terça-feira, 24 de setembro de 2013

A campeã de citações nas redes sociais





Escolher as Pílulas Literárias do blog não tem sido fácil.  Não só pela indecisão crônica que habita em mim, mas pela infinidade de grandes autores neste mundo. À parte isso, para ser coerente com a idéia da "pílula" (pequena dose) devo ser concisa, tarefa difícil quando se fala do que gosta. Mas tentemos.

Hoje escolhi Clarice Lispector (1920-1977), a campeã de citações exageradas nas redes sociais. Quando comecei a ler frases suas fora de contexto, ou de autoria duvidosa, pensei que sua literatura estivesse finalmente caindo no gosto do grande público, no banal, no lugar comum, justamente o lugar comum sob o qual ela mostrava seus mais abstratos pensamentos.

Tenho uma vaga lembrança de Clarice na escola, porque sua literatura definitivamente não é coisa para criança ou adolescente (tal e qual os olhos oblíquos de Capitu. E é por isso que tantos jovens deixam a escola odiando literatura, inadequação). Conheci sua obra na faculdade, através de um pequeno conto chamado "Amor", de Laços de Família.  No conto, uma dona de casa com marido, filhos e uma vida perfeita pega um bonde e no trajeto ela vê um cego mascando chiclete.  Um cego mascando chiclete.  Uma cena banal que a perturba e desencadeia um monstro dentro dela, que a faz questionar o quanto sua vida não era tão moralmente perfeita e sadia assim. A culpa, explícita ou implicitamente, é um elemento sempre presente na escrita da autora.

Clarice é para poucos.  Não é e nunca será popular.  Mas é aquela autora que te sacode com três linhas.  Essencial.  E "Amor" é um texto curto que mostra com primor a essência da literatura Clariciana.

"Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito."


O conto completo está aqui: http://www.releituras.com/clispector_amor.asp


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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Um ótimo filme para as crianças (só que não)







O highlight nem tão high assim do fim de semana infantil foi a nova animação da Disney, o filme "Aviões".  

Bonitinho, 3D, ótima dublagem (Ivete Sangalo na voz do avião baiano 'Carolina' está ótima!) e as tradicionais piadinhas que fazem o filme divertido também para os adultos.  Com a estória de um aviãozinho pulverizador que sonha em competir com aviões de corrida mas tem medo de altura, logo vemos que estamos no mesmo universo de "Carros"(*), mas com metade da ação e arranjo musical do precursor.  Boa parte do começo do filme é uma conversa quase técnica entre os aviões e... "Eles não vão voar?", "Do que eles estão falando?", "Podemos comprar mais pipoca?" para as crianças.

A qualidade Disney continua valendo o ingresso do filme, que acaba sendo muito mais divertido para crianças maiores de 7 anos. 

(*) Pra quem não lembra, ou não viu, ao conferir o soundtrack de "Carros" vai entender a referência:

http://www.youtube.com/watch?v=X3HlFewKByw (Real Gone, Sheryl Crow)
http://www.youtube.com/watch?v=A82who93D4Q (Route 66, John Mayer)




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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Superplayer

Se você usa outro aplicativo para ouvir música, esqueça!

Mas antes de mais nada quero abrir um parênteses aqui, dada vergonha da condição política atual no Brasil. Quero mostrar minha não-alienação e profunda revolta com a impunidade esfregada em nossa cara diariamente.  Mas acho que estamos no caminho certo ao protestar e apontar cada vez mais as mazelas, a inoperância e os acintes de nossos dirigentes. Dedo na cara deles! Fecha parênteses. 

A quinta musical de hoje é uma propaganda descarada e eu não estou ganhando nada com isso.  Mas criações genialmente simples me fascinam.  Por isso, e por um mundo "onde a simplicidade seja o último grau de sofisticação" (com mais Da Vinci fica fácil), divulgo mesmo.  Também devo dar os créditos à fonte de meu descobrimento: o 2Beauty (sim, novamente ele! Grande achado para feminices, embora este post nao seja feminice!)

Trata-se do Superplayer, um aplicativo para ouvir música como se estivesse ligado a uma rádio, sem os chatos comerciais ou baboseiras ditas pelo locutor. Até aí nada de novo. A sacada é a estrutura do aplicativo. Você pode escolher o que quer ouvir por gênero (pop, rock, soul, whatever), como pessoas normais faziam até então, ou você pode escolher por seu estado de espírito.  (No fundo sempre usamos este critério, apenas mais velado através dos gêneros).

O menu é simples e a interface mais fácil ainda. Abrindo a lista de categorias você logo verá as seguintes opções: Gênero, Atividade, Sentimento, Parceiros e Especiais.

No item Gêneros está o que já conhecemos, mas com vastíssimas opções que vão do "Indie Folk" ao "Hard Rock", passando pelo "Death Metal" até um suspeito "Funk Proibidão".  Sem esquecer dos tradicionalíssimos Pop, Rock, R&B, House, etc.

No item Sentimento temos os estados de espírito em suas mais toscas formas: "Animado", "Desiludido", "Motivado" (essas são ótimas pra corridinha!), "Vingativo" (?!), "Mafioso", e a que melhor delas: "Aloka"!

No item Atividade temos as sugestivas opções: "Churrascão com a Galera", "Focando no Trabalho", "Sensualizando"(essa é ótima!), "Entretendo a galera no escritório", "Meditando", "Puxando Ferro", "Cozinhando", "Cantando no chuveiro" e até "Impressionando amigos Hipsters".

No item Especiais aparece: "O Melhor do Grammy", "Melhores para os coroas", "Heróis da Guitarra", "Codigo Tarantino", "As Melhores do Cinema" e por aí vai. Fecho com o item que não entendi bem o nome, Parceiros, mas cuja categoria encontram-se peculiaridades como: "Morando sozinha", "Mundo surdo", "Corre mulherada", "Só track boa", dentre várias outras igualmente pitorescas.

O aplicativo é gratuito e está disponível para a maioria das plataformas celulares. 



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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Chaplin e Robert Downey Jr.

Assisti recentemente a autobiografia do Chaplin, interpretado com semelhança e talento assustadores por Robert Downey Jr.  Além da genialidade para a comédia simples e a sensibilidade daquela expressão corporal única (dos dois), me surpreendeu a humildade com que Chaplin voltou aos EUA, depois de expulso do país, para receber o Oscar.  Que palavras simples, e doces, e que dizem tudo.  Não deixem de ver! O discurso e o filme!





O link para o discurso é: http://www.youtube.com/watch?v=wpR9xRzYHok


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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Freud explica

Eu sei, eu sei, o médico austríaco Sigmund Freud tem muito mais visibilidade como psicanalista do que como literata.  Mas não neguemos que as duas condições estão intimamente ligadas.  Com todo o respeito (e pouco conhecimento) que tenho pela psicanálise, e pelo senhor seu pai aqui tema deste post, foram algumas de suas frases soltas e dissociadas dos complexos conceitos hipnóticos-sexuais-sonhadores que mais me cativaram. Vamos a elas.


"Nunca tenha certeza de nada, porque a sabedoria começa com a dúvida."

"O pensamento é o ensaio da ação."

"O sucesso substitui todos os argumentos."

"O novo sempre despertou perplexidade e resistência."

"O intelecto nunca descansa até conseguir audiência."

E a mais linda delas...

"Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio."



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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Respostas cretinas para perguntas imbecis

Quem pensava que MAD não era cultura, enganou-se redondamente. Aquela revista sabia das coisas.

Às vezes ouvimos o apito do trem mas não sabemos de onde ele vem. É o caso da idéia comentada por Camila Morgado em um programa de TV e depois desenvolvida por Martha Medeiros em um de seus textos. Ninguém sabe de onde veio o pensamento, mas é tão atual e pertinente, que talvez não precise.  

Diz Mario Quintana que "Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são nossos chatos prediletos". Essa portanto é dedicada a você, meu chato amigo, parente, conhecido predileto! Boa semana!



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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Tatuagem é ansiedade

Segundo a Wikipedia, "ansiedade, ânsia ou nervosismo é uma característica biológica do ser humano, que antecede momentos de perigo real ou imaginário, marcada por sensações corporais desagradáveis, tais como uma sensação de vazio no estômago, coração batendo rápido, medo intenso, aperto no tórax, transpiração etc".

Só com esta definição já daria para escrever um compêndio, mas vamos por partes.  O que mais me chamou atenção na explicação acima foi a antecedência do perigo imaginário.  Em pelo menos 70% das vezes, no meu caso e com um percentual benevolente, o "perigo" é de fato imaginário, e as sensações biológicas diferentes: sensação de vazio na alma - não no estômago, inquietação inconsciente, impaciência extrema e azedume crônico.  Quem nunca?  Por muito tempo não identifiquei nenhum destes sintomas como ansiedade, julgando ser causa a insatisfação com a vida profissional, com a vida pessoal ou com o pão que insistia em cair com a manteiga para baixo.  Pareceu-me claro que a razão não podia ser tão pontual ou besta assim, e comprovei isso à medida que fui me satisfazendo profissionalmente, pessoalmente e não me incomodando tanto com besteiras.

Na minha humilde filosofia de chuveiro, que segundo Fred Elboni (@entendaoshomens no Twitter) "serve para pensarmos na vida e ensaiarmos diálogos que nunca serão ditos", concluí que ansiedade é igual hipertensão: uma doença silenciosa e muitas vezes difícil de diagnosticar.  Não satisfeita em identificar e tratar (há controvérsias) a minha, fui reparar na ansiedade alheia.

A única forma de identificar a ansiedade no outro é observar seu comportamento.  Mulheres normalmente são mais ansiosas por conta da vida sentimental.  Homens por conta da vida profissional (há controvérsias).  O que a mulher faz quando está ansiosa?  Se você pensou "merda", pensamos juntos, mas não, não é bem assim.  Caímos mais no ato vazio do que no ato errado propriamente dito.  Na solidão, por exemplo, tendemos a impor a necessidade de ter alguém legal ao lado para estar plenamente feliz.  E até esse alguém legal aparecer, vamos saindo com um alguém qualquer, até os errados.  Ou trabalhamos feito loucos. Ou saímos desesperadamente para não encarar a casa vazia na sexta-feira à noite.  Ou compramos compulsivamente. Ou malhamos exaustivamente. Ou nos tatuamos.


A tatuagem me parece um ótimo exemplo de ansiedade, ou melhor, de contimento de ansiedade, já que aplaca a ânsia de fazer alguma coisa forte e definitiva.  E falo com propriedade (e não com crítica) pois tenho uma tatuagem.  Tenho uma única tatuagem, tribal, que fiz lá pelos 26 anos e que não significa absolutamente nada (ok, alguns dizem que significam crenças que determinados povos seguem, mas garanto que a maioria nesta época guiou-se apenas pelo senso estético).  É a fase em que temos pressa para tudo.  De crescer no trabalho, de ganhar dinheiro, de viajar, de gastar, de comer, de emagrecer, de ser incoerente, de ser amado, de ser feliz.  Queremos tudo ao mesmo tempo agora e para ontem!  E o que eu fiz? Uma tatuagem.  Que não mudou em nada meu então estado profissional, sentimental ou físico, mas mudou o psíquico.  Porque, por algum motivo, aplacou a vontade de sair da inércia, de não ficar de braços cruzados, de ver alguma coisa importante acontecer - e quer algo mais importante do que o permanente?  Fora a rebeldia associada, beeeeem antigamente, com a presunçosa idéia do "quero chocar o mundo" - como se desenhar no próprio corpo devesse ter alguma interferência no outro...


Não me arrependo de ter feito, pois tive a luz de colocá-la em um lugar discreto, que pouco vejo.  (Nada contra quem tatua até a testa.  Particularmente só não gosto mais de coisas tão definitivas assim). Mas me arrependo de não ter escolhido melhor o desenho que passaria o resto da vida comigo.  Que pelo menos tivesse um significado, ora essa.  Então, há alguns anos, em um surto de necessidade de dar sentido às coisas, pensei em transformar a tribal em uma iguana (bastaria desenhar uma cabeça estilizada inclinada na ponta superior). Seria uma homenagem ao México, uma pátria que me acolheu por anos e por qual tenho infinito carinho.  Mas parei, segurei a vontade de querer achar sentido em tudo, acalmei a mente, pensei bem e vi que era só ansiedade.

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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Era óbvio

Só mesmo uma artista do naipe de Marisa Monte para fazer uma música com esta melodia, e este arranjo, e esta letra pouca e singela.  Quem é rainha nunca perde a majestade. Continua sendo óbvio.

ERA ÓBVIO

Todo mundo via
Era óbvio que havia
E eu não sabia não
Era uma confusão
E demorou
Todo mundo achava
Que entre nós algo rolava
E eu não sabia nada
Eu nem desconfiava
E agora que eu sei o que eu sentia
E que você também queria
Resolvi te procurar
Estava só pensando de repente
Se a gente algum dia
Pode ainda se encontrar


Escute aqui: http://www.youtube.com/watch?v=CfuujB5bPIk




quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Pílulas Literárias

Mark Twain
Hoje quero inaugurar uma nova sessão no blog, pois o vento da mudança continua soprando!  São as "Pílulas Literárias".

Trata-se de pequenas e indolores doses de literatura, que de forma breve e sucinta trazem rápidos pensamentos (cujos pensadores provavelmente levaram muito tempo pensando).  O formato curtinho é para que a leitura não se torne cansativa aos olhos de leitores mais ansiosos ou imediatistas. (Sempre tive a impressão de que pessoas imediatistas não têm tempo para a literatura. Não por não gostarem, mas por não terem paciência de aguardar o decorrer da estória linha após linha, e assim apreciar a arte dirigida pelo escritor mas produzida por sua própria imaginação. Diferente da tv e do cinema, onde o produto vem pronto, bastando você assistir o que alguém já imaginou por você).

Voltando às Pílulas, elas serão pequenas frases ou trechos de escritores célebres (ou nem tão célebres assim, ser bom neste caso me parece suficiente). Além do propósito da mensagem, vejo mais duas vantagens nas Pílulas: primeiro que é uma forma fácil de nós, ansiosos (sim, eu leio; mas sim, também sou ansiosa e muitas vezes tenho preguiça de ler) estarmos ligados a idéias interessantes; e segundo que é uma maneira de atualizar este espaço com mais frequência e com a arte que mais aprecio: a de contar estórias.  Seja pelos livros, pelo teatro, pelo cinema, pela tv, pelos quadrinhos, pelo facebook...

Para inaugurar a sessão pensei em uma frase que tem a ver com literatura, com clássicos literários mais precisamente, e é de Mark Twain, consagrado escritor e humorista considerado o pai da literatura norte-americana (1835-1910).  Twain definiu o clássico literário como

"Aquilo que todos gostariam de ter lido, mas ninguém quer ler".

Espero que queiram, ainda que por pequenas pílulas. Bom dia!



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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

The wind of change


Ou no bom e velho português claro: O Vento da Mudança.   Há alguns dias resolvi reformular este site, talvez motivada pela descoberta casual do blog de uma menina, a Marina Smith (o blog é o 2beauty), que fala essencialmente de maquiagem e beleza, mas traz implícito estilo de vida, gostos e preferências em diferentes aspectos.  Por algum motivo ver o site dela tão bem elaborado, atualizado com frequência e bombando no território virtual, me animou a mudar alguma coisa por aqui. (As mudanças geralmente precisam de faíscas. A autocombustão dentro de nós até existe, mas é raríssima!)

Comecei então pela aparência, que é mais fácil.  Conteúdo sempre é mais difícil de encontrar, tanto em pessoas como em coisas.  Com todo o amor que tenho pelo Rio de Janeiro, já não aguentava mais olhar para aquela foto estática azulada do Pão de Açúcar que ilustrava o cabeçalho aqui de cima.  Lembrei então que muitos dos sites bem sucedidos são aqueles onde há uma maior identificação do público com o autor.  Então por que não por fotos do meu dia a dia? (E isso nada tem a ver com narcisismo, só não me parece adequado expor imagens não autorizadas de outras pessoas).  Aí vocês podem pensar naquele velho papo da autoexposição, que eu mesma já falei por aqui.  Também pensei. Mas concluí que ou bem eu escrevo ou bem eu não me exponho.  É impossível escrever sobre comportamento humano com total imparcialidade (a gente até tenta, mas os mais perspicazes sempre percebem o posicionamento do autor). Ou seja, por mais que me preserve alguma exposição sempre haverá. Ossos do ofício.
 
Mudei a aparência e acrescentei uma descrição do blog (ainda que muito sucinta e distante do que queria, mas beleza), explicando a origem do nome e o critério de definição de conteúdo.  A origem do blog foi mais fácil, e acho que foi o que deu o viés para as idéias de hoje.  Difícil mesmo foi redefinir conteúdo.  Por mais que adore maquiagem e este mundo de moda & beleza, que está fazendo de blogueiras verdadeiras empresárias do ramo, não me vejo escrevendo sobre isso.  Até por que posso deixar o Instagram para tal, que serve muito bem a este propósito (uma imagem vale mais do que mil palavras!). (Vocês repararam como eu gosto de parênteses, né?).  O fato é que minha praia sempre será o comportamento humano.   O relacionamento humano, para ser precisa, com todos os seus contrastes, desajustes, altos e baixos. 

Criei este blog em 2006, embora os primeiros textos tenham sido escritos em 2004. Lá se vão quase 10 anos.  Eu já era formada, já tinha conquistado minha independência profissional, era solteira e queria me casar, como boa parte do sexo feminino entre a (controversa) faixa de 25 a 35 anos de idade.  E este estado de espírito era claramente refletido nos textos daquela época.  Depois, à medida que a vida foi mudando, os textos também foram.  Novos ventos.  Alegrias, crises, conquistas, hiatos e toda a felicidade e tristeza correlatas.  Novos ventos.  Mudanças de cidades, de estado civil, de estado de espírito.  


Percebi que não preciso redefinir conteúdo algum aqui, porque ele se redefine sozinho, como a vida.  Em 10 anos eu mudei tanto, e quis tantas coisas diferentes, e estive feliz e triste tantas vezes que me dei conta de que nós simplesmente não vamos parar de mudar.  Não enquanto estivermos vivos. Não enquanto não estivermos inertes.  Não enquanto não conquistarmos tudo.   E nunca conquistaremos tudo, porque o tudo de 10 anos atrás vai ser sempre muito diferente do tudo de hoje.





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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Das redes sociais

Há algum tempo ando tentada a escrever sobre o comportamento das pessoas nas redes sociais.    Não só pela logística da ferramenta me fascinar, mas por constatar que a rede de contatos diz muito sobre quem somos.  Os amigos são o resultado mais concreto de por onde você andou, como viveu e provavelmente vão influenciar diretamente a sua forma de pensar.

Na minha lista de amigos, por exemplo, 10% atuam na área biológica (médicos, enfermeiros, veterinários, fisioterapeutas). 13% atuam no que chamei de “áreas diversas” (fotógrafos, comerciantes, músicos, pilotos, esportistas). 18% atuam em humanas (advogados, jornalistas, publicitários, psicólogos, educadores). 26% são estudantes, do lar ou malucos que conhecemos por aí e podem estar fazendo qualquer coisa neste momento. 33% eu classifiquei como pertencentes ao mundo corporativo (engenheiros, profissionais de TI, marketing e administração).  Fora a porção de estudantes e malucos que não se encaixam em nenhuma categoria, os dois maiores percentuais se assemelham à minha formação: 18% tiveram a mesma base acadêmica e 33% convivem no mesmo ambiente profissional.  Embora as redes sociais não devam em absoluto ser fonte de informação, não podemos menosprezar (visto os últimos acontecimentos no país) seu poder de influência e mobilização. Assim que, a grosso modo, é o meio desse percentual maior de amigos que vai determinar os pontos de vistas de maior interesse para a sua realidade, influenciando diretamente a sua forma de pensar.

Outra coisa que chama minha atenção é a questão dos amigos em comum.  Você tem 80 amigos em comum com uma pessoa que estudou contigo no jardim de infância e você não vê há 25 anos, e apenas 20 amigos em comum com aquela parceira da faculdade com quem você viveu colada nos últimos 10 anos e sabe tudo da sua vida. O que me sugere que embora símbolo de modernidade, a rede social veio também para resgatar o passado.  Ao olhar parte da lista de amigos a sensação é de abrir o livro do ano da escola – Yearbook (daí o conceito do nome Face book), ou abrasileirando, ver a nossa foto de turma.  E sem sair de casa, sem marcar um encontro, interagindo sem interação, você tem a chance de ver aquelas pessoas hoje.  Não só ver, saber.  Saber como estão, se o tempo foi cruel ou bondoso com elas.  Com quem se relacionam, como é sua ligação com a família, seus hábitos, em que trabalham, que lugares frequentam.  Em alguns casos podemos saber bem mais do que isso: o que comem, quando se exercitam, para onde viajam, com quem saem, sua filosofia, se a sua vida é um mar de felicidade ou de revolta.

As tribos na rede social são fácilmente identificáveis. Há os que só comentam política. Os que só falam do trabalho. Os que respiram futebol. Os que vivem exclusivamente para os filhos. Os que estão ali só para se divertir com superficialidades. Os que acham que não estão se expondo postando e curtindo mensagens subliminares (ou não) de filosofia de vida. Os que fazem de tudo um pouco. Os que dizem tudo e quase sempre não dizem nada com grandes frases de efeito. Os que se vangloriam de sua liberdade, de sua atribulada agenda, de sua independência emocional, mas tristemente não se desligam nem nos fins de semana, ou na presença real de amigos e família, vivendo conectados permanentemente em um relacionamento sério com o computador ou celular. Poucos são os que postam mensagens do que estão pensando, quando a pergunta é justamente essa: “No que você está pensando?”. É incapaz de puxar papo com uma pessoa que lhe interesse para não parecer interessado, mas curte todas as vírgulas que ela posta. Postar 3000 fotos de si mesmo, dos lugares onde está ou do que está comendo não é exposição, mas de uma idéia que lhe passou pela cabeça, é. 

Também vejo a imagem da felicidade soberana e absoluta na rede. Compreensível.  Se no mundo real não expomos nossas fraquezas e não queremos despertar pena ou consternação, por que expô-las em uma rede virtual?  Então esbarramos em outra questão: o que expor?  Seu trabalho? Sua arte? Seu gosto musical? Suas conquistas? Seus filhos? Seu relacionamento? Sua carência de relacionamento? Sua visão política? Sua filosofia de vida? Sua satisfação ou insatisfação com o que quer que seja? Sua beleza em frente ao espelho? E para cada uma dessas perguntas você conhece pelo menos uma meia dúzia de amigos que responderia “sim”. E você muitas vezes critica quem expõe tudo isso, mas também se expõe.  Porque em algum nível sempre há exposição, a menos que você seja um voyeur.  E não poste nada, nunca. De forma alguma imponho aqui tom de crítica, o que definitivamente não é. Aceito e principalmente me divirto, com todas as cabeças pensantes (umas mais, outras menos) que habitam o meu mundo virtual. Até porque só criaram o botão “curtir”, não o “julgar”.


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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Venda caro a sua paz


Há algum tempo venho tentando manter a calma. A frase parece banal, mas no mundo apressado, violento e raivoso em que vivemos, não tem nada de simples em tentar manter-se zen.  É um exercício diário de tolerância, autocontrole, equilíbrio, e que raramente é executado de forma completa e bem sucedida. 

A desestabilização emocional vem de diferentes fontes e em diferentes escalas, mas curiosamente, quando já se vive estressado, é preciso muito pouco para se irritar. É quase como se o motivo besta fosse inversamente proporcional ao tamanho da irritação.

O que te irrita? Não classifique miséria, fome, doença, guerras, corrupção como coisas irritantes. Estas têm um espectro infinitamente maior, melhor relacionado à revolta, repulsa, ódio.  Irritar é pequeno. É pequeno para quem ou o que provoca e para quem sente.  E fica pequeno se você consegue manter a paz interior, se você consegue encontrar o Buda que existe dentro de todos nós, mas torna-se um monstro se a inércia vencer. 

São as pequenas coisas que fazem uma pessoa irritada ter reações grandes. É o despertador em uma manhã de sono, é o chefe impaciente, o sermão em hora errada.  A economia porca do que quer que seja.  É gente desocupada quando você está ocupado. É gente falando quando você precisa de silêncio.  É sala de espera com uma espera interminável. É a segunda-feira de manhã que chega rápido demais e a sexta-feira à tarde que não acaba nunca.  É celular caindo na caixa postal quando você realmente precisa falar com a pessoa. É o reaproveitamento de material/sentimento que foi feito para ser descartável.  É gente resmungando. É perda de tempo. É o prolixo e o desnecessário.  É o “Eu te disse”.

Alguém que insiste em te dizer o que fazer também é irritante. Mas ainda assim, eu te digo: venda caro a sua paz de espírito. Tenha paciência. E não se irrite.



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segunda-feira, 20 de maio de 2013

Crônica sobre crônica





Um texto que gostei muito, extraído da coluna de Joaquim Ferreira dos Santos, em 2005.

Arembepe

"(...) Escrever crônica é atividade como outra qualquer, como se pode ver no receituário específico disponível no manual de redação. Não tem mistério. Faça a sua. Primeiro refoga-se um assunto em azeite de filosofia balsâmica. Se ele não crescer, tente outro, e depois outro e quantos outros forem necessários. É a alma do negócio, o coração da alcachofra. Na panela que leva ao cerebelo direito, você deixa os verbos cozinhando em banho-maria. Na outra, a que conecta com os fios do coração, reviram-se vírgulas e salsinhas com uma colher de nervos de aço inoxidável. Salpique de adjuntos adverbiais, pimenta branca, craseie sem medo, amasse com faca os vícios de linguagem, retire mesóclises, preposições adversativas e aposte tudo no perfume do tomilho em pó. Leve ao fogo alto, essa meia dúzia de bocas azuladas por debaixo da sua caixa cefálica, e espere. Não tem tempo exato de cozimento. Pode durar horas. Vareia. Nada de pânico se a crosta da massa não ganhar consistência. Acontece. Às vezes não vem. Nessas horas, lembre-se de Drummond e peça dois dentes de alho emprestados. Deixe dourar.

É da vida de quem cozinha crônica. Tem dias que o bolo sola, noutros, a mão boa, ele cresce bonito. Vai entender! Não pare de mexer que é pra não embolar o estilo. Um dedo de manteiga sem colesterol nos adjetivos. Esprema bem a testa contra a sobrancelha. Dói. Lembra daquela expressão “queimar as pestanas”, que os antigos usavam no sentido de pensar? Pois, então. Dói. Arde. Muito. Quando o primeiro filete de sangue escorre lento e quente pela ruga do frontal esquerdo é sinal de que a coisa está próxima do ponto de ebulição. Cuidado com os advérbios de modo e o queijo parmesão. Mexa com imaginação, sal ao gosto e comece a escrever."

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Meu livro no Clube dos Autores!



Gente! Meu livro já está disponível para venda (impresso e e-book) no Clube dos Autores!
É fácil, rápido e barato! : ))

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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dos prazeres da vida



Sol de inverno. Chuva de verão. Banho de rio. Escutar uma cachoeira. Mergulhar no mar. Lua cheia. Lareira. Ganhar flores. Alimentar um animal. Pisar na grama descalço. Fazer castelos de areia. Observar o horizonte na praia. Identificar formas nos contornos das montanhas. Banho quente numa noite fria. Cheiro de chuva.

Carinho de mãe. Proteção de pai. Cumplicidade de irmão. Sentir o bebê mexendo dentro da barriga. Gargalhada de criança. Observar um filho enquanto ele dorme. Rever fotos de infância. Saber envelhecer. Saudades saciáveis. Ter liberdade. Sentir-se querido. Reconhecer traços seus nos seus filhos.

Queijos e vinhos. Torta de limão, feijoada e comida de vó. Emagrecer. Andar de bicicleta. Bolas de sabão. Balançar na rede. Massagem. Cama quente. Lençois limpos. Dormir. Sonhar. Não ter hora para acordar. Ter saúde e tempo, e consciência das duas coisas.

Um bom filme. Um bom livro. Promoção no trabalho. Dinheiro bem ganho e bem gasto. Férias. Carnaval. Dar o troco bem dado e merecido. Ganhar um concurso. Sextas-feiras. Chopp com amigos. Roda de violão. Shows de rock. Dançar. Cantar a música junto com o cantor. Ouvir uma boa estória. Ganhar na loteria. Formar-se no que quer que seja. Concluir o que começou. Ser reconhecido por seu trabalho ou sua arte. Compreender a intenção de um artista. Saber jogar. Saber perder.

Ter um amor. Achar que encontrou sua alma gêmea três vezes por ano. Beijo com paixão. Beijo com amor. Beijo. Rir e chorar com a mesma facilidade. Acalmar um bebê. Perceber um detalhe que muda o todo. Não arrepender-se do que fez. Corrigir uma injustiça. Viajar. Acreditar em Deus. Ter os cinco sentidos. Ensinar. Aprender. Entender.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ferramenta voyeur



Voyeur: palavra francesa para designar pessoa que assiste, para sua satisfação, às manifestações (de sexualidade) de outrem”.

Embora o Facebook não tenha a pegada sexual do ato voyeur, se aproxima bastante do conceito, como a melhor e mais potente ferramenta da atualidade para xeretar a vida alheia, incluindo amigos e os desconhecidos mais inocentes que não protegem seus perfis de estranhos.

Grande parte dos meus amigos passam horas conectados ao site.  Não exclusivamente dedicado a ele, às vezes no escritório trabalhando, às vezes em casa assistindo tv, mas com o programa lá, aberto e status online bem redondo e verdinho.

É uma companhia. Você deixa de estar em casa sozinho para estar em casa com outros 32 amigos online, provavelmente fazendo nada junto com você. Sem contar aqueles que estão online mas querem parecer offline - como que se aquela barrinha lateral direita não dedurasse seus movimentos na rede... Para parecer offline deve-se agir como voyeur: não comente, não curta (ok, mentalmente pode curtir sim!), apenas observe.

Uma coisa curiosa é que as pessoas com quem mais temos amigos em comum não são nossos atuais amigos próximos, mas os amigos de infância. Aquele que não vemos há anos, que quando passa na rua muitas vezes finge que não te vê, mas que na rede é seu irmão-brother-parceirão de todas as horas. Tenho uma dúzia de amigos comuns com a minha melhor amiga real, mas com aquele menino que apenas estudou no mesmo colégio que eu na infância, e que não é absolutamente um amigo meu, tenho oitenta amigos em comum. Quem explica?

O fato é que as pessoas parecem sentir cada vez menos falta de contato físico. E boa parte não se importa com o passeio que fez, por exemplo, mas se importa se a foto no passeio ficou boa, para mostrar onde foi, com quem e o que esteve fazendo. Vida real? Encontro? Nada disso parece ter muita importância se você saiu bem na foto e sua felicidade está lindamente exposta para os outros... De onde vem essa fome voyeur e paradoxalmente exibicionista que temos? Da facilidade de encontrar respostas e tirar conclusões do que vemos na rede? Possivelmente, ainda que tantas vezes estas conclusões sejam equivocadas.


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Da superficialidade da vida

(de 2011)

Meu interesse em você são os melhores e mais superficiais possíveis. Quero amizade com leveza, paixão sem posse e amor sem cobrança. Quero que você seja livre para ir e voltar conforme sua vontade, e para sumir conforme a minha. Não, isso não funcionará a longo prazo. Mas por um tempo quero me dar o luxo de não pensar a longo prazo. Quero poder ser imediatista, priorizar a emoção à razão. Quero ser intuitiva e me deixar levar por sua aparência, sua energia, sua falta de compromisso com o mundo. Quero comer sem contar calorias e beber sem pensar no tamanho do porre. Quero pensar no hoje sem me preocupar com o amanhã. Quero não ter horários ou limites. Quero essa felicidade fugaz, arredia, surpreendente, original, genuína. Só por hoje.

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segunda-feira, 18 de junho de 2012

O sítio arqueológico de Palenque


Mais um trechinho do livro novo!

(...) Uma hora após o jantar um dos irmãos de Consuelo acendeu a fogueira, e toda a família se reuniu em volta dela. Ninguém sentava muito próximo às chamas, Palenque era uma região absurdamente quente e a única finalidade da fogueira era iluminar aquele lugar onde a eletricidade nunca chegou. O último a se juntar a nós foi o homem que parecia ser o mais velho do grupo, embora nem um fio de cabelo branco tivesse. Era a pele enrrugada, o aspecto cansado, a lentidão em se locomover que revelavam sua idade. Quando o senhor se sentou Consuelo dirigiu-se a ele, falando algumas poucas palavras ao seu ouvido. Ele olhou pra mim e voltou a escutar Consuelo.

- O que você disse a ele? – perguntei a ela quando voltou a seu lugar, ao meu lado.

- Que a senhora quer conhecer o Popol Vuh, o livro sagrado dos Maias – disse ela diretamente.

E assim, com a tradução simultânea baixinha de Consuelo, descobri que o Popol Vuh era a bíblia Maia, o mais antigo documento escrito da América e única fonte de informação sobre a mitologia Maia. Era o livro através do qual os Maias descobriam sobre sua própria origem e os fenômenos da natureza. Também chamado de Livro da Comunidade, o Popol Vuh contava a estória dos Deuses Gêmeos Hunahpú e Ixbalanqué.

- Um dos que Pacal assumiu a identidade para chegar a imortalidade? – interrompi curiosa.

- Este mesmo – continuou Consuelo.

Os Deuses Gêmeos haviam nascido do encontro entre Hun-Hunahpú e a donzela Ixquic nas cavernas de Xibalbá, o inferno na religião Maia.

- Eles se conheceram no inferno? O que faziam lá? – interrompi novamente.

Consuelo ignorou a pergunta e prosseguiu. Ixquic havia engravidado pela saliva da Árvore de Jícara, onde estava a caveira de Hun-Hunahpú, e logo subiu ao mundo exterior fugindo dos senhores de Xibalbá.

- Agradeço se pudermos não passar perto desta árvore...

Sorrindo, Consuelo continuou: Ixquic foi aceita por Ixmukané, que já criava os dois filhos mais velhos de Hun-Hunahpú, antes de eles serem transformados em macacos pelos irmãos menores.

- Espera. Quem transformou quem em macaco?

Os filhos mais novos de Hun-Hunahpú transformaram os filhos mais velhos, seus irmãos, em macacos.

- Por que, meu Deus?! Como eles faziam isso?

São Deuses senhora, Deuses podem tudo. E a transformação foi feita porque os mais velhos pertubavam o sossego dos mais novos, Hunahpú e Ixbalanqué.

- Paciência não é muito o forte dos Maias, não é, Consuelo? Nem hierarquia...

Hunahpú e Ixbalanqué encontraram o campo de jogo de bola Maia que havia sido construído por seu pai, e ao jogar enfureceram os Senhores de Xibalbá, pelo que foram chamados a visitar o Inframundo, onde passaram por ínúmeras provas e venceram os Ajawab, os todo poderosos de Xibalbá. Assim, Hunahpú se converteu no Sol e Ixbalanqué se converteu na Lua!

E daquela forma lúdica a mitologia Maia explicava a criação do Sol e da Lua. Eram mitos tão ricos e cheios de curiosidades que eu escutaria aquelas estórias a noite inteira. Mas eu já estava tão integrada à cultura deles que Xibalbá não me saía da cabeça. Como podia permanecer ali sentada se o cenário daquelas estórias estavam, segundo Consuelo, a alguns metros dali? Por mais estranho que isso soasse, eu queria conhecer o inferno. (...)


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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Terapia à revelia


Ele sempre achou o romantismo uma coisa cafona, mas paradoxalmente era uma pessoa romântica. Gostava de gentilezas, de agradinhos, de atenção. O que haveria de cafona no romantismo se nada mais é do que o bem querer?

Deu conta então que a cafonice estava relacionada àquela timidez que tanto o atrasava. Na ânsia de sair da situação que o constrangia, unicamente pela timidez e ainda que estando em uma situação que desejasse, ele atropelava os sentimentos, abreviava as palavras e passava como uma máquina de cortar grama sobre um jardim florido, deixando apenas talinhos, sem grandes chances de voltarem a florescer.

Isso é doença, disseram-lhe uma vez. Tratou com teatro, não resolveu. Ele tinha cara de pau de subir num palco e se transformar em quem quer que fosse, sem o menor constrangimento, pois seria sempre o outro. E ele não precisava ter vergonha do outro. Na verdade ele não precisava ter vergonha de ninguém, nem do outro nem de si. De onde vinha essa timidez sem propósito? Essa vergonha do mundo?

Talvez morresse sem saber. Conversar com um especialista seria exposição demais, só de pensar ruborizava. A última coisa que preciso é um estranho conhecendo meus temores, pensava. Sua timidez transviava a lógica e cegava a razão. Sua única salvação era alguém ajudá-lo sem que ele notasse. Uma terapia à revelia.

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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sorria, você está sendo filmado!



Ontem à noite enquanto eu tomava banho meu filho entrou no banheiro com o seu pequeno laptop nas mãos. Aquela curiosa criança xeretava o Skype e seus principais recursos, voz e vídeo. Com a tela aberta voltada para o box do chuveiro, ele me perguntou:

- Aqui aparece o nome do tio Maurício mãe, com aquele símbolo verdinho, isso quer dizer que eu posso falar com ele, que ele pode me ver?

- Pode sim filho, inclusive se ele já estiver online vai achar bem curiosa a imagem que vê neste momento! Vire esse computador pra lá! – respondi surpresa com a improvável circunstância.

A liberdade sempre foi um bem precioso, mas nunca me dei conta de quando começamos a perdê-lo. Somos vigiados a maior parte do tempo, voluntária ou involuntariamente, como essa situação corriqueira e talvez nem tão correlata me mostrava.

As câmeras de segurança, por exemplo. Hoje nos acompanham até dentro do elevador, identificando quem está entrando com quem, que horas a vizinha baladeira chegou ou qual das crianças pentelhas aperta o botão de todos os andares. A graça de namorar dentro do carro ou num banco de praça já era, não só pela irônica falta de segurança mas pela câmera daquele prédio logo adiante, que mais serve para captar o movimento da vida alheia do que para garantir a segurança dos moradores.

Câmeras por todo lado, assinaturas, senhas, i-tokens, palavras-chaves, perguntas-chave... São necessárias tantas confirmações de que você é você, que nem mesmo você conseguiria dar um golpe em si mesmo, caso assim o desejasse. Fatalmente você tropeçaria em algumas das velhas e conhecidas premissas de segurança: você teria esquecido aquilo que você deveria ter (o cartão), ou não se lembraria daquilo que você deveria saber (a senha). E se você tivesse as duas coisas, provavelmente o sistema estaria fora do ar.


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