domingo, 20 de junho de 2010

Reflexão em tempos de cólera

Quando era menina e fazia com minhas amigas aquela brincadeira no papel que prometia revelar com quem casaríamos, quantos filhos teríamos e onde moraríamos, eu sempre estabelecia o ano 2000 como o ano do casamento. Eu teria 25 anos. Não sei o que era mais distante na minha cabeça: se a chegada de um novo milênio ou completar 25 anos. “Quase uma velha”, pensava na minha doce ingenuidade. Não lembro das minhas escolhas naquela época, mas certamente não coincidiram com a idade em que casei, o número de filhos que tive e muito menos os lugares onde morei. Daquele tempo sobrou pouca coisa de mim.

Sempre tive uma espécie de ressentimento com a geração seguinte a minha e com o processo de envelhecer em si. Se quando criança os mais velhos ditavam a hora de tudo, na adolescência eles continuavam a querer me controlar. E tudo acontecia rápido demais para eu entender. Tornando-me adulta achei que estaria no controle, mas era apenas aquela doce ingenuidade voltando a me visitar. O ressentimento com o fato de envelhecer tornou-se cólera quando percebi que o romantismo, o idealismo, e tantos sonhos vão se apagando com a maturidade. É um ceticismo involuntário e uma praticidade necessária que nos assoma, e passa por nossa vida como um trator. Sem contar os efeitos do tempo. Ah, os efeitos do tempo... Ficar triste por ganhar rugas não é um sentimento superficial, como muitos pensam. Ou ninguém se lembra do que sentiu quando viu aquele velho conhecido, o atleta lindo e badalado da escola, careca, barrigudo e acabado?

Primeiro pensei em tudo o que podia fazer para não ficar velha. Vendo que isso era impossível, pensei em tudo o que podia fazer antes de ficar velha. Na mescla de imaturidade e ignorância que tomava conta de mim, simplesmente quis entender como os mais velhos são felizes. E tive a resposta em uma situação corriqueira.

Um dia, ao descer para a academia do prédio, resolvi conversar com minhas companheiras do horário, pra ver se o tempo passava mais rápido na esteira. Duas senhoras modernosas na casa dos seus sessenta e poucos anos, pelo menos. Faziam esteira e depois musculação, conforme o manual de vida saudável que adotaram, no melhor estilo Lucília Diniz. Já as tinha visto tagarelar nas semanas anteriores. Falavam e davam risadas sem parar, às oito da matina. Nas primeiras vezes que as vi falando assim tão cedo, tentei fazer a engenharia reversa para descobrir a que horas teriam acordado para estar naquela rotação às oito. Não consegui concluir porque sua diversidade de assuntos me distraía. A pauta daquele dia era cinema. Os filmes que viram no passado eram vivas lembrancas, os vistos naquele mês alvo de duras críticas. Passearam um pouco por culinária, televisão, voltaram ao cinema, depois falaram em viagens, os malefícios do sol, e terminaram trocando receitas de salada. Pareciam felizes.

Em nenhum momento elas discutiram problemas familiares (que certamente tem), se lamentaram por qualquer coisa ou tocaram em assuntos densos. Tinham saúde e disposição, e todo o resto era pequeno demais para importar. Viviam um dia após o outro, com simplicidade. E a resposta me pareceu estar justamente na leveza da vida delas. Em priorizar o que lhes fazia bem, e não o convencionalmente mais importante. Na vida delas o destino era o que menos importava, a melhor parte era aproveitar o trajeto.


XXX



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