segunda-feira, 20 de julho de 2009

Novo Livro

Acabei de ler Comer, Rezar, Amar, best-seller de Elizabeth Gilbert. Pra quem não conhece, foi um fenômeno que teve mais de 4 milhões de cópias vendidas no mundo. Além de o livro ser excelente, me surpreendi com o estilo simples de narrativa da escritora. Modestamente, considerando minha ainda pouca experiência, senti muita familiariedade com sua forma de contar estória. Por isso retomei meu empoeirado projeto do segundo livro. Segue um trecho pra vocês:

(...) O embarque no aeroporto de Guarulhos, São Paulo, se deu entre olhos marejados e fala apertada. Ninguém queria admitir que estava triste com a viagem. Eu constatava como é possível estar feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz em morar fora do Brasil pela primeira vez na vida. Triste em me afastar do meu país e da minha família mais uma vez.

Eu nunca tive o privilégio de almoçar na casa dos avós no fim de semana, ou sair pra tomar sorvete com uma prima depois da escola. Essas atividades corriqueiras para tantas pessoas, para mim sempre foram uma raridade. Cresci em Friburgo, uma cidade pequena de serra há duas horas do Rio de Janeiro. Na maior parte do ano, minha família era meus pais, eu e meus irmãos. A família da minha mãe vivia em São Paulo, e a do meu pai, com quem tínhamos pouco contato, em Niterói. Encontrá-los era ocasião de uma ou duas vezes no ano, quase sempre no Natal e nas férias de Julho. O lado bom da distância é que visitá-los era sempre uma festa, aguardada ansiosamente, mês a mês, até a chegada da viagem. Íamos felizes no velho Corcel Dois dourado do meu pai, pela Dutra, num calor desgraçado. Eu e meus irmãos viajávamos livres, leves e soltos no banco de trás - naquele tempo não eram comuns as cadeirinhas de criança. Se a bagunça era muita e os pedidos de calma não atendidos, meu pai metia a mão por entre os bancos e beliscava a primeira perna que alcançasse. Era um tal de perna pra cima, risadas abafadas e choro do que fosse contemplado com o beliscão. Uma vez minha mãe meteu a cabeça pra fora do carro, para olhar não sei o que, e seu óculos de sol saiu voando. Ela ficou alguns minutos olhando o óculos quicar no asfalto quente, e só depois acordou. Olhou pra gente e começou a rir, a típica aquariana.

Depois disso, aos dezessete anos, fui morar sozinha no Rio para fazer faculdade. Eu dividia o apartamento com amigas e não havia nem um adulto responsável por perto. Nós havíamos nos tornado as adultas responsáveis (ao menos assim se supunha). Eu via minha família primeiro nos fins de semana, depois a cada quinze dias, logo uma vez por mês. Naturalmente minha vida foi se construíndo no Rio, e no último ano de faculdade chegava a passar meses sem subir a serra. Casei com Edgar, que também não tinha família no Rio. Quando ele foi transferido para São Paulo eu já estava grávida do Pedro. Fiquei feliz porque apesar de estarmos longe dos meus pais, estaríamos perto dos pais dele, dos meus avós e finalmente teríamos os singelos almoços de domingo na casa de parentes. Doce ilusão, nossa estada em São Paulo duraria exatos seis meses.



Eram dez horas da noite quando ouvimos a última chamada para o vôo 14 da Aeroméxico. Meus pais, avós, sogra, cunhados, todos foram se despedir. Muitas recomendações e cuidados com o primeiro netinho que sequer caminhava quando partiu. Pedro observava tranquilo o movimento, alheio ao seu destino. Nos olhos de cada um eu podia ver um pensamento diferente: Será que voltam? Será que ficam? Pedro não vai deixar ninguém dormir no avião. Mandem notícias. (...)

Depois tem mais. Um beijo!


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segunda-feira, 6 de abril de 2009

Da preguiça e dos pecados capitais

Os pecados capitais me fascinam. Não sei se por definir muito bem a imperfeição do ser humano ou se por representar um convite irresistível à regra a ser quebrada. E a regra divina, que sacrilégio! É igual a estória da maçã. Se ninguém tivesse dito ‘não coma’, aposto que Adão e Eva não teriam nem visto a fruta, ou talvez tivessem visto e feito de bola, de enfeite ou até “arma” para acertar um no outro. Mas sabendo que não era pra comer, eles comeram, claro. E cá estamos nós, bem longe do paraíso. Imagino que todo mundo cometa, ainda que de leve, boa parte dos pecados capitais. Algumas pessoas mais do que as outras, e alguns pecados mais do que outros.

A Gula. A gula é o pecado mais acessível. Todo mundo pode cometer: pobre, rico, jovem, velho, cão, gato e papagaio. Ainda tem quem ache fofinho ser guloso, e às vezes é mesmo.

A Avareza. A avareza não deveria ser considerada pecado, já que realisticamente é o que move o mundo. A cobiça de bens materiais, de dinheiro, até certo ponto é saudável. O problema é saber onde está este ponto.

A Inveja. A meu ver, parece-se com a avareza, só que ao invés de desejar dinheiro você deseja o que é do outro. Se o bem for material e você for esse outro, fique feliz, sinal de bom gosto. Agora se o bem não for material... é pecado mortal!

A Ira. O pecado mais comum. Quem nunca se irritou com nada que atire a primeira pedra. (???????)

A Soberba. É o pecado mais irritante e por isso o único com dupla função: você não tem vontade de socar alguém que se acha?

A Luxúria. Também não devia ser considerado pecado. Que mal tem gostar dos prazeres carnais? Se é um prazer carnal devia reduzir-se a sua insignificância terrena, à carne.

A Preguiça. Esse é o verdadeiro pecado. Por ele deixamos de agir, produzimos menos e a vida muda seu curso. Quantas vezes você já começou alguma coisa e parou? E nunca mais conseguiu voltar a fazer? E repetiu pra si mesmo: “amanhã eu faço, de hoje num passa”. E passa. Admiro os que não são assim, porque existe gente que não é.  Podem parecer uns ETs em tanta obstinação, mas que admiráveis ETs!

De longe a preguiça é o pior defeito. Talvez pela preguiça detestamos acordar cedo. Adoramos dormir, mas temos preguiça de ir pra cama. Logo dormimos tarde, acordamos cedo e ficamos com sono do dia todo. E preguiça. E mal humor. Estou dizendo, a preguiça é um horror!

Pela preguiça produzimos menos do que o desejado, do que o necessário até. Por ela não terminamos a listinha de resoluções do ano passado.  Não conseguimos perder aqueles 2kg que faltam, ou lavar o carro com a frequência que gostaríamos. Por ela ligamos o computador e ao invés de buscar coisas que realmente importem vamos ler superficialidades: é mais fácil observar a vida alheia do que elaborar algo de concreto na própria. E assim a vida passa, e tantas vezes nos tornamos mais expectadores do que atores dela.

Com preguiça de pensar em uma conclusão mais oportuna para este texto, termino com minha piada politicamente incorreta e preferida a respeito:

"Dois baianos balançando na rede.
– Tem antídoto pra picada de cobra, meu rei?
– Por quê?
– Tem uma vindo em minha direção...”


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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Resoluções para 2009

Entra ano, sai ano, e cá estamos nós fazendo a listinha de resoluções para o próximo ano. Embora eu odeie o lugar comum, não pude deixar de fazer a minha.


Resolução 1) Menos neuras: menos mania de limpeza, menos paranóia com as crianças, menos estresse com a vida.


Resolução 2) Mais paciência: com o trânsito, com os molóides que se encontram nele, com meus filhos, com as pessoas mais velhas. "A gente só aprende a ser filho, depois que é pai. E só aprende a ser pai, depois que é avô"


Resolução 3) Ler mais, ainda que seja de meia noite às seis.


Resolução 4) Emagrecer. Emagrecer. Emagrecer. Fazer exercício, tomar mais água, comer melhor e toda a presepada que pressupõe a vida saudável...


Resolução 5) Regar a "plantinha" do meu casamento sempre que possível, para não comprovar a máxima "Até bóia, mas foi feito pra afundar".


Resolução 6) Escrever mais! Produzir, me sentir viva como profissional - mesmo que não remunerado.


Resolução 7) Melhorar minha relação com a natureza. Não perseguir as nojentas lagartixas que insistem em co-habitar a minha casa. Não detestar o vento que leva areia aos meus olhos ou a chuva que acaba com minha escova. Não preferir peixe a cachorro só porque do peixinho é mais fácil manter distância. Não odiar o passarinho que me desperta daquele soninho gostoso porque tá "cantando" (?!) perto da minha janela. Ser menos urbana, mais natureba.


Resolução 8) Assistir novamente a um amanhecer ou por do sol na praia.


Resolução 9) Ouvir mais música, ver menos tv.


Resolução 10) Ficar amiga dos meus conhecidos.


Feliz 2009!


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sábado, 18 de outubro de 2008

Peculiaridades do México



Retomando os relatos de minha percepção dos hábitos mexicanos, não posso deixar de comentar as peculiaridades que me chamam atenção por aqui.

Além das iguanas, que mereceram um post à parte logo de minha chegada ao México (Tá lá no início do blog, nos posts de 2006), não posso deixar de comentar os jacarés. Ou crocodilos, como eles dizem por aqui.  Em Villahermosa, ao contemplar qualquer laguinho mixuruca, cuidado! Um jacaré pode vir te saludar. Aparentemente eles não tem o menor problema conosco, vide o jacaré da foto nadando serelepe pela lagoa, bem próximo à margem do prédio onde vivem umas amigas brasileiras. Na mesma margem onde brincam crianças (!?) e mascotas (animaizinhos de estimação), me pergunto se algum jacaré já teve o seu McLanche Feliz. Ojalá, não!

Além dos jacarés, existe uma outra espécie bem curiosa por aqui: o vendedor-preguiça. Desconheço qualquer parentesco com os bahianos, mas caso exista posso garantir que os mexicanos foram os precursores honorários. E não é só em lojinha pé-de-chinelo, não - porque nessas além de não te atenderem, pedem delicadamente para você vazar, caso seja hora do almoço, do café, da saída, da entrada, de falar ao telefone, ou se tiverem a fim. Em loja grande também acontece. Por exemplo: tem um balcão enorme, uma vendedora, e DUAS clientes (não são dez, só duas). Se a vendedora atende a primeira cliente e a segunda pergunta o preço de algo, que está ali, do ladinho dela, ela vai dizer pra coitada esperar a sua vez no atendimento. E assim sucessivamente, não importando se são dois esperando ou dez, se você só quer fazer uma pergunta ou experimentar a loja inteira. E essa espera pressupõe que a primeira cliente conte o número de pedrinhas que tem no detalhe da bolsa, defina o tom que melhor combine com o vestido que ela comprou tal dia... (ah sim, esta, mexicana, também conta toda a estória do vestido, afinal, prá que pressa?). A vendedora é capaz de perder mais tempo te explicando por que não vai te atender do que virando a porra da etiquetinha pra você ver o preço do produto. Fazer duas coisas ao mesmo tempo, nem pensar. Afinal, ela tem duas mãos, dois ouvidos, dois olhos, mas apenas um neurônio! Ganho por comissão? Ou não existe ou eles realmente têm problemas...


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terça-feira, 14 de outubro de 2008

Mulher expatriada


Pra quem acha que vida de mãe e dona-de-casa expatriada como eu é só "frozô" pra lá e pra cá, acertou!

Prova isso o último evento da SSA - Schlumberger Spouses Association (quer mais frozô do que essa associação?????).

Normalmente nos reunimos 1 vez por mês para um café da manhã em um hotel bacana bancado pela empresa. É uma delícia! Conversamos, comemos e muitas trabalham em obras beneficentes. Eu infelizmente ainda não tive essa oportunidade, pois com duas crianças pequenas, sem empregada e sem família por perto quem tem precisado de caridade sou eu.

Esta foto foi tirada no Dia Internacional dos países (ou alguma coisa assim), onde cada país montou uma mesa com comidas típicas e fez uma apresentação sobre a cultura de seu país. As colombianas foram vestidas a caráter, com saia rodada, flores por todos os poros e muita cor. As equatorianas, também vestidas a caráter, cantaram e dançaram três músicas, podendo ter parado na primeira... As mexicanas apresentaram o que na minha opinião o méxico tem de melhor: a comida! As argentinas... ficaram bem longe da gente!!! E dessa vez não teve briga quanto à origem do pão de queijo. E nós, brasileiras, arrebentamos com a mesa melhor decorada e uma super apresentação cobrindo o Brasil por regiões, e finalizada com o hino nacional cantado em diferentes ritmos brasileiros. Vale a pena checar esta versão do hino no YouTube, é emocionante. (http://br.youtube.com/watch?v=ppOIMD5hCH4).



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quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Para onde foi o livro?


Algumas pessoas estão me perguntando o que são os capítulos relacionados abaixo... Tive que retirar o livro daqui, mas agora esta disponível inteirinho no Clube de Autores, cujo link esta aqui ao lado. Chega lá! 

É um leve e curto Romance, entitulado "Malu & Edgar". Na visualização deste blog os capítulos aparecem de trás pra frente, mas quem quiser ler um capítulo por dia, desde o primeiro, pode acessar pela barra de ferramentas aqui no lado direito da tela. Basta clicar em "Março" e correr até o fim da página, lá está o Capítulo 1.

A figura acima é a capa do livro, que o talentoso designer André Gyurkovits bolou com elementos presentes na estória:

O Corcovado, o calçadão de Copacabana, porque a estória se passa no Rio. O poste de rua e o casal dançando tango é referência a Buenos Aires. Os drinks caindo são Pisco Sour, bebida típica peruana oferecida pelo "cupido" do casal protagonista. O verde das montanhas representa a serra fluminense, onde tudo começou. Agora vocês me perguntam: O que essa galinha está fazendo com um anel no bico no alto da capa? Essa vocês terão que ler pra saber! ; )

Divirtam-se!


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Natureza em fúria


Por incrível que pareça estamos ameaçados por uma nova enchente aqui em Vilahermosa, México. Como se não bastasse a do ano passado, que devastou boa parte da cidade - meu condomínio inclusive (foto) - mais uma vez a natureza vem cobrar o seu preço.

Se chover pra valer, alaga de novo. Nada foi feito, nem uma obrinha sequer. Para quem acha que o serviço público do Brasil é uma merda, é porque não conhece o do México. Aqui a corrupção impera, pior que no Brasil. E o que que eu ainda estou fazendo aqui? Também não sei.

Talvez a comida deliciosamente picante me encha os olhos, ou o hábito do café da manhã em grande estilo tenha me seduzido... Talvez ter um filho mexicano conte um pouco, e o trabalho do meu marido conte muito. E definitivamente, a "buena onda" do povo mexicano sempre valerá a pena.

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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

De volta!



Gente! Muito tempo sem escrever aqui, não é mesmo? É que estive muito ocupada tendo 2 filhos, que são pequenininhos mas dão muito trabalho! Um deles está aí na foto, devidamente disfarçado, afinal ainda é menor e não deve se expor. : )))) Ocupada eu acho que vou estar até que eles tenham 18 anos, mas arrumarei mais tempo para vir aqui escrever minhas impressões da maternidade, do dia a dia no México, da vida!

Um beijo e até breve.


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segunda-feira, 7 de maio de 2007

Diário de Bordo 3: Vivendo no México

Queridos amigos,

Ontem fizemos um “passeio” que não posso deixar de relatar para vocês. Trata-se do Yumka, uma área a 10Km do centro de Villahermosa, Tabasco-México, que sofre de crise de identidade. Não é nem zoológico, nem safari, nem parque. Ou melhor, de acordo com os meus parâmetros e amor ao conforto e à comodidade, pode sim ser considerado um safari (já não preciso ir a África).

Saio eu, linda, morena e escovada de minha casa climatizada, acreditando que este "passeio" seria feito dentro de um ônibus com ar condicionado (como me informou um ser bestial num hotel). Eis que o safari começa no estacionamento do local. Ao percorrer cerca de 5m entre nosso Ecosport (também climatizado) e a portaria do lugar - sob um sol de 50 graus - já estavamos todos enxarcados, sedentos e exaustos. O meu filho, coitadinho, suava tanto que parecia que ia sumir debaixo do boné - que já era tão maior que sua cabecinha de melão.

Olho para os lados e não vejo ônibus algum com vidros fumê e ar condicionado ligado. Vem a primeira surpresa: o "passeio" inicia-se com uma caminhada por uma mata que esconde jaulas de bichos diversos.

Como se caminhar sob sol escaldante já não fosse diversão garantida - além do saltinho que eu usava sobre a trilha de seixo rolado - um guia equipado com um potente megafone ia berrando em nossos ouvidos a estória de cada bicho visto. O curioso foi ver que uma trilha de formigas enlouquecidas (acho que fugiam do guia) também fazia parte da narrativa do homem. Será que eles consideram formiga um bicho selvagem? Faz sentido, se iguana é domestico...

Chegamos então à ponte-do-rio-que-cai (isso mesmo, igualzinha àquela do Faustão). Aí vocês pensam: moleza, basta segurar no corrimão. Aí eu digo: vai atravessar uma ponte dessas com uma crianca de 1 ano! Eu e meu marido só tínhamos que segurar o carrinho de criança, a criança, a câmera, duas bolsas, duas garrafas d’água, e nós mesmos, é claro. Essa parte não posso negar que foi divertida. Ver meu marido se equilibrando, empurrando o carrinho com uma mão, apertando a criança na outra (com medo de o moleque cair no rio), tudo isso com um sorriso forçado nos lábios (admitir que era roubada? Nunca!), não tem preco! E eu fui na frente, com a câmera em punho registrando tudo. Verdade que a câmera quase foi pro rio, mas que importa? Não perderia essa cena por nada.

Terminando a ponte chegamos a uma espécie de trem/jipe aberto. A-B-E-R-T-O. Não havia ar condicionado e a poeira que comi durante todo o percurso comprovou isso. Neste trem andamos por um descampado que parecia o deserto. Vimos zebras, girafas, avestruz, viadinhos, macaquinhos, entre outras bichices. O meu filho adorou o passeio, exceto pelas araras. Ele fica perto do tigre, mas tem horror a araras!

E como a estória pedia um gran-finale, quando descemos do trem e chegamos em uma espécie de Choupana, com bar, banheiros e lojinha de lembrancas; adivinha o que nos esperava?

Um teatro de fantoches infantil! Sim, com alto-falantes! E muitas, muitas criancas!

Foi de fato uma experiência única. E se isso não for considerado um safari, nada mais é. Mas não se preocupem, prometo não metê-los nesta roubada quando vierem nos visitar.

Saludos poeirentos a todos. Saudades.

Mai/2007


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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

O lado irônico de ser mãe

Depois de muito batalhar para encontrar o homem de nossas vidas (que em muitos casos talvez nem é) e casar-se com ele, a mulher finalmente engravida. A emoção vem como uma enxurrada descoordenada ao ler aquela simples palavrinha: positivo.  Conta para o pai, que na maioria das vezes vibra e chora junto de alegria! Conta para os avós-corujas que aguardavam ansiosos pelo netinho! Espera três longos meses, com a língua coçando, para contar para os amigos, o chefe, o vizinho, o mundo: o bebê vem aí!

Procura obstetra, às vezes até um pediatra, tudo tem que ser programado, planejado, cuidado. Não bebe, não fuma, às vezes nem transa. Cuida da alimentação, não come na rua, não come porcaria. Faz exercício, mas não demais. Sai à noite, mas volta cedo. Trabalha, mas enrola... Sua cabeça está dentro da barriga e nada pode mudar isso. Compra livros e revistas, fuça na internet, nunca se teve tanta informação a respeito. A barriga cresce, começam os preparativos práticos para a chegada do indivíduo. Toca comprar móveis, lavar roupa, passar uma a uma, guardar cuidadosamente nas gavetinhas forradas.

A criatura nasce. Ninguém toca, ninguém chega perto, a gente vira bicho. A amamentação é outro parto (e ninguém avisou). Põe para passear no sol. Não pode tomar vento, não pode pegar chuva, o sol deve ser fraco, não pode fazer frio. Alguém tem o e-mail de São Pedro?

Cuidados no banho. Cuidado com o umbigo, por que ele não cai? Faz curativo, senão ele fica para fora! Levanta o braço para não afogar a criança. Seja rápida para não resfriar. Escolhe a roupinha. Está suando, tira roupa. Mãozinha fria, põe o casaco. Cobre? Não, ele sufoca. Descobre? Ele pode sentir frio. Liga o ar ou abre a janela? Qual a temperatura ideal? Para os bebês-meninas, decide a mãe. Para os meninos, o pai.

Quando tirar aquela coisa gorducha e chorona do nosso quarto? Nunca se sabe, e ele vai ficando até os três, quatro meses no barato. Enfim, vai pro quarto dele. E tome babá eletrônica pra cima e pra baixo. Começa com as papinhas. O que solta? O que prende? Porque ele não faz cocô, Deus do céu! Supositório no coitado.

Rola na cama, senta, um dia entramos no quarto e ele está de pé. Põe pra engatinhar. Compra piso emborrachado, lava o tapete, limpa o chão duas vezes por dia, obriga os pobres dos visitantes a tirarem seus sapatos na porta, esteriliza a casa! Começa a andar. Compra sapatos, compra andador, compra motoca de empurrar, sob nosso olhar atento ele quer descobrir o mundo. Um belo dia você chega em casa e diante de uma cena simples percebe que sua superproteção expirou. O seu filho, aquela criança linda, saudável, rosadinha e limpinha... está lambendo o chão.


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quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Todos os sonhos do mundo

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"

Que assim como Pessoa, em 2007 tenhamos todos os sonhos do mundo.

Feliz Ano Novo.

Jan/2007


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terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Diário de Bordo 2 - Se adaptando ao México

Nossa saga em Villahermosa continua. O neném está uma graça, comendo bem, fazendo gracinhas para tudo e para todos. Começa a engatinhar. Às vezes vai igual uma minhoca, pára, olha pra gente e dá risada. Nós também estamos bem, nos adaptando aos poucos ao calor e aos costumes das terras Tabasquenhas (que para mim continuam sendo um pouco estranhas.)

Os mexicanos têm mania de grandeza. Os carros, as casas, as embalagens dos produtos, tudo aqui é gigante – curioso para um povo tão pequeno. Além da baixa estatura, eles são muito parecidos entre eles: pele morena, cabelos lisos e negros, cara redonda, fortes traços indígenas.

Descobri como é feita a contagem de 1 milhão de habitantes da cidade! Lembra que eu havia comentado na última crônica? Então, pelo menos 500 mil habitantes são iguanas. Sabe aquela lagartixa pavorosa, preta, que vive na pedra? Deve haver uma para cada habitante, no barato. Assim fez sentido:

500 mil mexicanos + 500 mil largatixas = população de Villahermosa.

Depois de 1 mês no hotel, finalmente encontramos uma casa para morar. E não foi fácil. Vimos várias casas: ou eram caras, ou eram quentes, ou eram escuras, ou eram inseguras, ou tinham bichos... Com as largatixas medonhas eu já estava me acostumando, mas em uma das casas um pequeno camundongo veio nos recepcionar na sala, olha que meigo! Foi um longo processo até chegarmos a casa que estamos hoje, de 3 quartos, num condominio bonitinho, preço justo e nenhum outro ser vivo além de nós (e as iguanas, claro).

Casa encontrada, o próximo desafio foi encontrar uma empregada. No início era só eu, o neném e a casa enorme. Além de trabalhar como uma moura, o danado do moleque às vezes me tirava do sério. Houve dias em que o desespero com seu choro, a casa zoneada, eu suja de papinha (ou coco, ou os dois) era tanto que eu sentava na cama e chorava - e ele me olhava e ria, na sua doce ignorância. Outros dias era a pessoa mais feliz do mundo por ter a oportunidade de morar fora, ter uma casa boa, uma família feliz e saudável. Sou 8 ou 80, e vivo oscilando entre estes dois estados...

Contratei uma agente, aí no Brasil, para fazer a crítica do meu livro, e se possível for, me ajudar a publicá-lo. Paralelamente a isso, trabalho nuns roteiros de seriado. Na verdade eu estava trabalhando nos roteiros até a reviravolta acontecer: mudar para São Paulo, ter um filho, e agora essa PEQUENINA mudanca para terras Tabasqueñas. Obviamente aqui - onde eu mal consigo ir no banheiro em paz - está mais difícil sentar para escrever. Antes eu tinha tempo mas não tinha inspiração, agora tenho inspiração mas não tenho tempo. Curioso como a vida dá de um lado e toma do outro.

Fico por aqui. Saudades, um beijo e até breve.

Nov/2006

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Diário de Bordo 1 - Chegando no México

No ultimo sábado finalmente aterrizamos em Villahermosa, capital do estado de Tabasco, México. A vista do avião era belíssima: céu azul sem uma nuvem, terra muito verde, lagos, casas... e nenhum prédio?! Isso mesmo, embora diga-se que a cidade tenha 1 milhão de habitantes, nao é comum ver edíficios. (Não me perguntem onde está esse milhão de pessoas, talvez enterrados no solo fugindo do calor senegalês que faz por aqui).

Os mexicanos são um povo curioso. No restaurante, só tomam refrigerante ou suco de canudo; e se você esquecer de pegar o guardanapo, o garcom taca-o no seu colo sem o menor pudor. Tomar água mineral foi uma conquista: eles chamam água com gás de água mineral e água mineral de água natural. Como descobrimos isso? Tomando MUITA água com gás.

É um povo elegante e cafona ao mesmo tempo. As mulheres já acordam coloridas, nas roupas e no rosto - é tanta sombra, tanto lápis de olho que até eu estranhei (e olha que eu gosto de maquiagem). Por outro lado, no fim de semana, não se vê um mexicanozinho que seja sem camisa social. Das ruas ao aeroporto, todos – inclusive menininhos de 10, 11 anos - usavam suas camisas sociais para dentro da calca. Falando em aeroporto, inexplicavelmente, o aeroporto e o shopping de Villahermosa são mais bonitos dos que os da Cidade do México (como se o shopping de Macaé fosse melhor que o do Rio, ou o de Campinas melhor que o de São Paulo).

Nossa epopéia continuou ao reservarmos um apart pela internet. Quando chegamos no ditocujo - um moquifão no meio do nada – meu marido teve que pular o portão do estabelecimento, pois mesmo que tivesse alguém lá dentro (o que não foi o caso, felizmente), a campainha ficava do lado de dentro da grade (bem la no fundo eles devem ter uma raiz portuguesa). Chocados, pedimos ao taxista que nos deixasse em qualquer qualquer hotel que tivesse ar condicionado e um porteiro. Fomos parar no Western-qualquer-coisa, um 4 estrelas (na concepcao do fundador, provavelmente) com cara de lanchonete americana de beira de estrada. Pra resumir, as refeições neste hotel eram um tanto quanto mexicanas demais para nosotros, de forma que ou saíamos de lá ou nao saíamos do banheiro.

Foi então que cruzamos o portal do paraíso. De longe avistamos o letreiro do Hyatt, e tudo o que pudemos fazer foi seguir em sua direcao para achar “a zona sul” da cidade. Finalmente um hotel (de fato), um shopping, e a alegria de encontrar nele meus amigos Calvin Klein, Helena Rubstein, M.A.C...

Neste mesmo fim de semana ainda encontramos tempo para alugar um carro, conhecer um pouco da cidade (nos limites da zonal sul, obviamente), e visitar uma primeira casa para alugar... mas isso é papo para uma outra vez.

Set/2006


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terça-feira, 21 de novembro de 2006

Da simplicidade da vida

Hoje pela manhã tomei meu café preto acompanhado de um delicioso mamãozinho ‘papai’, como certa vez me definiu Cleide, a diarista. Gosto de conversar com ela, porque é das pessoas simples que costumam vir as estórias engraçadas, autênticas e tocantes. E Cleide era cheia delas.

Eu a conheci há alguns anos na casa de minha mãe, em Friburgo, pouco depois de ela ter chegado da roça, ainda menina-moça. Parecia um bicho do mato, mas muito prestativa e disposta a aprender. Preparávamos um bacalhau para o almoço de sábado, quando receberíamos um casal de dinamarqueses, amigos de longa data de meu pai. Antes de sair com minha mãe para pegar a torta de morangos encomendada para a sobremesa, eu a ouvi dar a Cleide as últimas instruções de preparo do bacalhau. Já estava praticamente pronto, bastando colocar no forno com alguma antecedência para comermos na hora marcada. Buscamos a torta, chegaram os convidados e pouco depois sentamos à mesa. O bacalhau estava bonito, impecavelmente arrumado na travessa, que curiosamente não veio fumegante como de costume. Minha mãe ia servindo um a um, como gostava de fazer, secretamente aguardando os elogios. Começaram a comer, elogiando o diferente suco que bebiam e sem dizer palavra sobre o bacalhau. Nós, de casa, que adorávamos bacalhau, olhávamos com certa desconfiança para o prato. Meu irmão, tentando agradar, disse que a salada de bacalhau estava gostosa. Salada? Não era salada, era bacalhau. Bacalhau à portuguesa. Foi quando ela se deu conta que a travessa estava fria e o bacalhau cru. Cleide aparece.

― Você não pôs o bacalhau no forno, Cleide? – perguntou minha mãe.
― Coloquei sim, Dona Tania.
― Mas está frio!
― Era pra ligar?

Ela repousara o bacalhau no forno. Para que este esperasse quietinho em temperatura amena até o momento de ser servido. Rimos. O bacalhau ficou para o jantar e, graças a Cleide, naquele sábado os dinamarqueses tiveram a oportunidade de apreciar um outro prato que não deixava de ser popular na mesa dos brasileiros: arroz, bife e ovo estrelado, degustado com suco de abacaxi com hortelã, seguido de torta de morangos de sobremesa.

Desde então me surpreendo com as tiradas da Cleide. A imprevisibilidade dela me intriga. Às vezes acho que ela é ingênua, ou tola simplesmente. Já uma amiga minha, advogada, costuma dizer que de ingênuas as domésticas não têm nada. Com uma filha pequena, insiste na idéia de que existe uma máfia de babás, que se reúnem nos “Baixo Bebês” da vida onde, em reuniões organizadas, discutem salários e direitos. Segundo ela, as babás podem até ser tolas como a Cleide, mas em uma semana de pracinha a ingenuidade some, e surgem as peritas em direito trabalhista.

Naquele dia terminei o café pensando se a Cleide também ficaria assim um dia. Talvez tivesse algum tempo, afinal ainda não tenho filhos, as idas ao parquinho não seriam breves. Mas ainda assim relutava em acreditar na Cleide confabulando contra alguém. Alguém que conversava com as plantas para elas crescerem, que achava que a vacina da gripe era um pretexto do governo para matar velhinhos e, pérola maior, que as fichas telefônicas (quando então as usávamos) caíam pelo buraco do orelhão indo pelos canos até a operadora, alguém que acreditava piamente em tudo isso, não podia tramar contra alguém. Não a Cleide.



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Crônica da separação anunciada

Ela: advogada, trinta e seis anos, bonita, realista, vital, alegre. Ele: biólogo (segundo o diploma), quarenta anos, desgrenhado, sonhador, desocupado. Os dois: um filho, um apartamento. Casaram-se em 1995. Com um lugar para morar e amando um ao outro, acreditaram que o relacionamento era completo. A coroação desta idéia viria com o único filho, pouco tempo depois.

Dez anos passaram. Ela, uma executiva bem sucedida, torna-se emocionalmente independente. Ele, que nunca exerceu profissão alguma, vive do aluguel de um apartamento dos pais, uma pessoa com idéias sentado no sofá. Os primeiros cinco anos da vida a dois não anteciparam o problema, porque a paixão não deixa espaço para racionalidades. Mas eis que os anos dourados acabam e o fracasso se anuncia.

A cada vez que ela abre a porta de casa, pensa entrar no túnel do tempo - ali, em dez anos, nada mudara. Inerte na confortável posição de espectador da vida, ele torna-se desinteressante aos olhos dela, e aos de si próprio. O amor próprio acaba, com ele a paixão dela, a esperança do filho, o interesse dos amigos. Na impossibilidade de sobreviver ao tédio da total falta de admiração mútua, ela pede a separação. Ele chora, porque ainda a ama. Ela chora, porque não o ama mais. O filho chora o desamor dos dois.

Mai/2005


XXX



O poder do tédio

Hoje eu levantei às sete horas da manhã, com a empregada tocando a campainha. Normalmente é o Edgar quem atende, porque tem hora pra estar no escritório. Mas dessa vez resolveu fingir que estava dormindo e quem levantou fui eu. Hesitei em voltar pra cama ou ir pra academia. A opção maniqueísta não me agradou, de forma que o meio termo foi não ir pra academia, mas também não voltar pra cama. Terça-feira, início de semana, é igual dieta. Se já começar perdendo o rumo, a semana inteira desanda. Maluco é assim, se não tiver disciplina se perde e sabe-se lá quando volta ao normal. Ainda mais quando se trabalha em casa. Aí é que a coisa pega. Embora eu não tenha uma rotina de trabalho com horários rígidos, tento conciliar meu trabalho com o do Edgar. Se bem que no início da semana nem é preciso tanta conciliação de horários assim. Principalmente depois de um fim de semana chuvoso, um olhando pra cara do outro sem ter o que fazer. Por mais amor que exista, jamais menospreze o poder do tédio numa relação. Um dos dois fatalmente ficará tentado a quebrar a monotonia irritando o outro. Foi o que aconteceu domingo à tarde, durante o almoço. Apesar da chuva, resolvemos almoçar num restaurante na orla da praia, no Leme, onde o Edgar morava antes de casarmos. Um lugar bom e garantido de não ter fila naquele horário de domingo, o que é importantíssimo quando se sai pra almoçar às quatro da tarde, azul de fome. Quer dizer, eu estava azul de fome, o Edgar a fim de perturbar.

— Estes pratos dão pra dois? — Eu perguntei pro garçom, referindo-me ao menu de carnes, que é o que Edgar mais gosta de comer e que a minha fome aceitaria de bom grado naquele dia.

O garçom disse que dava, anotou as bebidas e saiu. O Edgar queria pedir bolinho de aipim de entrada, o que ia atrasar o pedido, atrapalhar nosso apetite e ainda por cima nos engordar. Sugeri o couvert - que era light e de rápido preparo - ele topou. Continuei olhando o cardápio, pensando em qual prato ele concordaria mais rápido em pedir. Eu estava faminta, e queria fazer o pedido antes do grupo de excursão de senhorinhas que ameaçava entrar no restaurante. Fui na Picanha na tábua, era 99% de chance de ele concordar. Ele não quis. Achei estranho e fiz nova tentativa no Churrasco misto. Apelei mencionando até a lingüicinha que acompanhava, era batata ele crescer os olhos. Também não quis. Comecei a desconfiar que ele tinha percebido minha pressa e estava fazendo doce. A essa altura eu já tinha comido todos os pães do couvert, antes tivesse pedido o bolinho de aipim. Edgar resolveu chamar o garçom.

— Você me traz uma cerveja, por favor? — Pediu Edgar, pontualmente, voltando pras azeitonas do couvert.

Tive certeza que ele queria me irritar. Era arriscado esperar eu propor todos os pratos de carne pra depois dizer que queria peixe, que ele detesta, só pra contrariar. Resolvi fingir que não percebi, mas não agüentei vendo as senhorinhas de cardápio na mão.

— Quer pedir o bendito prato logo ou ainda tem mais alguém pra chegar e pedir na nossa frente? — provoquei.
— Você quer ver uma coisa? — falou ele, dirigindo-se depois ao garçom: — Uma picanha na tábua, por favor.

A danada chegou em exatos oito minutos. Não falei nada, tratei de comer logo pro meu mau humor passar (porque fome gera mau humor). E ele continuou:

— Ta vendo como não precisa teimar comigo? Ainda mais na minha área — debochou ele.
— Sua área? Pelo que me lembro, na sua época de Leme, eu vinha aqui tanto quanto você — argumentei.
— Sabia que não ia demorar pra trazerem os pratos — continuou ele.
— Sabia nada, deu sorte.
— Não é sorte, a cozinha está ociosa.
— Ociosa ou não, custava pedir o prato logo? Eu tava com fome! E a cozinha não está ociosa, olha a quantidade de gente aqui dentro — argumentei.
— Mas lá fora tá vazio, por causa da chuva. Tem menos pedido do que o normal, por isso a cozinha está ociosa.
— Você e sua matemática aplicada a amenidades...
— É só raciocínio lógico.
— Você tá dizendo que meu raciocínio não é lógico?
— To dizendo que você é teimosa.
— E você, prático demais.
— Que mal há nisso?
— Nenhum, mas é preciso trabalhar seu lado humano. Na vida nem tudo é pura matemática.
— Teimosa e um pouco louca.
— Eu sou uma pessoa coerente.
— Você é coerente, na sua loucura.
— Ainda bem. Sem um pouco de loucura a vida seria um tédio. Mas você concorda que nem tudo é matemático?
— Claro.
— Você concorda que nem sempre as coisas são presumíveis, que tudo tem seu lado humano e seu lado exato, seu lado espiritual e seu lado físico?
— Concordo. Todos temos vários lados.
— E é por isso que a gente dá certo. Nos completamos, eu sou o lado humano e você o exato.

Achei que tinha provado meu ponto na conversa, quando um garçom derrubou um prato de uma pilha altíssima arrumada em um carrinho próximo à nossa mesa.

— Nossa! — exclamei — Para que tanto prato sobressalente se eles não tem nem onde guardar...
— Não são sobressalentes, a cozinha está ociosa — retomou Edgar rindo.

Set/2004


XXX



Da complementaridade dos sexos

Dizem que os escritores são questionadores. Que suas obras são produzidas após a indagação de determinados assuntos, seguida da vontade de registrar as conclusões tiradas de forma eficiente - por isso escrita - permitindo assim aos leitores compartilharem uma série de respostas possíveis para dúvidas comuns. Se os escritores são questionadores, as escritoras então, nem se fala. Mulher, de maneira geral, adora perguntar. Seus questionamentos são legítimos e a inevitável identificação com certas situações, divertida. Quero dizer que é reconfortante constatar que os conflitos sentimentais femininos nem sempre são causados por um defeito individual. E se for mesmo para chamar de defeito a causa de um problema de amor, que pelo menos seja um defeito coletivo, e não seu.

Mas por que a necessidade de questionar, me questiono. De modo geral as mulheres perguntam mais, avaliam mais, discutem mais. “Por que ainda não me casei?”, “Por que me casei tão cedo?”, “Por que ele me trocou por outra?”, “Com qual dos dois eu fico?”, “Em que você está pensando?”, “Você me ama?”. Ainda que algumas perguntas sejam retóricas, parece necessário confirmar para si mesma uma idéia, questionando-se inesgotavelmente na esperança de aparecer uma conclusão ainda não considerada, ou ter um grande insight sobre como agir em determinada situação.

O homem também se questiona. Mas seu lado prático o faz gastar menos tempo com perguntas e mais na objetividade das respostas. Perguntei uma vez a um amigo:

- Você acha que as mulheres questionam mais do que os homens?
- Sim - respondeu ele pontualmente.
- Por quê?
- Porque é da natureza da mulher falar mais do que o esperado.

Não havia tom de crítica, reclamação ou sequer descontentamento naquela resposta displicente. Ele de fato pensava assim e aceitava isso como uma característica feminina, não um defeito. Embora eu normalmente não aprecie a objetividade em algumas respostas masculinas, desta vez tive que concordar.  É da natureza. Se o homem fala menos me parece natural que a mulher fale mais, equilibrando a comunicação.  O mesmo para os casos onde ambos são do mesmo sexo, mas assumem papéis diferentes na relação. Se ambos calassem, como seria o diálogo num primeiro encontro? Haveria primeiro encontro? E a continuidade do relacionamento? Agora imaginem se ambos falassem com a mesma intensidade e com a mesma necessidade de respostas. Caos. Além do caos, nenhum diálogo: se todos falam, ninguém escuta, se ninguém escuta, não há comunicação, se não há comunicação, não há relacionamento.  É para viabilizar o relacionamento com os homens que as mulheres falam mais. É instintivo, é complementar, é da natureza.




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Cotidiano

Escritora, carioca, jovem. Tenho o prazer de viver na cidade do Rio de Janeiro e estar em uma ótima fase da vida: a da independência com juventude. Quem está lá ou já passou, sabe exatamente do que estou falando. É uma época peculiar, no mínimo. Falo por mim, por minha família e por meus amigos, que mostram diariamente um divertido cotidiano carioca. No Rio de Janeiro há cotidianos que não se acabam mais. Tem de tudo. A diversidade social é tão grande que a população é quase uma fauna (no bom sentido, sempre). Estava aqui pensando em um tema para uma série de crônicas do dia a dia. Algo que interessasse as pessoas não só para informar, mas muito mais para distrair. Apesar do bom humor natural do brasileiro, as pessoas andam apreensivas. Já reparam que todo mundo trabalha demais? Não há um indivíduo para qual pergunto ‘E aí, tudo bem?’, que me responda: ‘Tudo ótimo, ando tão relaxada! Meu trabalho está em dia, vamos tomar um chopinho mais cedo hoje?’ Aparentemente o estresse está na moda.

Até quem sofre de outro mal, passa a estar estressado, afinal é a desculpa do momento. ‘Brigou com o marido, Marisa? Briguei, ele anda estressadíssimo’. ‘Discutiremos esta cláusula novamente? Sim, precisamos estressar esta questão para fecharmos o contrato’. ‘Por que ela cancelou o espetáculo? Crise de estresse’. Tem até criança estressada! No meu tempo, que nem é tão distante assim, criança brincava e no máximo estressava os pais. A si própria, jamais. Mas é compreensível. Se hoje em dia até celular elas já têm, é justo sentirem-se assim. Celular às vezes estressa mesmo. Por essas e outras acredito que as pessoas precisam de distração. É isso que eu, pelo menos, ando procurando. Além do trabalho, que deve ser coisa séria seja ele qual for, nossa única obrigação é ser feliz. O resto é distração. E nada melhor do que o próprio cotidiano para distrair. Ainda mais quando se vive em um grande centro urbano como Rio, cidade que por si só já é musa inspiradora. Dia desses li num livro da doce Zélia Gattai que Jorge Amado gostava de viajar para buscar tranqüilidade e inspiração para seus romances. Refleti um pouco, e com todo respeito pela Bahia, pensei: é porque nem sempre ele viveu aqui.


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