Era uma vez uma menina que não sabia o que queria. Desde pequena, ela nunca terminava o que começava. Cursos de inglês foram vários. Segundas-feiras de início de ginástica também. Dietas nem se fala. Não se sabe como ela terminou faculdade, estágios e mais uma meia dúzia de cursos e empregos relevantes - talvez ela não tenha percebido que estivesse fazendo, talvez estivesse muito distraída vivendo.
Casou-se, teve filhos e passou a dedicar-se a eles. Uma dia ela enjoou disso também. Não deles, os filhos, mas de apenas ficar em casa, dia após dia, ano após ano, vivendo para a família. Os diplomas pendurados na parede do corredor zombavam dela todas as manhãs. A caminho da escola, algumas mães em roupas sociais e bem maquiadas (como ela um dia), beijando os filhos e correndo para o trabalho, também. Elas pareciam felizes e não faziam nada de errado. Por que para ela deixar os filhos em casa, ou numa escola integral, parecia errado? - perguntava-se ela.
Tentou então começar a trabalhar em casa usando a criatividade. Seu primeiro inimigo foi a falta de disciplina. Não conseguia se organizar para sentar-se a mesa todos os dias, num mesmo horário, para produzir meia hora que fosse. Ou eram os filhos chamando, ou o telefone, ou a empregada, ou a vizinha, ou o porteiro, ou qualquer coisa. Seu segundo inimigo foi seu relógio biológico. Tinha que acordar cedo pelo funcionamento da casa e da rotina da família, mas só tinha inpiração e concentração no silêncio da madrugada. De forma que não trabalhava, ou trabalhava noite a dentro - e que ninguém se aproximasse dela no dia seguinte. Só os notívagos sabem o que a falta do sono pode fazer com uma pessoa pela manhã.
Isso posto ela continuava sem terminar o que começava. Numa semana decidia ser saudável, e deitava-se religiosamente às 22h. Na seguinte, morta pelo tédio da vida matutina, ela jurava ao acordar mudar o turno da escola das crianças e abolir as manhãs de sua vida (ao menos as manhãs que teimavam em começar às 6h da matina). Só que logo ela também desistia desta idéia, afinal, mudar a tão bem estrutura rotina dos filhos por um capricho seu parecia não fazer sentido. E assim ela foi, começando, parando, desistindo, recomeçando, desistindo de novo, ora rindo da inconstância, ora desesperando-se com a indisciplina. Dizem que só não enloqueceu ainda por causa de criaturinhas doces, inocentes e puras, que com um simples sorriso a fazem desistir de novo de tomar alguma decisão permanente agora.
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