas bom senso bastava.
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Nerd appeal
Andava muito Clariciana ultimamente. Atormentada pelas dúvidas e mais ainda pelas certezas. Tinha urgência e desconhecia a causa, seu tempo esgotava-se. Não podia continuar aguardando de braços cruzados algo que não sabia nem o que era. Já não vivia, esperava, angustiada pelos próprios pensamentos, por uma vontade não sabia de que, mas latente, presente.
O nerd appeal tinha um efeito estarrecedor sobre ela. Desde sempre enxergou na inteligência, na sagacidade, na capacidade de concentração nos estudos um algo mais. Um muito mais. Atrás daqueles óculos tinha sempre um cara legal. Interessado nas ciências, nas artes, na história, no grande. Desinteressado do cotidiano banal a sua volta. O desinteresse seduz.
Deveria tirá-lo de seu caminho, de sua cabeça. Mas como se esquece o que de fato ainda não existiu? Começaria por uma decisão simples. Não, nada é simples para os ansiosos. A decisão, resumida a duas pequenas palavras, parecia simples: desistir ou insistir. E quanto mais besta parecia a resposta, mas difícil era fazer a escolha – caso houvesse uma. Ou se conformava em fazer da situação sua novela, acompanhando diariamente sem participar, ou partiria para o cinema autoral, onde se interage, se cria, se vive.
Inconstante que é tem vivido com o dilema. Não precisava muito para esquecer-se dele por algumas horas, dias talvez, era dispersa. O problema é que curiosamente a lembrança do que ainda não tinham vivido voltava. Ora se conformava, ora estava farta da situação. Que situação? – perguntava. Não há situação para se fartar! – respondia o espelho.
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segunda-feira, 10 de outubro de 2011
É possível ter tudo?
Toda vez que alguma coisa dá errado eu imediatamente penso nas que deram certo. Como que em uma espécie de auto-defesa/justificativa-de-compensação. Penso na saúde que tenho, no fato de estar viva, de ter nascido em uma família feliz e equilibrada. Penso que tive estudo e preparo para a vida, que já realizei o sonho outrora tão importante de me casar, de ter tido filhos, de ter tido filhos saudáveis e carinhosos. Penso na oportunidade de ter viajado bastante, de ter conhecido outras culturas. Penso no sucesso profissional acidental (?!) que sempre tive – sim, não posso negar que as coisas neste aspecto sempre cairam de mão beijada, não sei se por sorte ou merecimento.
Sou grata e feliz por tudo isso. Mas – sim, tem sempre um mas na minha cabeça - já percebi que as coisas boas não acontecem simultaneamente. Na verdade, tenho a clara sensação de que para se ter uma coisa boa eu tenho necessariamente que abrir mão de outra. De forma que ou eu sou uma eterna insatisfeita ou tem sempre algo faltando para a felicidade do ser humano ser completa.
Se você está jogando e perde, aquele seu amigo bem pouco original vai te dizer: azar no jogo, sorte do amor! (grande mentira, diga-se de passagem). Se você tem uma vida profissional invejável, pode apostar que tem um espírito de porco procurando onde foi que sua vida pessoal deu errado (e o pior é que muitas vezes ele encontra...).
Tenho várias amigas que não casaram, não tiveram filhos, são executivas brilhantes, bem sucedidas e frustadas por chegar em casa à noite e encontrar uma casa tão linda quanto vazia. Tenho outras tantas que aparentam muito mais do que a minha idade, massacradas pela vida doméstica, pelo cansaço natural que crianças provocam, pelo torpor que a rotina de uma casa traz. Para essas últimas, a simples cena de uma mulher de tailler caminhando pela rua, bem penteada, maquiada, sem nenhuma criança pendurada em qualquer parte do corpo, pode provocar um efeito devastador, um choque de realidade.
E eu sei disso porque já estive nos dois lados. Já fui a executiva bem sucedida e triste por ainda estar solteira, por ainda não ter filhos (some-se a isso a incerteza de estar na profissão certa, mas aí é “mas” demais para um raciocínio só!). Também já fui a mãe, dona-de-casa, esposa exausta de tudo e de todos. Agora acho que alcancei um meio termo, não estou nem em um extremo, nem em outro. Mas tem coisa faltando. E muitas vezes a forma de suprir esta falta me parece ser o abrir mão de conquistas em algum aspecto da vida. Mas e se eu não quiser abrir mão de nada? É possível ter tudo? Até quando a gente insiste? Quando se conforma e desiste? E este post vai ficando sem conclusão. Pois se eu ainda não encontrei a resposta para a vida, é impossível descrevê-la aqui.
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quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Anjinho x Diabinho
Além de sua índole e de seu caráter, fortes e bem intencionados, ele tinha mais duas pessoas em sua consciência. Uma dizia o que ele não devia fazer. A outra dizia o que ele devia fazer. Sim, o anjinho e o diabinho no melhor estilo cartoon. As boas atitudes quase sempre prevaleciam, já que era um jogo mal equibrado, três contra um. Só que por uma razão que ninguém sabe explicar mas todos tem de concordar, o proibído tinha uma força descomunal.
Todo mundo sabe que o diabinho nunca insiste, ele apenas sugere nos momentos certos. E todo mundo também sabe que estar no lugar certo, na hora certa faz a diferença, assim como estar no lugar errado, na hora errada idem. Ele sempre soube como deveria agir, mas no fundo gostava da batalha mental entre o bem e o mal. Ou gostava, ou era induzido a gostar.
Fato era que ele, sempre tão determinado, ficava apenas de expectador do duelo. Ora tentendo pro bem, ora pro mal. Insistia no bem? Sempre. Arrependia-se do mal? Nunca. Não se arrependia de nada, no fundo sabia que tudo era resultado de sua própria vontade, consciente ou não.
Limitava-se apenas a não planejar o mal. Não sendo premeditado estaria menos errado, seria menos mal. Talvez nem fosse mal, só uma fatalidade. Já que ele não planejou, não premeditou e quase não desejou.
XXX
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